BRASÍLIA - A concessionária do aeroporto de Viracopos (ABV), que pediu em 2020 para devolver o terminal, sugeriu em conversas com o governo que haja uma suspensão do prazo para um novo leilão, período no qual a ABV voltaria a pagar taxas para União a partir do próximo ano, segundo apurou o Estadão/Broadcast.
De acordo com fontes, o ensaio da proposta foi levado a integrantes do Executivo em uma tentativa de desenrolar o imbróglio em torno na relicitação de Viracopos, no qual a ABV tem demonstrado preferência em permanecer na administração do aeroporto, como mostrou o Estadão/Broadcast.
No ano passado, pela primeira vez, a administradora do terminal, que une TPI (Triunfo Participação e Investimentos), UTC Participações e Egis Airport Operation, registrou um resultado positivo, consolidando a vantagem que o aeroporto, forte em transporte de cargas, teve durante a pandemia da covid-19.
No desenho sugerido pela ABV, a suspensão da relicitação duraria até que fosse resolvida a arbitragem em que a concessionária e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) discutem valores que entendem ter a receber. Contudo, parar a contagem do prazo - o que faria o governo não avançar com um novo leilão do aeroporto ao menos durante esse período - dependeria da assinatura de um aditivo com a Anac. Na agência, por sua vez, técnicos têm afirmado que o órgão regulador está comprometido em fazer dar certo a devolução de Viracopos, resultando em um novo leilão.
Ainda não há uma definição sobre a saída sugerida pela concessionária, que tramita dentro do governo de maneira informal até o momento. Integrantes do Executivo reconhecem que qualquer solução para o caso - que não seja o prosseguimento da relicitação, atualmente à espera do aval do Tribunal de Contas da União (TCU) - dependeria de um consenso junto à Anac. Há também uma avaliação preliminar por parte de técnicos de que paralisar o prazo da relicitação, recentemente renovado até julho de 2024, é uma alternativa de difícil execução, não tendo previsão em lei.
Uma vez que a paralisação é encarada dessa forma, a tentativa de se negociar um “meio-termo” não é descartada, diante da disposição da ABV em voltar a pagar outorgas (taxas pelo uso do terminal) à União, mesmo que num valor parcial. Há uma avaliação de que o cenário poderia ficar mais claro assim que for concluída a primeira fase da arbitragem entre a Anac e o consórcio, que envolve seis pedidos de reequilíbrio de contrato que a ABV alega ter direito. Um deles se refere a desapropriação de áreas que seriam entregues à concessão para expansão da região próxima ao aeroporto, e que o consórcio diz ter recebido apenas 20% do previsto, frustrando o projeto comercial do terminal. Na outra ponta, a ABV deve outorgas atrasadas e multas calculadas em R$ 1,2 bilhão.
O processo de relicitação do aeroporto, por sua vez, abrirá uma nova fase arbitral, que envolve o valor de indenização de investimentos não amortizados que o governo terá de pagar para a ABV devolver o ativo. A concessionária calcula que tem a receber cerca de R$ 5 bilhões. A Anac ainda não fechou seus cálculos, mas já é esperado que o montante proposto pela agência seja menor e, portanto, caminhe para a discussão arbitral.
Na proposta desenhada pela ABV, a suspensão do prazo de relicitação valeria até a conclusão dessa segunda fase de arbitragem. A ideia parte do pressuposto defendido pela concessionária de que, somente após o fechamento de todos os valores, o governo poderia decidir se realizar um novo leilão é mais vantajoso que manter o consórcio no controle de Viracopos. Como mostrou o Estadão/Broadcast, essa tese não é bem aceita entre integrantes do governo e da Anac, para quem a vantajosidade foi atestada quando o novo certame do aeroporto foi qualificado no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).
Além disso, a retomada do pagamento das outorgas a partir de 2023 sugerida pela concessionária não seria pelo valor integral definido no contrato com a Anac, segundo apurou a reportagem. Esse desembolso foi suspenso dentro do plano de recuperação judicial enfrentado pelo consórcio, encerrado em 2020. A volta dos pagamentos, mesmo que num valor intermediário, foi colocada à mesa como um “gesto” da ABV em meio ao imbróglio, numa tentativa de demonstrar que a empresa pode manter o ativo e os investimentos previstos mesmo tendo de desembolsar tais taxas à União.
O montante que a concessionária deveria pagar ao governo pela concessão já chegou a ser discutido judicialmente, com base nas alegações da ABV de que o poder público deixou de cumprir partes do contrato. Pela proposta, o desembolso de uma outorga intermediária duraria até a conclusão da arbitragem, quando a concessionária espera ter o negócio reequilibrado e um novo valor de outorga definitivo. Isso, contudo, se a União aceitar o desenho e resolver não dar prosseguimento à relicitação do aeroporto. Procurado, o Ministério da Infraestrutura não respondeu até o fechamento do texto. A concessionária ABV preferiu não se manifestar.
Histórico
Em entrevista ao Estadão/Broadcast publicada em julho, o presidente da ABV, Gustavo Müssnich, afirmou que o consórcio pode “até ficar com a concessão”, emendando que “talvez não seja do melhor interesse público relicitar”. “A tendência é que esses valores (provenientes de outorga de novo leilão) sejam menores que os nossos, porque ainda que o contrato seja reequilibrado, vão relicitar um sítio aeroportuário com metade do tamanho inicialmente previsto”, disse.
Na Anac, por sua vez, o esvaziamento do processo de relicitação é criticado, entre outras razões, pela mensagem que poderá passar ao setor: de que o instrumento de devolução amigável funcione como um período para as concessionárias ‘arrumarem a casa’ e depois permanecerem com o empreendimento, sendo, por fim, banalizado. Pela lei, o processo de relicitação suspende obrigações de investimento do concessionário que estão a vencer. O texto também prevê que a adesão ao instrumento é “irrevogável e irretratável”.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.