‘Não dá pra ter política fiscal com esses parâmetros’, diz economista Alexandre Scheinkman

‘Orçamento fantasia’ e sistema tributário ‘maluco’, diz ele, trarão dias duros para o próximo governo

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Do economista Alexandre Scheinkman, 74 anos – mais de 30 anos morando fora do País – pode-se dizer ser um americano ainda carioca. Conselheiro da Cosan e ativista pela Amazônia do lado de cá, ele é também professor de Economia nas universidades de Princeton e Columbia. No tempo que sobra, faz palestras e seleciona textos econômicos para a revista da Academia Nacional de Ciências dos EUA.

A quatro dias da escolha de um novo presidente da República para os próximos quatro anos, levando em conta as medidas urgentes que deveriam ser tomadas para pôr o Brasil em ordem – e vendo, do outro lado, “o orçamento fantasia que o governo Bolsonaro mandou pro Congresso” e o controle do dinheiro público por um grupo de parlamentares –, ele avisa: “Não dá pra fazer política fiscal com esses parâmetros”. Reforma tributária e controle do orçamento são hoje, adverte, “duas coisas extremamente necessárias e extremamente difíceis de se fazer”.

Professor José Alexandre Scheinkman na sede da Cosan Foto: Alex Silva/Estadão - 12/11/2021

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Nesta conversa com Cenários, desde Nova York, Scheinkman deixa um aviso, consequente da Guerra na Ucrânia: “Nós vamos, sim, ter outras crises no futuro”. A seguir, os principais trechos da conversa.

A seu ver, que caminhos econômicos o próximo governo deve trilhar?

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Tá cada dia mais difícil. A menos que a gente acredite nesse orçamento fantasia que o governo Bolsonaro mandou pro Congresso, teremos problemas fiscais muito sérios. E imagino que o próximo parlamento será mais agressivo na sua luta por receitas. Qualquer que seja o presidente, vai encontrar uma situação complicada. Há um segundo problema sério: a reputação do nosso País, principalmente por causa da questão climática, está muito ruim. Quer um exemplo? Um investidor tem medo, hoje, de se aproximar do Brasil e isso se refletir na base de investidores com os quais atua. Há uma possibilidade, aí pela frente, de que países da Europa, e os EUA comecem a boicotar produtos brasileiros.

Falando de medidas concretas, qual poderia ser a primeira a se adotar?

Uma medida importante mas que acho difícil levar adiante seria uma reforma tributária. De todos os sistemas tributários que conheço, o do Brasil é o mais maluco, mais imbecil, mais cheio de benefícios para pequenos grupos. E o fato de a gente não ter corrigido isso é um sintoma que me leva a pensar, como meu amigo Marcos Lisboa, que a gente está escolhendo ser medíocre. Outra tarefa que o eleito será recuperar o controle do orçamento. Ele foi completamente cedido a um grupo de parlamentares. Combinando orçamento secreto, emendas de relator e outras coisas mais, chega-se a 30% do que o governo tem liberdade pra gastar. Obviamente, não dá pra fazer política fiscal com esses parâmetros.

Vendo o Brasil de Nova York, como definiria sua evolução nestas três décadas? Média? Razoável?

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Foi muito aquém do possível. Nada satisfatório, comparado ao potencial que o País tem. Mas houve coisas boas. Se você olhar o setor privado, o Brasil tem hoje muitas companhias sofisticadas, comparáveis a qualquer outra aqui fora. Os programas criados no governo FHC e aprofundados no governo Lula de ajuda aos mais pobres funcionaram, né? Mas agora temos o Auxílio Brasil, muito pior que o modelo desenhado no Bolsa Família.

Pandemia e Ucrânia desorganizaram a economia mundial. Qual horizonte você enxerga hoje para ela?

A economia mundial vive hoje uma situação delicada. Temos ainda o reflexo da covid na China. Temos a guerra da Rússia na Ucrânia. E o que se vê é os bancos centrais, principalmente o europeu, o FED americano e o Banco da Inglaterra aumentando as taxas para deter o processo inflacionário. O FED se atrasou, ele mesmo já reconheceu isso. Colocaram muitos créditos nas causas físicas da inflação e pouco na necessidade real. O fato é que ainda hoje ninguém sabe o quanto o FED precisa fazer. O BC brasileiro fez um bom trabalho mas também se atrasou.

Na pandemia injetou-se muito dinheiro nos mercados, e agora os bancos centrais estão enxugando. Vem aí mais turbulências?

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Veja só, em um painel na Universidade de Chicago, foi levantada recentemente essa questão. Minha primeira intuição é responder que sim. E por quê? Porque seria muito caro, quase impossível, organizar o mercado financeiro de tal maneira que nunca houvesse uma crise. Difícil, e ele incluiria tanta prevenção que funcionaria muito mal. Então é o seguinte: nós vamos, sim, ter outras crises no futuro.

Qual acha que vai ser o impacto da guerra da Ucrânia? Já ouvi que a Alemanha é que vai perder mais, na Europa. Você concorda?

A meu ver, quem perde mais é a Ucrânia. Mas, no longo prazo, a grande perdedora será a Rússia. Uma parte importante do mundo, que inclui Estados Unidos e Europa, não está comprando petróleo deles. Então os russos estão tendo de vender com desconto para a China e para a Índia. A estimativa que se faz é de um desconto entre 15% e 30%. E quem você acha que vai comprar o gás russo no futuro? Claro que a Alemanha também será afetada, ela depende do gás russo.

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