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Repórter especial de economia em Brasília

Opinião | Novo consignado privado é bem desenhado, mas roupagem política coloca programa na berlinda

Programa é medida estrutural de combate ao ‘spread’, mas passou a ser visto como uma proposta eleitoreira

Foto do author Alvaro Gribel
Atualização:

O novo programa do consignado privado é bem desenhado e tem uma lógica que faz sentido: aumenta a competição entre os bancos, o que tende a fazer com que os juros para os trabalhadores fiquem mais baixos. A proposta também permitirá um aumento da oferta de crédito por essa linha, que é outra barreira para quem tenta contrair um financiamento.

O uso de 10% da multa do FGTS entra nesse raciocínio, porque é preciso que as instituições financeiras tenham alguma garantia caso o empregado seja demitido sem justa causa. A regra, aliás, já existe, mas nunca foi regulamentada. Tudo dentro do jogo e na direção correta.

Novo programa de consignado privado entrou em vigor dia 21 de março. Foto: Secom/Reprodução

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O problema é que o programa ganhou uma roupagem política, com direito a cerimônia no Palácio do Planalto com a presença do presidente Lula, diversos ministros, e depois foi alvo de uma fala infeliz da ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, que gravou um vídeo para a linha de “empréstimo do Lula”. Com isso, o programa que era uma medida estrutural de combate ao spread passou a ser visto como uma proposta eleitoreira.

Em linhas gerais, o anúncio neste momento enfrenta dois problemas. Primeiro, vem em contexto de alta dos juros pelo Banco Central, o que vem causando frustração em pessoas que fazem a simulação e recebem as propostas pelos bancos.

Na maior parte dos casos, os juros estão ficando acima de 2,92% ao mês, que foi a média do consignado privado em janeiro, que operava ainda pelo modelo antigo. A taxa média já vinha subindo, quando saltou de 2,73% ao mês, em setembro, para 2,92% em janeiro. Ou seja: o governo está, politicamente, remando contra a corrente.

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Outro problema é o estímulo ao consumo dado pelo governo atual. O chamado crédito pessoal é considerado uma espécie de “hot money”, ou seja, um dinheiro que deve ser acessado em casos de emergência.

Lula, ao mesmo tempo em que pediu responsabilidade com o uso da linha e recomendou a troca de dívidas caras, como a contraídas com agiotas, pela mais barata, também afirmou que as pessoas devem pegar empréstimo para “aumentar o patrimônio” e pediu que líderes sindicais fiquem com carro de som na porta das fábricas para avisar os trabalhadores.

A Fazenda entende que os juros da nova modalidade ainda vão cair, porque os grandes bancos só vão começar a operar a linha a partir de 25 de abril, quando os próprios aplicativos vão oferecer os empréstimos. Mas agora afirma que a comparação precisa ser feita com o CDC, do crédito pessoal, que tem taxas de 6%, já que não oferece garantias. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, contudo, chegou a falar em juros de 2,5%.

Como o governo politizou o anúncio, o receio agora é de que a Caixa e outros bancos públicos sejam usados para forçar a redução e cumprir a promessa. Esse é jeito errado de fazer a coisa certa.

Opinião por Alvaro Gribel

Repórter especial e colunista do Estadão em Brasília. Há mais de 15 anos acompanha os principais assuntos macroeconômicos no Brasil e no mundo. Foi colunista e coordenador de economia no Globo.

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