O presidente Luiz Inácio Lula da Silva coloca a política econômica do seu governo e a própria reeleição sob risco, quando ofende regras básicas da economia. Lula criticou a política de superávits primários, mas foi ele um dos principais beneficiários da regra – que faz parte do chamado tripé macroeconômico – durante os seus dois primeiros mandatos.
Com as contas públicas sob controle, a inflação caiu, o real se valorizou e o Banco Central pôde reduzir a taxa Selic de 26,5% ao ano, em 2003, para 10,75%, em 2010. Isso foi crucial para o crescimento da economia em seus dois governos, e para que ele conseguisse, com folga, eleger a sua sucessora, a sua ex-ministra Dilma Rousseff, que nunca havia disputado uma eleição majoritária.
Durante café da manhã com jornalistas na manhã desta terça-feira, Lula 23, disse que a “única coisa que parece investimento é superávit primário”. Questionou a razão de gastos com saúde e educação não receberem essa classificação, assim como empréstimos a famílias de baixa renda. O presidente, na verdade, mistura conceitos.
Para fins de impacto na dívida pública, todas as ações do governo são consideradas gastos, em um primeiro momento, inclusive os investimentos. Essas despesas pressionam o endividamento, assim como a inflação, já que há aumento de demanda sobre bens e serviços. Posteriormente, apenas se houver uma boa alocação desses recursos, é que haverá aumento da produtividade, o principal objetivo de qualquer investimento.
O presidente tem razão quando diz que os gastos sociais bateram recorde em seu governo, e são motivo de elogios. De fato, retirar brasileiros da linha de pobreza tem uma capacidade disruptiva no médio e longo prazos, com aumento de mão de obra qualificada – seja dos pais, mas principalmente dos filhos, caso eles tenham acesso a boas políticas de educação.
O erro é não entender que isso precisa ser feito com as contas públicas sob controle, para que essas políticas sejam perenes e tenham vida longa. É justamente por isso que é preciso não só cortar, mas revisar e otimizar despesas. Essa deveria ser uma obsessão do seu governo, para que os recursos sejam direcionados a quem mais precisa.
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Lula também voltou suas baterias ao Banco Central, em mais um ato de deselegância contra o presidente Roberto Campos Neto. Disse que “quem já conviveu com ele um ano e quatro meses não tem problema em viver mais seis meses”. A fala representa dois problemas.
Primeiro, nunca é demais para lembrar que Campos Neto subiu juros drasticamente em pleno ano de 2022, às vésperas das eleições, e isso ajudou a conter as medidas fiscais eleitoreiras promovidas pelo então presidente Jair Bolsonaro. O papel do BC foi técnico naquele ano, e continua técnico agora. Responde às pressões de inflação correntes, ao cenário internacional, e às expectativas de inflação.
Segundo, porque Lula rebaixa o papel do próximo presidente do Banco Central, que ainda será indicado por ele. A fala revela que ele entende que pode pressionar ou influenciar a política monetária do País. Se houver o entendimento de que isso de fato irá acontecer, haverá aumento dos juros futuros e o real tende a se desvalorizar. O seu governo será o principal perdedor.
Lula também comparou a dívida bruta do governo brasileiro com a de outros países, principalmente os desenvolvidos, como Itália, Espanha, França. Esses países fazem parte da zona do euro, que tem uma política monetária única, e se beneficiam principalmente das políticas de austeridade da Alemanha. Isso permite que os juros fiquem baixos, e a dívida desses países seja mais barata para rolagem no mercado. Não é o caso do Brasil.
Como alertou Campos Neto em evento esta semana, o crescimento da dívida dos países desenvolvidos de fato é um problema – e isso passará a ser visto com mais rigor pelos mercados. O Brasil não precisa se espalhar no que há de ruim lá fora.
Com o país polarizado e cada vez mais agarrado a pautas de costumes, Lula não pode errar na economia, caso queira se reeleger. Ele já trilhou o caminho certo, no seu primeiro mandato, e presenciou a tragédia que foi o governo Dilma Rousseff na área.
Há tempo para afinar o discurso, mas alguém no entorno do presidente terá coragem de dizer isso a ele?
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