Produtora rural e pecuarista. É assim que se apresenta Teresa Cristina Vendramini, conhecida como Teka. Há 12 anos à frente da Fazenda Jacutinga, em Flórida Paulista (SP), Teka ainda se vê como a única mulher em muitas reuniões das quais participa, mas nota que as mulheres estão presentes no agronegócio, hoje, como nunca estiveram. “Minha avó participava das decisões da família e de negócios ouvindo na sala do lado. Hoje estamos dentro das salas”, diz.
O machismo ainda presente na sociedade não a paralisa, conta. “Deixar o machismo de lado não é negar que ele exista, mas é caminhar”, afirma. Teka foi a primeira mulher presidente da centenária Sociedade Rural Brasileira (SRB) e também da Federação das Associações Rurais do Mercosul (Farm) e reconhece que ainda há muito a avançar no setor. “Em cargos de relevância, para sentar à mesa e decidir, ainda somos poucas.”
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Socióloga por formação, Teka tem levado o recado do agronegócio brasileiro a fóruns internacionais, como o Brazil Conference Harvard. Além disso, atua em dez conselhos, desde o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável do Governo Federal; o Conselho Administrativo da Embrapa; o Conselho Consultivo da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) ao Conselho Consultivo do Fundo JBS pela Amazônia. Suas principais preocupações, tanto nos palcos do agro lá fora, quanto aqui, nos colegiados, e na sua propriedade são o futuro sustentável da agropecuária brasileira e a inclusão dos pequenos produtores.
O agronegócio brasileiro avançou muito nas questões ambientais, o famoso ESG. Para uma mulher que atua no agronegócio há tantos anos, o setor avançou também em deixar o machismo de lado?
O machismo está presente na sociedade brasileira, não somente no agronegócio. Acredito que deixar o machismo de lado não é negar que ele exista. É caminhar, avançar na vida. Quando você deixa ele de lado e caminha, não está paralisada. Há um machismo muito relevante vindo das próprias mulheres. Falamos muito em sororidade, em uma dar oportunidade para outra, mas ainda temos muito para uma dar a mão à outra e caminhar. Provavelmente, este é um dos machismos que mais dificultam e atrapalham nossa caminhada.
Traçando um paralelo desde que assumiu a gestão dos negócios de sua família até hoje, quando a sra. ocupa postos importantes em conselhos de desenvolvimento, o machismo no agronegócio diminuiu nos últimos anos?
Percebemos as mulheres presentes no agronegócio como nunca estiveram. Minha avó participava das decisões da família e de negócios ouvindo na sala do lado. Hoje estamos dentro das salas. Hoje eu falo dentro das salas. Aumentamos a nossa participação. Olhando o futuro, há uma geração que vai chegar em outra condição e tendo provavelmente o suporte da minha geração, que foi achando seu caminho a fórceps. Com certeza, está mudando, mas ainda precisa muito para caminhar.
Na sua opinião, quais são hoje os principais entraves para o aumento da participação feminina na tomada de decisão no campo e em quais papéis no agro as mulheres ainda têm espaço pra avançar?
Estamos falando de um Brasil que vai produzir 320 milhões de toneladas de grãos. Há muito espaço para as mulheres em todos os setores e podemos desempenhar todos os papéis. Em termos de dificuldade, isso depende muito também da região em que essa mulher está inserida. A realidade é uma no Sul/Sudeste e outra no Norte/Nordeste. Algumas mulheres dizem que não tiveram problemas de inserção e que sempre receberam apoio, mas isso é privilégio e não é a realidade brasileira.
A sra. foi a primeira mulher presidente da centenária Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das mais tradicionais do agronegócio, e também da Federação das Associações Rurais do Mercosul. Que entraves e vantagens enfrentou pelo fato de ser mulher?
Quando falamos do Brasil e da América Latina, é uma região extremamente conservadora. Entendi que precisava apresentar um trabalho muito bom e caminhar. E foi assim que me comportei nos últimos anos. As vantagens são as oportunidades de aprendizado e de uma mulher fazer parte desse universo. Temos um radar muito refinado para as relações interpessoais. Crescemos muito e estamos organizadas, cada vez mais, em grupos temáticos. Vemos também muitas mulheres influencers que têm voz. Ficamos caladas em tantas décadas e festejo que temos essas influencers. Agora, em cargos de relevância, para se sentar à mesa e decidir, ainda somos poucas.
A sra. foi a única liderança à frente de uma entidade de classe que dialogou com o governo atual ainda nas eleições. Qual é o simbolismo disso partindo de uma mulher?
Acho que mostra a nossa força, a nossa garra de caminhar, de querer participar e dialogar. A mulher olha os dois lados. Não tive dúvida de que, em uma eleição à Presidência do País, como representante de um setor importantíssimo, eu tinha de escutar os dois candidatos, sem viés político.
Ainda temos muitas desigualdades dentro do meio rural? Quais políticas públicas podem ser adotadas pensando na mulher do campo?
O Brasil possui 5,1 milhões de propriedades rurais e 80% são de pequenos produtores. Para as mulheres, o que mais vejo como necessidade são capacitação profissional, educação e assistência técnica. São inúmeras as produtoras que tocam a propriedade e sustentam a família.
A sra. sempre defende a inclusão dos pequenos e médios produtores. Como essa demanda tem sido efetivamente recebida e concretizada aqui e lá fora?
Primeiro, precisamos colocar esse Brasil real e levar políticas de regularização fundiária, ambiental, segurança jurídica, assistência técnica, infraestrutura, logística e conectividade. Existe uma conscientização da importância de caminharmos junto com esses produtores rurais. Os governos estão trabalhando, mas ainda não está concretizada em relação à conectividade, aprendizado e assistência técnica. Tem um Brasil para fazer.
Como mulher, pecuarista e liderança rural, como enxerga seu papel hoje nos conselhos governamentais e privados?
É um privilégio poder estar nesses conselhos. Em cada um deles, tenho oportunidade de aprender e também de gerar conteúdo. A Embrapa está em um momento especial, com a primeira presidente mulher à frente, Silvia Massruhá, que é extremamente capacitada. No Conselhão, estou contribuindo no grupo de recuperação de áreas degradadas produtivas. O que mais me qualifica para sentar em qualquer mesa é que sou produtora rural e pecuarista. É onde está a minha força. Normalmente, sou a única produtora rural que está nas discussões em que participo, muitas delas fora do agro.
A sra. aceitaria um cargo, em qualquer governo que fosse, apenas para preencher a “cota feminina”, dadas as exigências dos tempos atuais, de aumentar a representatividade feminina na esfera pública?
Passaria a oportunidade para outras mulheres. Acho importante haver cotas pensando na questão racial. Mas, neste momento da minha vida, tenho a petulância de escolher onde vou, onde estou e com quem quero ir. Não é relegar, mas passaria a oportunidade para outras mulheres.
Que mulheres são seus exemplos de liderança no agronegócio brasileiro?
Um exemplo de mulheres que me ensinam muito são as pequenas produtoras rurais, que, em sua maioria, estão sozinhas nas propriedades. Essas mulheres não tiveram as oportunidades que eu e outras mulheres tivemos. Elas estão sozinhas nessa luta de produzir, criar e conduzir uma família. Elas são um exemplo de força, de garra, são as senhoras dos próprios destinos. Eu me inspiro nelas. Uma delas encontrei em um assentamento, em um lote de terra de chão batido, a Viviane Pereira de Oliveira (já falecida), eu como presidente da SRB e ela como produtora familiar da região. Uma de cada lado, escutando a outra.
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