São Paulo - O processo movido pelo Bradesco em busca da produção antecipada de provas contra a Americanas, a diretoria e os acionistas de referência, segue ativo. O banco se manifestou no processo no dia 1º de setembro, alegando fatos novos, importantes para o julgamento da causa. Na sequência, o ex-presidente da varejista, Miguel Gutierrez, juntou ao processo um recurso jurídico, no qual apontava responsabilidades do trio de investidores no caso. Agora, a Americanas, em novo agravo de instrumento, acusa Bradesco e Gutierrez de agirem de forma orquestrada para culpar Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, os acionistas de referência da empresa.
“Em vez de se alinhar com os credores e acionistas que têm buscado, de boa-fé, viabilizar a recuperação da companhia, o Bradesco resolveu se alinhar ao fraudador Miguel Gutierrez, que por anos construiu um patrimônio pessoal vultoso, fabricando resultados fictícios às custas de credores, fornecedores, funcionários e acionistas da Americanas”, alega a defesa da varejista.
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Para os advogados da empresa, o Bradesco quer construir uma versão dos fatos alinhada ao que foi visto na declaração assinada por Gutierrez, de que seriam os conselheiros da Americanas, e não Gutierrez, os verdadeiros comandantes da fraude. “Gutierrez não só não traz qualquer prova do que diz, como, ao contrário, sua narrativa totalmente falaciosa é facilmente desmentida por um conjunto irrefutável de evidências”, afirma a Americanas, no recurso.
Uma fonte próxima à defesa do banco afirma que a manifestação do Bradesco teve como fato gerador a ata de uma reunião da diretoria da empresa, de dezembro de 2022, em que se discutiu um corte de R$ 1 bilhão em investimentos da rede neste ano, para reduzir a queima de caixa da companhia. A reunião teve a participação dos diretores da Americanas Anna Saicali, Marcio Cruz, Timótheo Barros, João Guerra e Vanessa Carvalho, além de Sergio Rial e de André Covre, que assumiriam os postos de CEO e diretor financeiro da companhia em janeiro. A ata foi revelada em reportagem do Estadão.
Segundo esta fonte, a ata mostra que a diretoria da empresa sabia dos problemas financeiros da Americanas e reforça a necessidade de produção antecipada de provas, pedida pelos advogados do Bradesco desde janeiro, mês em que o escândalo estourou. Neste sentido, os defensores do banco reiteraram a necessidade de que os ex-executivos da companhia fossem ouvidos em depoimento, bem como os três acionistas de referência: Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.
Ou seja: a manifestação da defesa do Bradesco não teria relação com a de Gutierrez. “O Gutierrez está fazendo a defesa dele, e fez acusações que inclusive vai ter de provar”, disse a fonte. Nas manifestações, o ex-CEO da Americanas afirma que o trio de acionistas estava a par da situação financeira da empresa, e que Sicupira acompanhava a evolução das vendas de maneira diária.
A visão, segundo apurou o Estadão/Broadcast com fontes próximas à defesa do Bradesco, é de que colher os depoimentos dos envolvidos seria a forma de progredir em uma frente em que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Americanas não avançou, que é justamente a de ouvir os executivos e o trio de acionistas.
Na manifestação que movimentou o processo, o Bradesco faz menções a dois fatos. O primeiro é a publicação de notícias destacando que “Rial não apenas teria plena consciência dos graves problemas de caixa que a companhia enfrentava, quando decidiu se aventurar no cargo de presidente”. Em dezembro de 2022, ele teria participado de uma reunião com a diretoria da Americanas, cuja ordem do dia era traçar um “plano de guerra” para os próximos anos da companhia.
O outro fato seria uma notícia veiculada no jornal O Globo, em 27 de agosto, afirmando que Gutierrez teria lavrado um boletim de ocorrência, em uma delegacia, reportando estar sendo perseguido e fotografado por desconhecidos nas ruas de Madri, na Espanha.
Sobre a primeira alegação do banco, a defesa da Americanas diz que “uma leitura serena e atenta da ata” confirma a versão da empresa. Os advogados defendem que, apesar de historicamente ter apresentado, em geral, um bom desempenho, nos dias 7 e 8 de novembro de 2022, a diretoria publicou para o comitê financeiro e para o Conselho de Administração resultados ruins para o terceiro trimestre, incluindo queima de caixa elevada.
“Todavia, como também já exposto, questionada pelo comitê financeiro sobre esses números, a diretoria argumentou que era algo pontual, justificado por fatores externos, e que a companhia continuava saudável economicamente”, diz o agravo da varejista. “Em 10/11/2022, os resultados negativos foram publicados para o mercado, levando a uma queda no valor das ações”, continua.
Negociações
Segundo a defesa da Americanas, para tornar viável o bom andamento das negociações, a maioria dos bancos suspendeu o andamento das ações que moviam contra a varejista e contra os acionistas de referência. “Todavia, tão somente por estar insatisfeito com um dos aspectos do plano em negociação (que repercute numa pequena parte do valor do seu crédito), o Bradesco vem adotando diversos expedientes jurídicos e midiáticos contra companhia e contra seus principais acionistas. Dentre eles, voltar a dar continuidade à demanda de origem, depois de, por meses, ter concordado em suspendê-la”, diz a varejista no agravo.
A empresa diz ainda que a produção de provas buscada no processo “não passa de uma investigação incompleta, parcial e particular do agravado (Bradesco), onde encontra terreno fértil para forjar factoides e lançá-los ao público, ávido por um espetáculo circense. Exatamente como fez com a ‘carta’ de Miguel Gutierrez”.
Com a palavra:
O ex-presidente da Americanas, Miguel Gutierrez, rebateu, por meio de nota redigida pela sua defesa, as acusações feitas pela Americanas na Justiça. “É incompreensível a insistência da Americanas em se precipitar à conclusão das autoridades para proteger seus acionistas controladores e membros do conselho de administração - que têm responsabilidade nas áreas financeira e contábil”, diz a nota. O texto continua afirmando que “a companhia tropeça, assim, na tentativa de proteger pessoas que teriam muito mais condições de ressarci-la pelos danos que diz ter sofrido”.
O ex-executivo também se manifestou sobre as evidências apontadas pela empresa, que contam com: arquivo digitalizado com anotações de próprio punho de Miguel Gutierrez, em materiais que apontam a existência de duas versões dos demonstrativos da Americanas (uma de uso interno da antiga diretoria e outra destinada ao Conselho de Administração); e-mail enviado por Gutierrez aos ex-diretores, com orientações para que não fossem levadas, em reunião com Sérgio Rial, respostas a dúvidas sensíveis em relação ao quarto trimestre de 2022 e endividamento da companhia; e e-mail enviado pelo ex-CEO (Gutierrez) aos ex-diretores em tese envolvidos na suposta fraude, pelo qual Gutierrez reclama do “mar de comentários”, referindo-se a questionamentos dos membros do Comitê de Auditoria.
“Mais uma vez, a atual administração da Americanas pinça documentos fora de contexto na tentativa de corroborar sua narrativa falsa e incomprovada de que Miguel Gutierrez teria participado de uma fraude. As novas alegações da companhia serão rebatidas nos foros próprios do processo, mas chama a atenção que nenhum daqueles documentos sequer se relaciona com VPC (verbas cooperadas de publicidade) ou ‘risco-sacado’, temas que a companhia disse, no fato relevante de 13/06, corresponderem à fraude”, diz a nota da defesa do ex-CEO.
Procurado, o Bradesco disse que não comentaria sobre o assunto.
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