Desde antes da chegada dos europeus para este lado do Atlântico, as comunidades indígenas tinham a noção de que a rotatividade de culturas em uma mesma área poderia influenciar de forma positiva na produção agrícola. Muito bem guardada as devidas proporções, séculos depois, é isso que buscam os adeptos dos sistemas integrados de lavoura, pecuária e floresta. Ou seja, produzir mais e melhor em uma mesma área geográfica, o que ajuda no combate aos novos desmatamentos e na redução das emissões dos gases de efeito estufa.
Se em tese a ideia funciona, na prática – como foi mostrado no Seminário Agronegócio, organizado pelo Lide e pelo Estadão em 10 de outubro, em São Paulo – o Brasil precisa acelerar a implementação desse sistema de cultura.
De acordo com os números da Rede ILPF (Integração Lavoura, Pecuária e Floresta), há hoje 17,4 milhões de hectares sob esse protocolo. Nos anos 2000, eram apenas 2 milhões de hectares. A meta da Rede ILPF é atingir 35 milhões de hectares em 2030.
Na esteira desse crescimento, entre práticas sustentáveis na agropecuária e adoção do sistema ILPF, o Brasil pode evitar a emissão de 1 bilhão de toneladas de CO2 na próxima década, segundo cálculos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que criou a técnica por volta de 2010.
“Temos tecnologia e toda a experiência para conseguir ampliar a área voltada para os sistemas integrados”, afirma Silvia Massruhá, primeira mulher a assumir a presidência na história da Embrapa, que participou do seminário em São Paulo. Segundo ela, também entusiasta da parceria público-privada representada pela Rede ILPF, a relevância do processo foi reconhecida por meio da Política Nacional de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, criada em 2013.
Abrangência
Hoje, do total de hectares utilizados para o sistema integrado, 83% usam a técnica de integração apenas entre lavoura e pecuária, enquanto outros 9% são de ILPF, 7% de IPF (pecuária/floresta) e 1% de LF (lavoura/floresta).
De acordo com o censo agropecuário de 2017, a agropecuária ocupa uma área total de aproximadamente 350 milhões de hectares no Brasil.
Conforme o levantamento, existem ainda aproximadamente 90 milhões de hectares voltados para a agropecuária em algum estágio de degradação. Esse tipo de área de problema pode se transformar em oportunidade, segundo especialistas do setor. Eles afirmam que os dados disponíveis mostram o potencial que o agro brasileiro tem para crescer, sem precisar pressionar a Amazônia, o Cerrado e a Mata Atlântica.
“Pelo nosso diagnóstico, a questão do financiamento e da capacitação técnica é o que mais impede a expansão dos sistemas integrados. É nisso que vamos trabalhar”, afirma Isabel Ferreira, diretora executiva da Rede ILPF. Apesar do potencial gigantesco que existe no Brasil para as práticas sustentáveis crescerem, nada será feito de forma impositiva, segundo a executiva, que também esteve no evento organizado pelo Lide e pelo Estadão.
Despesas
Por mais que o custo da produção com algum grau de integração possa chegar aos R$ 15 mil o hectare, produtores que escolheram o caminho mais sustentável estão colhendo frutos, segundo Isabel, que citou o caso da Fazenda Santa Brígida, em Goiás, como exemplo.
Na propriedade no interior goiano, antes da mudança no manejo da área pecuária ser feita, eram precisos mil hectares para a engorda de mil bois. Agora, são necessários apenas 80 hectares para a produção, inclusive com mais qualidade, para a mesma quantidade de animais.
Segundo Marize Porto, dona da Santa Brígida, a chegada da floresta ao lado das áreas de produção é a “cereja do bolo”. Para ela, trata-se do futuro do agronegócio. “Quem não estiver nesse caminho terá dificuldades de vender os seus produtos”, afirma a produtora rural.
Ela era dentista, mas no início do século, meio no escuro após a morte precoce do marido, herdou uma fazenda praticamente abandonada e resolveu virar o jogo após conhecer a ILPF na Embrapa.
O ponto central que turbina a produção, no caso dos sistemas integrados, é o fato de o solo ser enriquecido de forma natural, sem a necessidade de muitas correções bioquímicas por meio de produtos externos. A plantação das árvores, nem sempre feita por causa das dificuldades logísticas, ajuda a balancear ainda mais as emissões de carbono da propriedade. Espécies de grande porte crescendo dentro da Fazenda, apesar de muitas ainda não serem nativas, acabam fixando mais carbono no solo.
Amazônia
Dentro do bioma amazônico, a Fazenda Gamada, de Nova Canaã do Norte, em Mato Grosso, também segue há anos o caminho da integração. A pecuária extensiva em área degradada ficou no passado. Entraram as espécies florestais, como o eucalipto, a teca, o pinho cuiabano e o pau-de-balsa. No meio das árvores, cresce a lavoura de soja em integração com o capim, que depois vira alimento para o gado. A fertilidade do solo fez explodir a eficiência da produção, inclusive da pecuária, que dobrou. A madeira produzida na Gamada é usada também como fonte de energia para o secador de grãos e para a construção das cercas. “A integração é uma terceira evolução do setor após o plantio direto e a segunda safra”, ratificou Isabel durante o evento sobre os desafios do agronegócio nacional.
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