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‘Sem ajuste fiscal não existe investimento no social’, diz economista de Ciro

Equacionamento das contas públicas se daria através da taxação de grandes fortunas e dividendos, segundo Mauro Benevides Filho; gastos poderiam crescer além da inflação e investimentos, atrelados ao aumento de receitas

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Foto do author Luciana Dyniewicz
Foto do author Adriana Fernandes
Atualização:

A base da política econômica de um eventual governo Ciro Gomes (PDT) seria o controle da área fiscal, segundo Mauro Benevides Filho, assessor econômico do candidato. O ajuste fiscal, explica ele, se daria pelo lado da arrecadação, com a taxação de grandes fortunas e dividendos, além do corte de desonerações.

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Do lado dos gastos públicos, haveria uma reforma no teto para permitir que eles crescessem além da inflação, acompanhando parte da alta do PIB, por exemplo, e para que os investimentos avançassem a um ritmo atrelado ao aumento de receita. Hoje, a lei do teto de gastos permite que a elevação das despesas primárias (que não incluem os gastos com dívida) acompanhe apenas a inflação do ano anterior.

O economista voltou a afirmar que, sob Ciro, o Banco Central seria autônomo, mas não independente. A autoridade monetária teria de focar não só na inflação, mas também no emprego e no PIB. Em relação à política de preços da Petrobras, Benevides defende que o preço do combustível seja suficiente para manter a petroleira rentável, mas não para distribuir o atual volume de dividendo aos acionistas.

Confira os principais trechos da entrevista.

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O candidato Ciro Gomes afirmou que todos os outros programas econômicos são iguais, baseados em câmbio flutuante, meta de inflação e superávit primário. Desse tripé macroeconômico, vocês manteriam algo? Qual seria a opção ao tripé?

Todo mundo trata da mesma coisa, que é o tripé. Entra e sai presidente, continua isso. A primeira coisa (a fazer) é o fiscal. Não existe social sem fiscal ajustado. O fiscal você recompõe com três ações. A primeira é taxar grandes fortunas. Nós propomos taxá-las para inclusive financiar o programa de renda mínima. Imposto sobre fortunas é sobre estoque. Estamos falando de 58 mil brasileiros que têm riqueza acima de R$ 20 milhões. Só com essa ação, dá (em arrecadação) mais ou menos R$ 59 bilhões. Segundo, taxação de dividendos. Uma alíquota de 15% também para mais de R$ 20 milhões. Isso dá R$ 48 bilhões. Terceiro, resolver as desonerações tributárias. Se eu falar em 15% de R$ 320 bilhões, dá R$ 45 bilhões por ano. A meta é equacionar o fiscal, ou seja, produzir superávit primário. Isso é a linha base do programa. Até porque, quando você resolve o fiscal, a política monetária passa a ser secundária, porque diminuem os riscos.

Vocês continuariam com meta de inflação e câmbio flutuante?

O câmbio será flutuante, mas não tenho metas de inflação. A meta que o Banco Central (BC) tem de olhar não pode ser só a de inflação. O BC tem de olhar para emprego e renda. Até porque, no BC, uma pessoa decide no câmbio. Se você tem volatilidade de câmbio, o BC tem uma pessoa que diz: ‘vou colocar R$ 25 bilhões de swap cambial no mercado’. O câmbio impacta na inflação. A inflação está tão alta que as pessoas estão começando a se acostumar com isso. E há um erro grave: a inflação é oriunda de preços administrados, e a taxa de juros não tem efeito sobre ela. Você não tem efeito no preço do combustível ao aumentar a taxa de juros, mas o BC sai de uma taxa básica de 2% em 2021 para 13,75% agora. Isso dá aproximadamente, na dívida pública, R$ 700 bilhões por ano. Aumentar o Auxílio Brasil e gastar R$ 27,5 bilhões nele é um escândalo no Brasil. Agora, o BC sair de R$ 300 bilhões para R$ 700 bilhões nas contas públicas está tudo bem. Tem algo errado no entendimento das pessoas, nas prioridades de alocação de recursos.

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"Câmbio será flutuante, mas não tenho meta de inflação", diz Benevides Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O sr. defende um maior controle das decisões sobre o câmbio. É isso?

Não, estou falando de dívida interna. A gente vinha falando sobre juros, vai chegar a R$ 700 bilhões de pagamento de juros em 2022. Esse volume maior de dinheiro vai para quem tem sobra de recursos e para o sistema financeiro. O que precisa no Brasil é uma meta de dívida.

Essa proposta já recebeu muita crítica.

Óbvio, se você vai atingir interesses, sobretudo de pessoas mais preponderantes da economia brasileira, é natural que venha críticas.

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Como ficaria, então, o BC sob Ciro?

O BC será autônomo sem independência. Como ele era e nunca teve problema.

Vocês mudariam o presidente já no começo do governo? Qual seria o perfil do presidente da autoridade monetária?

Seria feito um convite para que todos eles (diretores) pudessem ser substituídos por outros. O novo presidente seria um profundo conhecedor da política monetária, que entende que, quando a política fiscal é rigorosa, a política monetária passa a ser secundária, porque a taxa de juros cai naturalmente. O BC perde relevância.

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E como ficaria o teto de gastos?

O teto de gastos, se existir, tem de existir para despesa primária corrente. O investimento, que é despesa de capital, apesar de ser despesa primária, tem de estar fora. O investimento tem de estar atrelado ao crescimento da receita. Para quem ler o jornal entender: eu aumentei a minha receita em 23%, caso do ano passado, e a inflação foi 10,04%. Então, esses 13% adicionais de receita paga dívida. Ou seja, todo o esforço de uma melhor fiscalização, de uma ampliação de base tributária, tudo isso é irrelevante para prover melhores recursos para a saúde quando ela só tem o seu gasto trocado de um ano para outro pela inflação. Então, a saúde tem uma menor prioridade do que o pagamento do juro da dívida. Eu defendo um teto de gasto com despesa primária corrente e, além disso, ele pode crescer além da inflação. Ele pode crescer por metade do crescimento do PIB. Se o PIB vai crescer 1,8%, o teto do gasto seria a inflação mais 0,9%. Estaria, inclusive, ainda diminuindo a relação entre despesa primária e PIB.

Para Benevides, quando a situação fiscal do País está controlada, a política monetária se torna uma ferramenta secundária Foto: Leo Martins/Estadão

Qual seria, então, o desenho para substituir o teto de gastos, já que o candidato Ciro Gomes tem falado na necessidade de aumento de gastos nesse primeiro momento?

Aumento da necessidade de gasto vem com fonte. Quando você coloca isso, dá a entender que é alguma coisa sem responsabilidade. Nós sabemos que não existe social sem dinheiro. Não existe creche sem dinheiro, não existe Renda Mínima se não tiver dinheiro. Mais: ajuste fiscal não pode ser um fim em si mesmo, como o governo federal quer colocar. Ajuste fiscal é você dotar o Estado de condições financeiras para atender as demandas da população, fazer os investimentos necessários para expandir o PIB, para gerar empregos na economia. Nossa diferença é que o foco é a capacidade de atender as demandas, investimento.

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O teto seria sem investimento em infraestrutura e podendo crescer metade da alta do PIB, além da inflação, correto?

Com o investimento não atrelado à inflação, mas atrelado ao crescimento da receita: 80% ou 90%, vamos discutir. Seria atrelado a um porcentual do crescimento da receita.

Por que há tanta resistência no mercado ao plano econômico do Ciro?

Porque ele vai taxar dividendos e grandes fortunas. Compreendo. Sobre gestão fiscal, eles não podem falar.

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A campanha do ex-presidente Lula está tentando atrair os eleitores do Ciro. O Ciro não fala em negociação futura caso o ex-presidente vá para o segundo turno. O sr. vê uma possibilidade de negociação no plano econômico?

Política, eu não posso responder. Até porque o Ciro vai até o fim. Não tenho nem dúvida. Tem o melhor programa. É o candidato mais experiente. Sabe como fazer.

Um tema sensível para a campanha é a questão da Petrobras e dos preços de combustíveis. Como um eventual governo Ciro lidaria com isso?

A Petrobras consegue extrair 98% da demanda por combustível no Brasil, mas só está refinando 70%. Ela diz que tem de importar combustível, porque as refinarias estão desatualizadas para refinar aquele petróleo mais grosso. A Petrobras escolhe a política de paridade de preço internacional (PPI), que leva em conta o preço do barril no mercado internacional e o câmbio, e não se preocupa com o processo inflacionário que causou. Ela virou a empresa que mais distribui dividendos. Em 2021, foram R$ 101 bilhões. Não pode isso, não faz sentido ela colocar esses preços tão extraordinários, causar inflação, diminuir o poder de compra (dos brasileiros), diminuir o crescimento do PIB em 2023 porque aumenta a taxa de juros. Me disseram: ‘O problema é que as nossas refinarias não conseguem fazer o refino’. Eu disse: ‘quanto teriam de gastar para a Petrobras refinar os 100%?’. Me falaram que era muito dinheiro, que teriam de gastar R$ 40 bilhões. Aí eu fiquei bravo. Se com R$ 40 bilhões eu atualizo as refinarias e sou capaz de distribuir R$ 101 bilhões em dividendos, é porque realmente querem dar dividendos. 46% dos acionistas são estrangeiros e não pagam Imposto de Renda no Brasil. Isso tem de acabar. Ninguém vai abrir mão da Petrobras sólida, distribuindo dividendos e sendo superavitária. Só não pode é estar livre para adotar uma política que tecnicamente não faz sentido, porque o ônus para o brasileiro é muito grande. Aí vem a Petrobras e o Ministério da Economia com um terceiro argumento: ‘a União recebeu R$ 22 bilhões em dividendos’. Sim, recebeu R$ 22 bilhões e vai pagar R$ 700 bilhões de juros. Não precisa ser doutor em economia para ver que essa alocação de recursos não está igual.

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Qual seria a política de preços?

O preço do combustível tem de manter a Petrobras rentável, captar a depreciação do capital investido, cobrir os tributos e, aí, se define o lucro. Não pode ela ser uma empresa que cobra preço além do que lhe assegura sua rentabilidade, como ela faz hoje. O preço tem de ser formado pelo custo, ela atualiza suas refinarias e, portanto, parte para formar preço assegurando ser superavitária e distribuindo um número de dividendos menor, porque o volume de investimento vai ser maior do que o que ela faz hoje. Como o investimento da Petrobras é pequeno, o lucro acaba sendo grande. Porque não há interesse mais em atualizar a Petrobras. O interesse é privatizá-la. Então eles não querem fazer investimento.

Qual seria a política para o BNDES? Quem seria financiado?

O Brasil tem um excesso de reservas cambiais. São US$ 340 bilhões no total. Se vender US$ 50 bilhões somente, dá um ‘funding’ para capitalizar investimentos em áreas de tecnologia. O Brasil não pode produzir tudo. Tem de escolher o que pode fazer melhor e importar aquilo que não pode fazer. Tem de focar no eletroeletrônico, no farmoquímico, no óleo e gás. São cinco segmentos. Eu estou citando três. O BNDES, sim, poderá ser reforçado, ser capitalizado não com recurso do Tesouro diretamente e financiar cinco setores onde o Brasil tem déficits sistemáticos da balança comercial.

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O orçamento secreto acabaria?

Sou contra (o orçamento secreto). São R$ 19,4 bilhões por ano, enquanto a União vai investir R$ 25 bilhões, segundo Orçamento de 2023. Já chegou a investir R$ 130 bilhões.

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