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Opinião | Lula é quem deveria escrever ‘carta’ para justificar estouro da inflação após fortes críticas ao BC

Desde o início do seu mandato, presidente tem minimizado a alta dos preços e acusado o Banco Central de sabotar o seu governo com juros altos

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Foto do author Alvaro Gribel

A inflação terminou o ano de 2024 em 4,83%, acima do teto da meta de inflação, e por isso o Banco Central será obrigado a escrever uma carta ao Ministério da Fazenda para justificar por que não conseguiu cumprir com o seu principal objetivo institucional. Quem deveria escrever essa carta, na verdade, é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que desde o início do seu mandato vem fazendo fortes críticas ao trabalho técnico do órgão, acusando o BC de subir os juros sem motivo, para, supostamente, sabotar o seu governo.

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A verdade é que o Banco Central vem atuando praticamente sozinho no combate à inflação e, a despeito dos ruídos da reunião de maio de 2024 (quando o colegiado se dividiu em uma reunião do Copom), houve um forte trabalho em conjunto entre Roberto Campos Neto, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, e Gabriel Galípolo, indicado por Lula.

O que os números do IBGE mostram é que a disparada do dólar foi um elemento crucial para impulsionar a alta dos preços. E a moeda americana subiu mais no Brasil porque Lula ainda não entendeu que é preciso controlar rapidamente o aumento da sua dívida. Além das falas desastrosas sobre economia, que relembram os piores momentos do governo da ex-presidente Dilma Rousseff, ele também decidiu esvaziar o pacote fiscal elaborado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Com os riscos internos e a eleição de Trump nos EUA, criou-se o ambiente perfeito para que investidores tirassem recursos do País buscando proteção em economias mais maduras.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: Wilton Junior/WILTON JUNIOR/Estadv£o

O aumento do dólar se reflete em vários preços. Os alimentos, por exemplo, foram o grupo que subiu em 2024, respondendo por 1,63 ponto percentual da alta total do IPCA, de 4,83% no ano. Exatamente um terço do aumento. E eles não só passaram por um choque de oferta, no caso das carnes em especial, como também refletiram a desvalorização do real, já que vários alimentos são cotados em dólar, como soja, milho e trigo, que indiretamente vão encarecer produtos do dia a dia dos brasileiros, como pão, macarrão e biscoitos.

As carnes fecharam o ano com aumento de 20% e também refletem a alta do dólar, porque isso estimula a exportação por parte de frigoríficos brasileiros. Com isso, há menor oferta do produto internamente, levando a alta dos produtos. Outro item que reflete o dólar é a gasolina, que fechou o ano com aumento de 9,71%. O café também tem cotação internacional e disparou 39%.

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No caso dos alimentos, Lula agora sofrerá os efeitos negativos por ter usado a picanha como exemplo de que seu governo era bem sucedido na economia. O produto começou 2024 com uma queda de 10,8%, acumulada em 12 meses, e fechou o ano com uma alta de 8,74%. Inflação é coisa séria, e com ela não se brinca.

Gabriel Galípolo começa o seu mandato no Banco Central com um dos cenários mais difíceis desde o estabelecimento do regime de metas de inflação no Brasil, em 1999. A inflação está acima do teto da meta, as expectativas também estão em subindo, e a alta recente do dólar ainda não foi totalmente repassada para os preços.

O mercado de trabalho também está fortemente aquecido, o que se reflete na inflação de serviços, que fechou o ano em 4,78%, também acima do teto. Por tudo isso, o BC já se comprometeu com mais duas altas da taxa Selic nas próximas reuniões. Um “choque de juros” que irá encarecer a rolagem de títulos públicos pelo Tesouro e provocar uma desaceleração da economia.

Com os economistas falando cada vez mais em “dominância fiscal”, quando os juros perdem eficácia para controlar a inflação, o trabalho do BC pode ser inócuo. Caberá a Lula entender o quadro e autorizar Haddad a apresentar novas medidas de ajuste. Nada indica que o presidente perceberá o problema a tempo.

Opinião por Alvaro Gribel

Repórter especial e colunista do Estadão em Brasília. Há mais de 15 anos acompanha os principais assuntos macroeconômicos no Brasil e no mundo. Foi colunista e coordenador de economia no Globo.

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