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Opinião | Desligamento das eólicas e solares é reflexo do crescimento desordenado do setor elétrico brasileiro

Mesmo com energia sobrando, consumidor pode ser obrigado a pagar mais caro na conta de luz

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Foto do author Alvaro Gribel
Atualização:

O consumidor de energia do Brasil paga mais quando há falta de energia, mas também quando há energia de sobra. Como mostrou o Estadão, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) está “desligando” usinas eólicas e solares, principalmente no Nordeste, para acionar outras fontes - como termelétricas e hidrelétricas - que, se por um lado são mais caras, por outro, dão mais segurança ao sistema. Com isso, as associações que representam essas usinas renováveis estão entrando na Justiça porque consideram que estão sendo prejudicadas.

A lógica do ONS é de que precisa dar mais segurança ao sistema elétrico e evitar o risco de apagões, já que todos os dias precisa trazer energia renovável da Região Nordeste para os grandes centros consumidores, nas regiões Sul e Sudeste.

Mesmo com energia sobrando, consumidor poderá ser obrigado a pagar mais caro na conta de luz.  Foto: Dida Sampaio/Estadão

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O pano de fundo dessa briga, contudo, é mais amplo e reflete o crescimento desordenado do setor, que muitas vezes acontece sem planejamento técnico, seguindo a força dos lobbies no Congresso. Isso ocorre em detrimento dos estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia (MME) e responsável por dar embasamento às decisões do setor.

O setor elétrico brasileiro funciona como uma espécie de condomínio. Todos os geradores ofertam energia, mas é o ONS que decide quem vai poder “despachar”, ou seja, produzir a energia, tendo como base a segurança do sistema. Como há energia sobrando, chamado de “sobreoferta”, aqueles que não geram muitas vezes ficam insatisfeitos e buscam indenizações na Justiça.

Quando não há despacho por falta de demanda, o setor entende que isso é risco do negócio e não cabe indenização. Quando há algum problema em linhas de transmissão, por exemplo, aí a indenização é aceita, porque havia a demanda, mas com problemas no sistema, alheios ao do gerador. E há um terceiro caso, quando o próprio ONS detecta um risco, como os apagões, e aí decide não despachar. É o que parece estar acontecendo agora com as renováveis.

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As geradoras eólicas e solares têm um papel importante no sistema, como relatou a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum, porque ajudam, além de tornar a matriz mais limpa, a recuperar o nível de água dos reservatórios das hidrelétricas em momentos de seca.

O problema é que muitos desses projetos foram contratados com subsídios e houve crescimento exponencial dessas fontes. Já projetos de termelétricas estão sendo aprovados no Congresso como “inflexíveis”, ou seja, com obrigatoriedade de despacho, seguindo a força dos lobbies. Tudo tem deixando o ONS com menos margem de manobra para decidir quem gera e quem fica parado.

Agora mesmo está em análise a derrubada dos vetos dos “jabutis” do projeto das eólicas offshore, que garantem a contratação de energia de termelétricas a gás “inflexíveis”, passando por cima do ONS e deslocando outras fontes mais competitivas para o fim da fila. Segundo cálculos da Frente Nacional dos Consumidores de Energia o custo energia pode subir 9% pelos próximos 25 anos, o que poderia ser considerado uma “bandeira vermelha permanente”.

O arcabouço atual do setor elétrico foi definido há mais de 25 anos, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. De lá para cá, houve a entrada dos geradores renováveis e também o crescimento da Geração Distribuída (GD), que diminuiu a base de clientes das distribuidoras de energia. Há problemas para todos os lados; o que falta é uma reformulação total do setor, uma promessa ainda não cumprida pelo atual ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Opinião por Alvaro Gribel

Repórter especial e colunista do Estadão em Brasília. Há mais de 15 anos acompanha os principais assuntos macroeconômicos no Brasil e no mundo. Foi colunista e coordenador de economia no Globo.

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