BRASÍLIA – O estrangulamento da força de trabalho da Agência Nacional de Mineração (ANM) levou o Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências) a decretar “estado de greve” no órgão federal. Hoje, a ANM funciona com apenas 32% de seu quadro de servidores, sem ter condições mínimas de realizar seu trabalho, segundo a agência.
Na prática, com a decretação do estado de greve, o governo federal será cobrado, por meio de ofícios, para que tome medidas urgentes e evite a paralisação total dos serviços.
A ANM foi criada em 2017 para substituir o antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). A agência é responsável por fiscalizar um setor que movimenta R$ 340 bilhões por ano, o equivalente a 4% de todas as riquezas produzidas no Brasil.
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Por lei, a ANM teria de ter 2.121 servidores em plena atividade. Esse é o organograma previsto em sua criação, ou seja, a estrutura necessária para realizar seu trabalho. Hoje, porém, a agência tem apenas 664 servidores, o que significa um rombo de 68% em sua força de trabalho, como mostrou o Estadão.
Mesmo após os rompimentos das barragens de Mariana e de Brumadinho, equipe de fiscalização da ANM voltada exclusivamente para as barragens de rejeito sofre com a falta de 40% da capacidade prevista de pessoal. São apenas 34 pessoas para fiscalizar 928 barragens de rejeito de minério em todo o País.
O colapso já é uma realidade nas fiscalizações dos royalties da mineração, principal fonte de receita que abastece os cofres públicos de municípios, Estados e da União. Apenas cinco servidores estão dedicados, atualmente, à tarefa de fiscalizar cerca de 45 mil processos de pagamento da chamada Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), o encargo bilionário que deve ser pago pelas mineradoras.
Fora as limitações atuais, ainda há previsão de aumento de mais trabalho, com mudanças previstas para fiscalizar a origem do ouro no Brasil e combater as atividades ilegais do garimpo.
“A situação se agravou ainda mais. A instauração do estado de greve na ANM sinaliza a intensificação da mobilização dos servidores para resguardar a regulação do setor de mineração no Brasil, formalizando a busca de um processo negocial com o governo, que até o momento se manteve silente diante nossas reivindicações. A ANM já funciona com 30% de seu efetivo, executando suas atribuições no limite do possível”, diz o presidente do Sinagências, Cleber Ferreira.
A decisão pelo estado de greve foi tomada nesta segunda-feira, 17, durante uma Assembleia Distrital unificada restrita ao corpo de servidores da ANM, filiados ou não ao sindicato.
O estado de greve se distingue da greve ou do indicativo de greve, sendo um estado de mobilização sem nenhuma relação com movimentos paredistas ou que venham a ter impacto na paralisação de serviços ou atividades por parte dos servidores da ANM.
A necessidade de fortalecimento da estrutura organizacional da agência já foi recomendada pela Controladoria-Geral da União (CGU), pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Tribunal de Contas da União (TCU) também alertou sobre a necessidade de reestruturação do órgão, com 29 áreas que representam um alto risco de paralização, por vulnerabilidade a fraude, desperdício, abuso de autoridade e má gestão.
Hoje as carreiras da ANM possuem ainda um déficit remuneratório de 40%, em média, em relação às demais agências reguladoras federais. Os servidores estão sem recomposição salarial desde julho de 2017, totalizando seis anos de perda de poder de compra. A remuneração inicial atual do cargo de Especialista em Recursos Minerais é hoje menor do que o piso da engenharia, dificultando ainda mais a realização de concurso e seleção de bons profissionais.
Diante do atual quadro, a agência já se encontra em estado de colapso operacional, limitada aos serviços essenciais. “Na prática, os sucessivos governos já colocaram a ANM em estado de paralização operacional parcial onde a agência não possui condições de exercer suas atividades de forma contínua por falta de pessoal”, afirmou Cleber Ferreira.
Em fevereiro, após reportagem do Estadão, a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, autorizou a nomeação de 40 candidatos aprovados em um concurso público da ANM. O processo estava parado desde 2021, quando o concurso foi realizado. O chamamento, no entanto, não estancou a crise.
Questionado sobre o assunto, o Gestão e da Inovação em Serviços Públicos declarou que “a primeira autorização de nomeação de servidores realizada pelo atual governo foi justamente para provimento da ANM” e que “novas demandas deste e demais órgãos estão em estudo pelo Ministério da Gestão”.
Senador aciona PGR contra Bolsonaro e Bento Albuquerque
O senador Jorge kajuru (PSB-GO) vai acionar a Procuradoria-Geral da República, com uma representação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e os ex-ministros de Minas e Energia Bento Albuquerque e Adolpho Sachsida, devido à situação de abandono da ANM.
Em sua representação, o senador afirma que “a agência passou por um forte processo de desmonte nos últimos quatro anos” e que o sucateamento “foi acentuado na gestão de Jair Bolsonaro estrategicamente, uma vez que ela é responsável pelo combate à mineração irregular, cujo garimpo ilícito é uma de suas espécies”.
“A ANM comprova a responsabilidade do Governo de Jair Bolsonaro na destruição da agência e paralisação da fiscalização minerária. A negativa em realizar concursos públicos levou o quadro funcional a níveis críticos e levará o órgão ao colapso em 2023. Lamentável”, afirma o senador.
Jorge kajuru lembra que todas as solicitações para realização de concursos públicos foram negadas e que estas dependiam de autorização dos ministérios e do próprio governo.
Ele lembra ainda que houve forte redução na aplicação de multas no setor. Durante a gestão de Dilma/Temer (2015/2018), a ANM apresentou uma média anual de R$ 35 milhões em multas aplicadas. Nos quatro anos, foram R$ 140,8 milhões em autuações. Já na gestão Bolsonaro (2019/2022), a média anual foi de R$ 14 milhões. Nos quatro anos, foram R$ 58,5 milhões em multas, uma queda de 60%.
“Isso é prejuízo real, pois estamos falando de, no mínimo, R$ 21 milhões não arrecadados anualmente. Seria muita ingenuidade achar que o setor de mineração cometeu menos ilícitos nesse período”, afirmou o parlamentar. “Os responsáveis por esses prejuízos precisam responder pela omissão, que aparenta ter sido premeditada.”
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