BRASÍLIA - Alguns dos projetos considerados mais importantes para o governo estimular uma “revolução verde” na economia do País começarão a sair do papel ainda este mês. É o caso da entrega de um texto a ser encaminhado ao Congresso Nacional pelo Ministério da Fazenda para regular o mercado de carbono e a abertura de uma consulta pública sobre taxonomia - uma espécie de manual de classificação. Na agenda de sustentabilidade, o instrumento serve para definir quais setores, atividades, projetos e ativos estão alinhados com os objetivos ambientais, sociais e de governança, mais conhecidos pela sigla em inglês ESG.
Além disso, o governo decidiu que parte - cerca de R$ 10 bilhões - do que será levantado com a emissão dos primeiros títulos soberanos sustentáveis será direcionada ao Fundo Clima. “É nessa ordem de grandeza”, confirmou ao Estadão/Broadcast Rafael Dubeux, assessor especial do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Dubeux é o responsável por liderar as discussões sobre o Plano de Transformação Ecológica (PTE), a “menina dos olhos” da equipe econômica, e deve se tornar secretário executivo adjunto da Pasta a fim de ter mais força para tocar os projetos previstos até aqui.
O PTE, adiantado com exclusividade pelo Estadão/Broadcast em abril, soma mais de 100 ações mapeadas em seis diferentes eixos. Algumas com previsão de impactos vultosos e outras mais pontuais. Como as ações têm diferentes estágios de desenvolvimento, o governo ainda não consegue estimar com precisão os impactos para a economia. A academia e o setor privado, porém, já começaram a fazer alguns estudos.
Além do mercado de carbono e da taxonomia, também estão previstos para o curto prazo a entrega ao Legislativo do projeto de lei do ‘Combustível do Futuro’, o encaminhamento da proposta que regulamenta as eólicas offshore (fora do País), além de um projeto específico para tratar de hidrogênio de baixo carbono. Em outra frente do PTE, o Tesouro Nacional prepara para os próximos meses a primeira emissão de títulos soberanos sustentáveis.
O governo tem pressa porque quer chegar à COP-28, marcada para ocorrer no fim de novembro, em Dubai, nos Emirados Árabes, com novidades e mostrar que o Brasil está realmente empenhado em relação a práticas sustentáveis. A COP-30, em 2025, está prevista para ocorrer no Brasil, em Belém (PA). O Fundo Clima é gerenciado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Conforme Dubeux, as tratativas com a instituição financeira estão bem avançadas sobre quais setores poderão usar os recursos do instrumento. “A ideia é estimular ao mesmo tempo atividades que estão ligadas à sustentabilidade e à inovação tecnológica”, explicou.
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Mercado de carbono
Para fechar o texto mais consensual possível para regular o mercado de carbono, o Ministério da Fazenda decidiu ouvir integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDES), o chamado “Conselhão”, antes de submeter a proposta aos parlamentares. A consulta informal ao órgão, reativado no governo Lula 3, deve ser concluída na próxima semana, embora o texto já seja considerado “bastante maduro”, afirmou Dubeux.
”A ideia é ouvir e receber contribuições de conselheiros para que, neste mês ainda, comece a tramitar. Estamos esperando fechar essa conversa no Conselhão, que deve ser na semana que vem, receber as contribuições, para aí definir um encaminhamento. Mas é algo para agora”, disse Dubeux.
Enquanto fecha a proposta final, o governo avalia a forma de encaminhar o assunto ao Congresso. Dentre as possibilidades, está a de usar como veículo um projeto que já tramita no Senado, atualmente na Comissão de Meio Ambiente (CMA) sob relatoria da senadora Leila Barros (PDT-DF). O projeto já passou pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) no fim do ano passado. Se essa for a opção escolhida, a proposta do governo deve entrar como um substitutivo ao projeto, por se tratar de um texto diferente do elaborado no Senado.
Integrantes do governo federal e do Senado ouvidos pelo Estadão/Broadcast sob reserva consideram que essa será a via adotada pelo Palácio do Planalto. Leila, inclusive, já estaria alinhando seu texto com o Ministério da Fazenda. Na última semana, a senadora esteve com o ministro Fernando Haddad para discutir o conteúdo da proposta.
Há dois motivos que parlamentares governistas veem a favor de se aproveitar o projeto de lei que já está em tramitação. Primeiro, o fato de que a palavra final seria dada pelo Senado - no qual o Palácio do Planalto sempre considerou ter uma base de apoio mais fiel e consistente do que na Câmara. Em segundo lugar, o caráter terminativo pelo qual a proposta tramita na Comissão de Meio Ambiente - o que significa que, caso o projeto seja aprovado no colegiado, não terá de passar sequer pelo plenário da Casa Alta do Congresso, a não ser que haja um recurso de algum parlamentar. Questionado, Dubeux reconheceu que o caminho pelo Senado é uma possibilidade. A decisão sobre a forma de tramitação, por sua vez, ainda não está fechada, disse.
Apesar de ajustes realizados nos dois últimos meses, a proposta atual do governo mantém os grandes pontos do texto concluído em junho por um grupo de trabalho composto por mais de dez ministérios. A minuta sugere que fiquem sujeitas ao mercado regulado as instalações que emitam acima de 25 mil toneladas de CO2 equivalente por ano - um recorte horizontal para as emissões, e não por setores. Na prática, a linha de corte atinge majoritariamente a indústria. Em peso, os segmentos de siderurgia, cimento, alumínio e indústria química, por exemplo.
Para o agronegócio, o teto vai afetar pouco grandes frigoríficos. Por outro lado, a avaliação é que esse setor vai se beneficiar com o mercado de carbono regulado pela possibilidade de vender créditos de CO2, por exemplo, a partir de unidades que trabalham com reflorestamento - além do ganho em reputação de produzir num País com regime de metas de emissão. “O agro tende a ganhar”, disse Dubeux.
Receptividade
O assessor especial de Haddad classificou a recepção do setor privado à minuta como “superpositiva”. Questões pontuais ainda geram algum debate, mas o nível de aceitação tem sido “muito amplo”, afirmou, mesmo dos setores mais diretamente regulados.
A subsecretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável da Fazenda, Cristina Reis, disse ser possível assegurar que o texto ficou o “mais consensual possível”. Ela reconhece que alguns pontos ainda podem gerar maior discussão, como o valor de multas, além de um eventual pedido do setor do agronegócio para ficar expressamente fora do mercado regulado. “Mas não recomendamos isso, porque a horizontalidade que o texto expressa também é um sinal muito positivo de que não está se olhando para nenhum grupo de interesse específico, mas para o interesse climático. E o enfrentamento da questão climática é uma oportunidade de negócio”, afirmou
O governo estima que, com as futuras regras, cerca de 0,1% dos agentes econômicos monitorados sejam submetidos ao mercado regulado, se considerado o recorte de emissões acima de 25 mil toneladas de CO2 equivalente por ano. Apesar de pequena, a parcela corresponde a cerca da metade das emissões das atividades econômicas do País - excluindo florestas, fonte de grande parte das emissões brasileiras em razão do desmatamento.
Como mostrou o Estadão/Broadcast, o governo Lula corre para mostrar trabalho num contexto de atraso histórico do País. Além da tarefa de combater o desmatamento ilegal, o Brasil também fica atrás de pelo menos 28 iniciativas de mercado de carbono já implementadas no mundo. Há dois anos, nos preparativos para a COP-26, o Congresso tentou aprovar um projeto de lei que criaria esse ambiente regulado, mas esbarrou em resistências e falta de consenso junto à administração do então presidente Jair Bolsonaro. Por isso, três projetos sobre o tema ainda tramitam no Parlamento.
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