BRASÍLIA - A necessidade de dar fim ao funcionamento precário das agências reguladoras não interessa apenas a servidores públicos. Quem paga o preço pela falta de serviços é a população como um todo, seja na economia ou, em alguns casos, com a própria vida.
O estrangulamento da força de trabalho da Agência Nacional de Mineração (ANM) é o exemplo mais flagrante. Mesmo após os rompimentos criminosos das barragens de Mariana e de Brumadinho – esta última completa quatro anos nesta quarta-feira, 25 –, a equipe de fiscalização da ANM voltada exclusivamente para as barragens de rejeito sofre hoje com a falta de 40% da capacidade prevista de pessoal.
São 928 barragens de rejeito de minério para fiscalizar em todo o País, seja por meio presencial ou com uso de tecnologias, e evitar que novas tragédias ocorram. O time atualmente destinado a essas atividades, porém, conta com 34 pessoas, sendo que as regras internas exigem 55 profissionais.
O colapso da ANM já é uma realidade nas fiscalizações dos royalties da mineração, principal fonte de receita que abastece os cofres públicos de municípios, Estados e da União. Apenas cinco servidores estão dedicados, atualmente, à tarefa de fiscalizar cerca de 45 mil processos de pagamento da chamada Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), o encargo bilionário que deve ser pago pelas mineradoras.
Sem condições de realizar esse trabalho, já se acumula na ANM um passivo de 8 mil processos de Cfem sem análise, envolvendo um rombo potencial de até R$ 20 bilhões, segundo o Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências).
Em julho do ano passado, a ANM chegou a fazer um concurso para contratação de 40 engenheiros, mas ninguém assumiu o posto devido ao calendário eleitoral. Os aprovados seguem aguardando uma portaria do governo federal para começarem a trabalhar.
Paralelamente, a ANM espera, ainda, a equiparação salarial de seus cargos em relação àqueles pagos pelas outras dez agências federais. Em média, a remuneração na ANM para um cargo de mesma categoria administrativa é 46% inferior. Essa distorção tem origem na criação da própria ANM: a agência substituiu o antigo Departamento Nacional de Pesquisas Minerais (DNPM), mas acabou herdando suas regras salariais, em vez de seguir o que se prevê para as demais agências. O resultado é que, em diversas situações, não há interessados em assumir os postos. A revisão dessa regra está em tramitação no Congresso Nacional.
Procurada, a ANM não se manifestou. Em nota, o Ministério de Minas e Energia disse apenas que “acompanha a questão, respeitada a autonomia das agências reguladoras” e que a pasta “tem buscado zelar pelo pleno cumprimento das ações de regulação e fiscalização”.
Transportes e energia
No setor de transportes, o cenário não é muito diferente, segundo apurou o Estadão. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) precisa fiscalizar 24 concessões rodoviárias, que somam mais de 13 mil quilômetros de estradas. Nas ferrovias, são mais 16 concessões que respondem por 29.925 quilômetros de malha, além de outros 3.228 quilômetros em construção.
O número estimado pela própria agência como “o ideal para que houvesse uma melhor cobertura de presença” seria de 650 fiscais. Atualmente, porém, a fiscalização da ANTT conta com apenas 363 fiscais para cobrir todo País.
Além de cuidar das concessões, é papel da ANTT regular e fiscalizar os pisos de frete de carga. São mais de 2,6 milhões de veículos cadastrados para transporte de carga. Outra competência é monitorar o transporte interestadual e combater o transporte clandestino em todo território nacional.
“Atualmente, o quadro de servidores da ANTT conta com uma defasagem de 45,51%, contabilizando 776 vagas não providas em relação às 1.705 previstas na lei”, declarou a agência. “A ANTT vem pedindo anualmente a autorização para realização do concurso e fará novamente o pedido neste ano de 2023.”
Na área de energia, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) também viu a demanda de seus serviços explodir, mas não consegue autorização para renovar seu quadro desde 2010. Hoje o déficit de mão de obra é de 24%. “Em que pesem todos os esforços empreendidos pela Aneel no aprimoramento de seus processos e na implementação de ferramentas tecnológicas que otimizam a performance e a produtividade, o dimensionamento de pessoal previsto em lei encontra-se defasado”, disse a agência.
Em maio do ano passado, a Aneel fez novo pedido para realizar um concurso público. O governo Bolsonaro negou. Pressionada, a agência pediu, então, “autorização para contratação de 50 profissionais de nível superior por tempo determinado para atender a necessidade de excepcional interesse público”. Negativo. “O pedido também não foi deferido”, informou a agência.
A situação é a mesma na Agência Nacional do Petróleo e Biocombustíveis (ANP), que hoje sofre com a defasagem de 125 cargos efetivos previstos em lei. O último concurso público foi realizado em 2015, com apenas 34 vagas de técnicos voltadas à substituição de terceirizados. A defasagem salarial dos servidores é outro problema. De 2017 para cá, chega a 34,18%, com base no índice acumulado do IPCA. “Isso contribui diretamente para pedidos de exoneração de servidores da agência”, afirmou a ANP.
A agência afirmou ainda que, na última década, “as atribuições da ANP foram ainda mais ampliadas sem qualquer incremento de cargos efetivos” e que, para situações específicas, tem atraído servidores de outros órgãos. Há 48 novos profissionais terceirizados em fase de contratação por tempo determinado. “Essas iniciativas não suprem as carências da Agência. A ANP permanece com necessidade de recomposição de seu quadro, dado o aumento de atribuições da agência ao longo dos anos, além de expectativa de aposentadorias e evasão, até mesmo para o setor privado, tendo em vista a defasagem salarial.”
Saúde recorre a alternativas
Na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão que protagonizou pressões históricas durante o processo de regularização de vacinas contra a covid-19, há uma série de lacunas e necessidade de recorrer frequentemente a tudo quanto é funcionário do Ministério da Saúde e demais órgãos para fazer valer as suas operações.
Todo ano, a Anvisa envia uma solicitação de autorização para realização de concurso público. Atualmente, a agência aguarda resposta da solicitação realizada em 2022 e, em breve, vai encaminhar um novo pedido referente a 2023. A solicitação atual mira um total de 107 vagas. O dimensionamento da força de trabalho de 2022 realizado pela Anvisa, porém, apontou um déficit total de 1.146 pessoas.
Fundada em 1999, a Anvisa chegou a contar com 2.360 servidores em 2007. Foi o maior contingente em operação na agência. Dez anos depois, em 2017, esse número já tinha caído para 1.908 pessoas. O cenário atual, porém, é pior desde a sua fundação, da agência, que hoje pode contar com apenas 1.639 servidores no ano passado.
Para agravar ainda mais o cenário, 600 profissionais desses 1.639 servidores na ativa podem deixar o posto a qualquer momento, pelo fato de estarem trabalhando em regime de “abono de permanência”, um benefício financeiro que é concedido ao servidor ativo, no valor equivalente à sua contribuição previdenciária, quando ele opta por permanecer em atividade após ter cumprido todos os requisitos para aposentadoria voluntária, até completar os requisitos para sua aposentadoria compulsória.
Por meio de nota, a Avisa declarou que a realização de concurso público para recomposição de sua força de trabalho é hoje uma “condição essencial para qualquer esforço presente e futuro” das atividades da agência. “Ao longo dos últimos anos já foram tomadas todas as medidas possíveis para manter o funcionamento da agência, tais como remanejamentos internos, modernização da tecnologia da informação, melhorias de processos de trabalho, entre outros”, afirmou a Anvisa. “No entanto, tais soluções não têm sido suficientes para manter o ideal funcionamento da agência. Impõe-se a recomposição de sua força de trabalho por meio do concurso público.”
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