O ciclo de aperto monetário iniciado em 18 de setembro, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) elevou a taxa básica de juros, a Selic, em 0,25 ponto porcentual, para 10,75% ao ano, parece insuficiente para reverter a “desancoragem crônica” das expectativas de inflação (a dinâmica das expectativas de longo prazo que impede um alívio maior na curva de juros), segundo economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast. Não há consenso sobre as explicações de fundo para esse fenômeno, mas os analistas concordam que ele se deve, ao menos em parte, à percepção de que o BC não aumentará a Selic o bastante para levar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ao centro da meta do governo, de 3%.
Essa dinâmica aparece no próprio relatório Focus. Desde que as projeções passaram a indicar um ciclo de alta da Selic — até 11,75% no fim de 2024, segundo a mais recente edição do boletim, publicada na segunda-feira, 30 —, a mediana para a inflação de 2026 se manteve parada, oscilando entre 3,60% e 3,62%. Considerando o horizonte relevante do BC, o primeiro trimestre de 2026, passou de 3,85% no dia 13, antes da alta de 0,25 ponto nos juros, para 3,86%.
A resiliência das expectativas preocupa, justamente, porque a incorporação de um ciclo de aperto monetário entre 1,5 e 2 pontos porcentuais aos cenários deveria resultar em uma queda das projeções de inflação, tudo mais constante. Segundo o economista Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, esse comportamento provavelmente reflete a avaliação de que o aumento de juros será insuficiente para compensar totalmente a resiliência da economia.
“Nós estamos vendo algum benefício da incorporação da taxa Selic mais alta para uma inflação um pouco mais baixa no Focus, na leitura dos cinco dias úteis”, diz Kawall. “Mas, como a projeção de inflação está mais ligada ao hiato do produto (que avalia o potencial de crescimento do País sem estimular inflação), e como temos uma economia que está surpreendendo e um governo no afã de conceder estímulos e benefícios fiscais, é mais difícil fazer as expectativas retrocederem.”
Desde a forte surpresa com a alta de 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no segundo trimestre, a mediana do Focus para a expansão da economia em 2024 saltou de 2,6% para 3,0%. A estimativa para 2025 passou de 1,85% para 1,92%, também se mantendo resiliente ao impacto negativo que seria esperado como resultado de juros mais altos. O próprio BC revisou suas projeções e passou a considerar que o hiato do produto está positivo, com a atividade crescendo acima do seu potencial.
“O que nós temos não é um processo de desancoragem agudo, mas crônico, ligado à dinâmica do hiato do produto, e existe a discussão sobre o que está causando essa resiliência da economia frente aos juros altos”, diz Kawall. “Como a leitura do Focus é de que o ciclo de aumento da Selic embutido no próprio Focus não leva a inflação para a meta, existe o risco que o ciclo de aumento seja mais forte do que aquele que está precificado na curva, no próprio Focus e no modelo do BC.”
A economista-chefe da Galapagos Capital, Tatiana Pinheiro, produziu um estudo para separar a influência de quatro fatores — inércia, dólar, hiato e expectativa de inflação de longo prazo, usada como proxy para a credibilidade do BC — na formação das projeções do Focus para o IPCA de 12 meses à frente, e concluiu que a contribuição da credibilidade tem caído. Em outras palavras, o mercado tem confiado menos que o BC fará o necessário para cumprir a meta, mesmo com o início do ciclo de altas.
Uma questão de credibilidade
“A despeito da inflação corrente em queda, a despeito da meta de inflação ter sido confirmada no longo prazo em 3%, a despeito de o BC ter iniciado um novo ciclo de alta, enquanto a maioria está cortando juros, as expectativas não estão caindo. Por quê? Por conta da credibilidade do BC, que continua bastante reduzida”, explica a analista.
Esse problema de credibilidade, ela diz, parece referir-se principalmente à transição de gestão da autoridade monetária, com a saída do atual presidente, Roberto Campos Neto, em 31 de dezembro, e do diretor de Política Econômica, Diogo Guillen, no fim ano que vem. “Tudo indica que as expectativas vão continuar desancoradas, a menos que você tenha uma sinalização de alta de juros tal que o mercado veja como suficiente para neutralizar o impulso fiscal, ou que tenha uma sinalização de ajuste fiscal na parte de gastos”, afirma.
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Para o economista-chefe da Ágora Investimentos, Dalton Gardimam, a tendência é de aumento nas projeções do mercado para o tamanho total do ciclo de aperto monetário, o que deve resultar em uma queda gradual nas projeções de inflação. Ele lembra que, nas últimas semanas, o orçamento esperado do ciclo já passou de 1 para 1,5 ponto porcentual, com pelo menos duas altas de 0,5 ponto na taxa Selic.
“O aumento curto e pequeno da taxa Selic que se esperava pode não ser tão pequeno e curto, e o mercado está dizendo que talvez nós possamos estar caminhando para uma alta em torno de 3 pontos nos juros, que é o aumento médio dos ciclos passados”, afirma Gardimam. “Esse é o debate mais relevante e acho que o Focus vai reagir, mas vai reagir dentro de um contexto em que a política fiscal está pisando no acelerador e o BC, no freio.”
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