BRASÍLIA – O setor elétrico brasileiro pode também ser descrito como o setor da “meia-entrada”. Nele, há uma briga antiga, constante e generalizada entre os seus principais atores em busca de privilégios que beneficiam a si, em detrimento dos demais. No final, todos perdem, especialmente os consumidores – que pagam a conta.
Um exemplo disso aconteceu nesta última terça-feira, 20, durante audiência pública na Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) do Senado. Diversas associações foram convocadas para dar breves explicações – em torno de cinco minutos – sobre o projeto de lei 576/2021 que cria o marco regulatório das eólicas offshore.
O projeto já foi aprovado na Câmara e trata de um tema importante para o País, que é a criação do ordenamento jurídico e legal que vai permitir a geração de energia dos ventos em alto-mar. Um dos principais interessados é o setor de petróleo (leia-se Petrobras), que já faz exploração na costa brasileira e poderia ter ganhos de sinergia entre os dois negócios (petróleo e energia elétrica).
O problema é que, no Congresso, brasileiro existem os projetos que praticam uma espécie de “contrabando” legislativo, porque pegam carona em outros projetos de lei e são aprovados sem serem discutidos e, muitas vezes, nem notados. Também conhecidos como “jabutis”. Por trás de cada um deles há lobistas e empresários com muito dinheiro e influência entre deputados e senadores. É comum que façam doações de campanha e tenham “verdadeiras bancadas” nas duas Casas.
E esse PL das offshore ganhou nada menos do que oito desses “jabutis”, com medidas aprovadas “sob medida” para diversos segmentos do setor elétrico. Um deles prorroga a permissão para a geração de energia a carvão mineral no Sul do País, que agora poderá continuar poluindo os céus do planeta não mais até 2040, mas até 2050. Note-se que o PL original trata de um projeto de “energia limpa”, mas isso não foi motivo de constrangimento.
Outro obriga o País a contratar energia térmica a gás em Estados onde não há oferta de gás, mas já existe sobra de produção de energia. Ou seja, o consumidor pagará pela construção do gasoduto, para levar o gás, e também pela linha de transmissão, para trazer a energia de volta.
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Pois, na dita audiência, cada um dos oito beneficiados fez a defesa de sua causa – todos expuseram “bons motivos” –, mas sem a menor preocupação com as consequências para o todo. Os cálculos da consultoria PSR, especializada no setor elétrico e uma das mais respeitadas do País, indicam que haverá aumento de custo de R$ 25 bilhões por ano na conta de luz, cerca de 11% – o que na prática, fará o brasileiro pagar uma conta a mais por ano: é o 13º da conta de luz. Essas entidades, contudo, rebatem, e dizem que há outras contas e resultados. Sempre olhando, claro, para o próprio negócio.
Algumas associações, principalmente as que representam os consumidores, apelaram para que fosse aprovada apenas a proposta original – da energia eólica em alto-mar – e se discutisse depois os demais temas em um projeto separado.
Mas a ideia parece não ter tido grande adesão entre os beneficiários das medidas, entre os senadores e tampouco no governo Lula, que nem sequer mandou representante para a audiência. O consenso na sala era de que o setor elétrico está perdido sob o Ministério de Minas e Energia (MME).
O chefe da pasta, ministro Alexandre Silveira, pouco entende do assunto, mas vive cheio de ideias e convicções equivocadas. Com isso, os projetos “correm solto” no Congresso, como definiu um senador. O ministro é um ex-delegado aposentado (com 52 anos), que trabalhou no Dnit e foi secretário de Saúde de Minas Gerais. Nunca teve grandes interlocuções no setor, mas ganhou a pasta por indicação do PSD, que integra a base do governo Lula.
Há décadas o setor elétrico vem acumulando problemas, que vão da conta de energia cara ao risco de falta de suprimento, em momentos de seca ou de picos de consumo. Agora, enfrenta um Ministério fraco, um Congresso submisso, e a força dos lobbies internos que buscam apenas garantir os benefícios próprios.
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