O Brasil caminha para se tornar o primeiro país a quantificar a emissão de carbono em grandes extensões de lavouras de soja. Um programa que une órgãos governamentais e a iniciativa privada avança para certificar propriedades com baixa ejeção de gases de efeito estufa em todas as regiões produtoras. Os agricultores que alcançarem resultados acima da meta para certificação receberão um selo que irá representar um diferencial no momento de comercializar a safra.
Além do ganho ambiental, a ideia é que esses produtores sejam recompensados pela lavoura sustentável, com bonificações, financiamentos com juros e outros benefícios já ofertados à produção sustentável.
O programa Soja Baixo Carbono foi criado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa-Soja) e conta com o apoio de empresas com expressiva participação na cadeia da soja, como a Bayer, Bunge, Cargill, Coamo, Cocamar, GDM e UPL.
A partir de históricos de dados do carbono estocado no solo em sistemas de produção típicos, será feita a comparação com áreas candidatas a receber o selo, ou seja, que adotaram práticas mitigadoras. O programa estima que o potencial de redução das emissões possa chegar a 30%.
Conforme a pesquisadora Roberta Carnevalli, da Embrapa Soja, está na fase final a seleção das fazendas em cinco macro-regiões que produzem o grão do Sul ao Norte do País.
O protocolo será aplicado em diferentes áreas das lavouras-piloto, o que representa 25 áreas com diferentes tipos de solo e clima. A partir da validação dos critérios do protocolo, será enviado um memorial descritivo para registro no Ministério da Agricultura e Pecuária.
“O protocolo precisa ser mensurável, com base na ciência, por isso vamos realizar as medições ao longo de três safras, a partir desta de 2023. Esperamos ter a validação concluída em meados de 2026 e iniciar a operacionalização do selo”, disse.
A pesquisadora observa que o produtor não precisa esperar três anos para adotar as práticas sustentáveis e obter o selo. “Não vamos interferir no manejo, mas ele será orientado sobre as boas práticas de baixo carbono e pode chegar em 2026 já em condições de receber a certificação. O produtor tem de ser melhor que o referencial da região. Não queremos um produtor mediano, mas um agricultor de muita qualidade. Esse será o produtor de soja baixo carbono que o programa vai premiar com o selo”, disse.
Desafios
A adesão ao programa será voluntária e o protocolo será aplicado e certificado por empresas especializadas.
De acordo com o também pesquisador da Embrapa Soja Henrique Debiasi, as diretrizes trarão o que medir e avaliar, ou seja, o que as áreas candidatas precisam apresentar para obter o selo. “As mesmas práticas que reduzem as emissões de gases de efeito estufa são práticas que aumentam a produtividade e reduzem os custos, o que mostra que o produtor terá ganhos. O desafio técnico é que o custo de implantação seja compatível com os benefícios”, disse.
Ele cita que o sistema modal (típico) em várias regiões, como a de Londrina, no Paraná, utiliza a soja no verão e milho na segunda safra. Nessa região os registros mostram pouca utilização da rotação de culturas e sistema de plantio direto com ocasionais preparos de solo.
“Ao adotar o sistema de plantio direto em sua plenitude, sem revolvimento do solo e com maior aporte de palha e raízes, esse produtor irá acumular mais carbono no solo, na forma de matéria orgânica, critério que será considerado no protocolo para atribuição do selo”, explicou.
Alternativas
Outras tecnologias acessíveis aos produtores reduzem as emissões dos gases de efeito estufa sem prejuízo da produtividade, como a substituição parcial ou total de fertilizantes químicos por bioinsumos, a adoção de cultivares mais produtivas e resistentes, o manejo integrado de pragas, doenças e plantas daninhas, e a fixação biológica de nitrogênio.
“A aplicação de nitrogênio mineral na soja, prática desnecessária que ainda é usada em algumas regiões, pode implicar na emissão de mais de 100 quilos por hectare de CO2. Essa prática deve ser substituída pela fixação biológica, que será computada no protocolo de baixo carbono”, citou o pesquisador da Embrapa Marco Antonio Nogueira.
Outras práticas, como o manejo integrado de pragas e doenças, conseguem reduzir em 30% a aplicação de inseticidas e fungicidas. “Um menor número de aplicações implica em menos consumo de diesel por hectare, reduzindo de forma direta as emissões de gases. Menos agrotóxicos armazenados na propriedade também reduzem emissões”, disse.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.