A escalada do dólar e a consolidação da moeda americana no patamar de R$ 6 já fazem indústrias de alimentos, bebidas, higiene, limpeza, eletrodomésticos e eletroeletrônicos programarem aumentos de preços de até dois dígitos para o início do ano que vem.
A pressão de custos pela disparada da moeda americana, que acumula alta de mais 4% este mês e quase 25% no ano, mexeu nas projeções de inflação para 2024 e, principalmente, 2025. Pela primeira vez, a mediana das projeções do mercado para o ano que vem rompeu o teto da meta de inflação (4,5%).
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Segundo o Boletim Focus do Banco Central, a perspectiva do mercado até a última sexta-feira, 6, é a de que inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2025 chegue a 4,59%.
A LCA Consultores, por exemplo, ampliou a projeção do IPCA de 2024, de 4,8% para 5%, e de 2025, de 4,4% para 4,5%. A MB Associados revisou de 4,7% para 4,8% o IPCA deste ano e ampliou de 4% para 4,4% a inflação do ano que vem.
De imediato, a alta do câmbio já provoca estragos nos preços de alimentos importados consumidos nas festas de fim de ano. Frutas secas e frescas, azeite, bacalhau, por exemplo, foram elevados em cerca de 10% na última semana, depois de já terem subido entre 4% e 5% em novembro, relatam supermercadistas.
“Vai ser o Natal mais caro dos últimos anos”, disse um empresário do varejo de alimentos que preferiu não se identificar. Ele conta que o que está surpreendendo hoje é a pressão do câmbio sobre os preços das frutas frescas, devido ao fluxo de comércio internacional.
O preço do melão no mercado doméstico, por exemplo, produzido no País, chega a R$ 50 a unidade. Esse valor é puxado pela cotação do produto, que é muito demandado para exportação. Com o dólar em alta, os produtores brasileiros preferem vender a fruta para o exterior do que comercializar no mercado interno. Isso reduz a oferta e pressiona preços nos supermercados, observou o empresário.
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A cotação da lichia, fruta fresca muito consumida nas festas natalinas, também disparou. Hoje o quilo custa quase R$ 60 e de cereja, R$ 120. O motivo para a escalada das cotações é que grandes volumes dessas frutas são importados e, portanto, os preços são cotados em dólar.
Além das frutas frescas, frutas secas, bacalhau, azeite, vinho importado e também nacional tiveram preços reajustados em cerca de 10% este mês, relatam varejistas.
Industrializados
No caso dos itens industrializados, os aumentos estão sinalizados para janeiro. Grandes indústrias de higiene e limpeza já indicaram reajustes de 10% a 12% nas tabelas de preços. Nos laticínios, a sinalização é de 10%. E, no caso de derivados de carnes e congelados, os aumentos são ainda maiores: variam entre 15% a 19% para o ano que vem.
Por ora, a intenção dos fabricantes é garantir o volume de vendas com produtos fabricados a um câmbio com cotação menor do que a atual para aproveitar o aumento de vendas que normalmente ocorre no Natal e Ano Novo. Mas, passada a comemoração de fim de ano, os preços desses itens industrializados e dos bens duráveis devem voltar a subir.
Executivos de empresas do setor de eletrodomésticos e eletrônicos, que preferem não se identificar, afirmam que o aumento será inevitável e toda a indústria vai ter de recalibrar preço a partir de 2025. O tamanho do aumento vai depender da quantidade de componentes importados ou de matérias-primas usadas na fabricação de cada produto.
Plástico e aço, por exemplo, embora produzidos no País, têm preços cotados em dólar e acompanham as oscilações do mercado internacional. Os empresários lembram que, até dois meses atrás, as projeções de câmbio giravam em torno de R$ 5,20.
Os aumentos só não ocorrem neste momento porque a maioria dos varejistas de bens duráveis está praticamente com todos os produtos em casa. Isto é, entregues nos centros de distribuição e já faturados com a indústria.
Segurar preços?
As indústrias de bens duráveis alegam que não conseguem segurar os aumentos de preços devido às altas de custos em função do dólar. Isso porque as margens estão apertadas. Questionado se o mercado aguentaria um novo reajuste de preços dos bens duráveis, um empresário respondeu: “se o mercado aguenta, é outro problema”.
Na avaliação do economista chefe da MB Associados, Sergio Vale, o novo patamar do câmbio, consolidado em torno de R$ 6, vai trazer muita dificuldade para a inflação de 2025. “Mesmo com a desaceleração esperada da demanda, ela não deve ser suficiente para compensar o efeito do câmbio”, observou.
Fabio Romão, economista da LCA Consultores, elevou a projeção de 2025 por conta dos efeitos defasados da desvalorização cambial do final deste ano e da maior inércia dos preços advinda de 2024.
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