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Alta de juros no Brasil preocupa investidor estrangeiro, diz economista-chefe do UBS BB

‘O pecado original é fiscal’, diz Alexandre de Ázara. ‘O medo que todo mundo tem é de uma política fiscal que replique a do fim do segundo governo Dilma: em um ano e meio, a relação dívida/PIB subiu de 50% para 70%’

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Atualização:
Foto: Dilvulgação/UBS
Entrevista comAlexandre de ÁzaraEconomista-chefe do banco de investimentos UBS BB

NOVA YORK - O principal questionamento do investidor estrangeiro em relação ao Brasil é por que o Banco Central (BC) deve elevar os juros e correr o risco de frear demais o crescimento econômico no mesmo momento em que há expectativa de o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) cortar as taxas nos Estados Unidos. Mas, para o economista-chefe do banco de investimentos UBS BB, Alexandre de Ázara, “se o Fed não estivesse cortando, talvez a gente tivesse que subir mais os juros”.

Não elevar as taxas com as expectativas da inflação desalinhadas no Brasil, em meio ao estresse no câmbio, faria o juro ficar mais alto no longo prazo, segundo ele. “A unanimidade é a coisa mais importante disparada” na próxima decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), alerta Ázara, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, durante evento do UBS BB, em Nova York.

Para ele, a esperada redução das taxas nos EUA pode deixar o Brasil “menos feio” em termos relativos já que o apetite de investidores estrangeiros pelo México, que vem disputando os recursos com o País, se reduziu diante de medidas da nova presidência. Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Qual o principal questionamento do investidor estrangeiro em relação ao Brasil?

A pergunta que eu mais recebi é por que vai subir a taxa de juros no Brasil. Nós esperamos uma alta de 0,25 ponto porcentual em setembro, depois 0,50 ponto porcentual e outra de 0,25 ponto porcentual. A alternativa seriam três aumentos de 0,50 ponto porcentual. Acho muito difícil que o Copom não eleve os juros em setembro. E, quando eu apresento um cenário que é uma alta de taxa de juros e um corte começando em março, falam: ‘Pô, mas vai subir para depois cair?’

E qual a resposta?

Não existe uma taxa de juros mágica, um nível que consiga convergir o modelo. A gente tem uma meta de inflação, de 3% ao ano. O modelo está acima. Tem de subir a taxa de juros, é isso. É muito mecânico, mas é muito intuitivo. A subida dos juros é muito relevante para isso (controlar a expectativa de inflação).

O investidor estranha o fato de o Brasil estar prestes a elevar os juros no mesmo momento em que os Estados Unidos devem começar a cortar as suas taxas?

As políticas monetárias são independentes, está certo? Então, é claro que influencia o que o Fed está fazendo. Se o Fed não estivesse cortando, talvez a gente tivesse que subir mais os juros. Mas, obviamente, o Banco Central já entende que vai ter um movimento de queda de juros nos Estados Unidos. Pode parecer meio estranho a gente subir, depois cair e subir quando o juro está caindo nos EUA, mas é uma prova da independência e da credibilidade.

'Não subir os juros (agora) faria a taxa ficar mais alta no longo prazo', diz Ázara Foto: Dilvulgação/UBS

Mas o BC deve aumentar os juros para recuperar credibilidade após ruídos na comunicação e a divisão na reunião de maio?

Eu não acho que eles estão subindo os juros só para ganhar credibilidade. É claro que a consequência natural de elevar as taxas é ganhar mais credibilidade, mas é a coisa certa. A necessidade de alta é porque o modelo (de inflação) está projetando mais uma vez que as expectativas subiram devido à tensão no câmbio. Há quatro meses, o câmbio era R$ 5,00. Agora, é R$ 5,60. É uma depreciação significativa.

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Esse cenário poderia ter sido evitado?

Dava para ter evitado uma alta tão grande (do dólar frente ao real), mas não sei se daria para evitar uma alta da taxa de juros. O câmbio não teria depreciado tanto se não fosse a incerteza que aumentou naquela hora. Os vários discursos (do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre os juros) naquele momento foram muito ruidosos. Mas, após uma reunião do (diretor de política monetária e indicado à presidência do BC, Gabriel) Galípolo, o (ministro da Fazenda, Fernando) Haddad e o Lula, o presidente parou de falar sobre esse assunto. E quando perguntaram a Lula se o Galípolo poderia elevar os juros, ele falou que confia no seu indicado e que pode subir as taxas.

A relação do governo com o BC muda com Galípolo na presidência? Os ataques, os ruídos devem acabar?

Acho que diminui. É meio difícil de entender por que (Lula) bateu tanto no presidente do Banco Central. Acho que existe um desconforto com o Roberto (Campos Neto), que é presidente do BC indicado por outro presidente. É uma coisa que a gente está aprendendo a lidar. Agora, vai ser o presidente do BC indicado pelo Lula.

Talvez, um corte de juros nos Estados Unidos sequenciado provoque de novo alguma empolgação para aumentar o investimento para o Brasil e emergentes em geral. Existe uma percepção pior com o México por medidas do novo governo. Então, em termos relativos, o Brasil fica estável, menos feio. As pessoas já estavam menos animadas com todo o ruído (com o Banco Central)

Qual a principal preocupação do investidor estrangeiro neste momento?

Se o aumento dos juros não vai matar o crescimento. Subir a taxa de juros ajuda a parte longa a ficar mais baixa, o que diminui os custos dos investimentos. Não subir os juros faria a taxa ficar mais alta no longo prazo. Eu vejo com bons olhos essa (futura) alta da taxa de juros. É a medida apropriada.

Mas e quanto ao apetite para investir no Brasil?

Os investidores estrangeiros estão preocupados com essa história da alta de juros, querem entender. Uma vez entendido, acho que não muda a percepção deles. Precisa de um catalisador maior. Talvez, um corte de juros nos Estados Unidos sequenciado provoque de novo alguma empolgação para aumentar o investimento para o Brasil e emergentes em geral. Existe uma percepção pior com o México por medidas do novo governo. Então, em termos relativos, o Brasil fica estável, menos feio. As pessoas já estavam menos animadas com todo o ruído (com o Banco Central).

A suspensão do X no Brasil por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) impacta o apetite estrangeiro?

Fiz dezenas de reuniões nos últimos dias, e ninguém perguntou disso. Não é que (a decisão) não seja importante, claro que é relevante, mas eu não acho que é tão relevante no (contexto) macro agora. É um assunto que eu vejo mais brasileiros falando.

O Brasil corre o risco de perder a onda de flexibilização monetária do Fed?

Acho difícil. Uma parte do juro alto atrai investidores e a outra é que os juros menores nos Estados Unidos obrigam os investidores a buscarem alternativas de investimento. O risco que a gente tem é caminhar para uma recessão mundial.

Quais seriam os efeitos?

O banco não trabalha com uma recessão como cenário principal, mas alternativo. Seria uma desaceleração suave com quedas sequenciadas, ou seja, uma atividade pior e que leva o mundo para uma recessão. Aí, a aversão a risco fica maior e não tem entrada de investimentos no Brasil. A chance de termos (mais) investimentos é o cenário de pouso suave.

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Qual o seu diagnóstico do quadro fiscal do Brasil, considerando o orçamento 2025 e as recentes sinalizações do governo?

O pecado original é fiscal. O medo que todo mundo tem é de uma política fiscal que replique aquela observada no fim do segundo governo Dilma (Rousseff). Só para lembrar, em um ano e meio, a relação dívida/PIB subiu de 50% para 70%. Então, esse fantasma está lá e todo mundo fica com medo de que alguma coisa parecida possa acontecer de novo. Não parece ser, pelo que sinalizam hoje. A gente está discutindo mais 0,2% (do PIB) ou menos 0,2% de resultado fiscal no ano. Mas tem sempre o medo de, em alguma hora, a gente abandonar a regra de gasto. Então, esse medo fica pairando ali como uma Espada de Dâmocles. Se o pecado original é fiscal, uma resposta fiscal é demais para os investidores.

Que tipo de resposta?

Um corte de R$ 40 bilhões, R$ 50 bilhões nos gastos. Mas não parece ser essa a receita do governo. Acho que eles vão fazer o suficiente para tentar manter a meta.

As metas fiscais são factíveis?

Este ano pode ser, porque a meta zero, na verdade, é de -0,6% (do PIB) porque tem -0,3% de gastos com as enchentes no Sul, que ficam de fora. Mais o 0,25% de banda. Então, dá -0,55%. Para o déficit fiscal do ano, a gente tem -0,7%. Se a meta é -0,55%, com todos esses ajustes, está na meta. Uma resposta positiva desse lado acalmaria muito (o investidor estrangeiro), colocaria a gente em outra situação. Mas eu não vejo o diagnóstico do governo como essa receita a ser seguida. Nunca sinalizaram algo nesse sentido.

Não tem nenhum sinal de que eles (em Brasília) vão não respeitar a regra de gastos. Mas o mercado está de olho.

E para o ano que vem?

Para o ano que vem, a gente tem -0,6% (do PIB). Se considerar a banda, a gente estaria 0,35% fora da meta. A meta é menos importante do que o comportamento do gasto. Se continuar a respeitar a regra de gastos, está tudo bem. O risco é se eles vão conseguir respeitá-la. É isso que nós estamos observando.

Como o senhor avalia os sinais de Brasília?

Não tem nenhum sinal de que eles vão não respeitar a regra de gastos. Mas o mercado está de olho.

E quanto ao câmbio?

A grande surpresa deste ano foi o câmbio muito mais fraco. A gente mudou a nossa projeção e tem R$ 5,50 no fim do ano, antes era R$ 5,10. Esse R$ 5,50 veio para ficar. Com isso, a gente revisou a nossa inflação, que era 3,2%, para 3,7% neste ano. O câmbio de equilíbrio era para ser R$ 5,10.

O PIB do Brasil no segundo trimestre veio muito forte. O que vem pela frente?

A gente já tinha revisado com o IBC-Br, de um crescimento de 2,2% para 2,8% em 2024. E a gente tem 1,5% para o ano que vem por conta do efeito-base.

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A sabatina de Galípolo foi adiada. Algum impacto? E a reunião de setembro?

Não. A unanimidade é a coisa mais importante disparada nessa reunião. Uma decisão de aumento de juros de 0,50 ponto porcentual dividida seria horrível. É importante que o comitê tome uma decisão que não seja dividida (como em maio) e que gerou uma percepção de diferente visão de mundo. Acho que não foi a intenção, mas foi assim que o mercado leu.

Em Jackson Hole, foi publicado um estudo sobre a importância da leitura do mercado para a eficácia da política monetária. Como o senhor avalia essa comunicação do BC no Brasil?

Foi ruim a comunicação naquela hora (na reunião dividida). O Banco Central também aprende. E acho que, como todo mundo, quando o informacional muda, você muda de opinião. Fazer menos forward guidance está nessa linha, sinalizar a unanimidade agora é muito importante.

Mas o senhor acha que o BC deu um cavalo de pau? Falou demais depois?

Eles queriam comunicar que não tinha uma divergência, e o mercado leu isso com uma certeza de (aumento de) 0,50 ponto porcentual. Eu acho que o mercado é que leu errado naquela hora. Quando o Roberto (Campos Neto) diz que, quando e se tiver, um aumento de juros será gradual, é uma sinalização de uma alta de 0,25 ponto porcentual. Ele não quer fazer um forward guidance, mas, ao mesmo tempo, o BC tem de preparar o mercado. É difícil esse ajuste.

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