O inverno quente na Europa e o verão muito chuvoso no Brasil trouxeram queda nos preços da energia. Dessa vez a natureza ajudou e Deus foi europeu e brasileiro.
Na Europa, os preços do gás caíram para níveis vistos pela última vez antes do início da guerra Rússia/Ucrânia. Os preços do gás na Europa foram reduzidos em quase 48%, já sendo negociados a US$ 74/MWh, ou seja, aproximadamente onde estavam em fevereiro de 2022, antes do início da guerra. Os preços estão quase 80% abaixo da alta histórica de agosto/22, de US$ 346/MWh.
Nos Estados Unidos o preço no Henry Hub já caiu 50%, para US$ 3,68/MBTU, o que significa a volta aos níveis vistos pela última vez em dezembro de 2021.
Nesse momento não há mais o pânico da Europa ser forçada a racionar o gás durante o inverno. Entretanto, é bom chamar a atenção que, mesmo diante desse cenário, as residências e as empresas na Europa não devem esperar uma redução imediata nas contas de luz. Os preços do gás ainda são quatro vezes mais altos em comparação com a média da última década. E uma recuperação na demanda da China com o fim da política de “covid zero” poderá elevar novamente os preços do gás.
No Brasil os reservatórios das hidrelétricas alcançaram 80% de capacidade no fim de abril e a previsão é que, devido ao atual regime de chuvas, os reservatórios deverão terminar 2024 em nível superior ao de 2020, mesmo com um crescimento econômico em 2023 e 2024. Ou seja, cenários de crise hídrica estariam, a princípio, afastados nos próximos dois anos. Com isso é bem provável que não teremos problema de oferta de energia no atual mandato do presidente Lula da Silva. Afinal as hidrelétricas ainda respondem por algo como 65% da geração de energia no Brasil e houve, também, um crescimento de outras fontes renováveis.
Dessa vez a natureza ajudou, mas tanto o Brasil como o mundo precisam de uma política energética em que a oferta e, consequentemente, os preços da energia, fiquem menos reféns das mudanças climáticas. O caminho é construir uma matriz energética, a mais diversificada possível, usando as vantagens comparativas dos países e das regiões como produtores de energia. A nova política precisa ter como pilares a preocupação com o meio ambiente, sem esquecer de garantir a confiabilidade do abastecimento de energia. No futuro não teremos uma energia dominante como foram o carvão no século 19 e o petróleo no 20, mas não poderemos prescindir de nenhuma fonte primária, já que a demanda continuará crescendo. Se reduzirmos a oferta de energia teremos uma transição energética com preços altos, trazendo inflação e comprometendo o crescimento econômico e mesmo a segurança alimentar. No Brasil o nosso desafio será atrair investimentos usando a vantagem da diversidade de fontes primárias de energia. O novo governo tem de estar atento a essa oportunidade única.
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