Carlos Geraldo Langoni era um economista que combinava profundo conhecimento teórico com extremo rigor na análise empírica. Nos anos 1970 envolveu-se em controvérsias que enfrentou baseado em sólidos fundamentos econômicos e cuidadoso tratamento dos dados. Sofreu críticas, às quais respondeu brilhantemente, conquistou admiradores, enfrentou detratores, e nunca transigiu na defesa de políticas econômicas voltadas aos objetivos do bem-estar geral e do desenvolvimento econômico.
Sua primeira contribuição valiosa foi sua tese de doutorado em Chicago, em 1970, na qual estimou em 25% a taxa de retorno social dos investimentos em capital humano e em 12% a dos investimentos em capital fixo. Para crescer mais era preciso investir em capital humano, mas a semente que plantou caiu em solo estéril. Vivíamos um ciclo de industrialização, durante o qual o Brasil crescia mais do que os EUA, aproximando-se da “fronteira”, e tinha uma renda per capita superior à coreana. Não havia interesse em abandonar o modelo que desprezava a competição, que confiava no poder das tarifas altas sobre as importações e dos estímulos fiscais e creditícios às exportações, e que aumentava os lucros dos setores favorecidos.
Sua segunda contribuição, com muito maior impacto, foi o livro Distribuição de Rendas e Desenvolvimento Econômico no Brasil, de 1973. Nele está a explicação correta para o aumento na concentração de rendas, que de fato ocorreu, entre 1950 e 1970. Na defesa de sua análise e conclusões enfrentou economistas que, apesar do enorme prestígio, contavam apenas com uma sedutora retórica e uma narrativa politicamente atraente, segundo a qual o governo teria usado o aumento da concentração como instrumento para acelerar o crescimento. Para elevar a demanda de bens de consumo teria aumentado a renda dos mais ricos, e para controlar a inflação teria reduzido os salários dos mais pobres. As evidências empíricas de Langoni deram provas claríssimas de que o aumento na concentração de rendas derivou do distanciamento crescente entre os salários dos trabalhadores qualificados, cuja oferta era inelástica, e dos não qualificados, com oferta abundante e elástica.
Escondida no capítulo 8 daquele livro há uma penetrante análise sobre o desenvolvimento. Sob a influência do orientador de sua tese, Theodore Schultz, que utilizou a mesma estrutura teórica no seu Transforming Traditional Agriculture, Langoni partiu da distinção entre os setores “tradicionais” e “modernos”. Os primeiros são os que usam métodos de produção baseados apenas na acumulação do capital físico, e como a produtividade marginal do capital é decrescente, o crescimento rapidamente se esgota. Há somente uma forma de sustentar o crescimento a taxas elevadas, que é eliminando as barreiras à entrada de empresários do setor “moderno”, que investem em pesquisas e em capital humano, colhendo um aumento dos lucros e da produtividade total dos fatores. O aumento dos salários dos trabalhadores qualificados seria o “sinal” emitido pelo mercado de que aquele era o fator escasso. Não conseguiu convencer nem os críticos do governo, cujo único objetivo aceitável era combater um governo autoritário, nem os empresários tradicionais, que temiam que a competição lhes reduzisse os lucros.
Langoni já lutava para sobreviver à covid quando, no início de 2021, Aghion, Antonin e Brunel publicaram The Power of Creative Destruction, onde distinguem o crescimento baseado apenas nos investimentos em capital físico (os setores “tradicionais” de Langoni), dos “modernos”, baseados em inovações tecnológicas associadas ao capital humano, que elevam a produtividade total dos fatores. Os autores usam todo um capítulo para explicar por que há países que, após um ciclo de forte crescimento, tornam-se prisioneiros da armadilha da renda média. Há, entre os empresários uma luta pelos rents (o excesso de lucros), com os “tradicionais” agindo para impedir a competição, porque isto reduziria seus rents em favor do aumento temporário dos rents dos “inovadores”. Para isso, usam “uma parte de sua riqueza e do poder de influência política para pressionar políticos e juízes de forma a impedir a introdução e a implementação de novas regras favoráveis à competição”.
Saímos do campo da economia, entrando no dos lobbies e da influência política. É um mundo muito distante do idealizado por Langoni, mas, infelizmente, é o que explica o nosso baixo crescimento. *EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.