A Americanas afirmou, em fato relevante enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que documentos indicam que as demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior.
Segundo informações divulgadas pela companhia, a fraude começava nos números operacionais da empresa, beneficiava seu Ebitda (sigla em inglês para lucros, antes de juros, impostos, depreciação e a amortização) e depois ainda era usada para reduzir artificialmente seu endividamento.
Relatório apresentado pelos assessores jurídicos da administração da empresa em reunião do Conselho realizada na segunda-feira, 12, aponta esforços da diretoria anterior para ocultar do Conselho de Administração e do mercado em geral a real situação de resultado e patrimonial da companhia. Conheça pontos do relatório apresentado e quem são os envolvidos.
Verbas publicitárias inexistentes
O relatório identifica diversos contratos de “verba de propaganda cooperada” (VPC), que teriam sido artificialmente criados para melhorar os resultados operacionais da companhia como redutores de custo, mas sem efetiva contratação com fornecedores.
Como as verbas publicitárias inexistentes melhoravam os resultados operacionais da companhia, mas não apareciam no caixa, a empresa teve de descontá-las de alguma forma, e os números foram lançados majoritariamente na forma de “redutores da conta de fornecedores”, linha que indica o quanto a empresa paga para os fabricantes.
O saldo devedor da companhia nessa parte do balanço era de R$17,7 bilhões em 30 de setembro de 2022, mas o valor era abatido pelas verbas publicitárias inexistentes, que somavam R$ 21,7 bilhões. A diferença de R$ 4 bilhões teve como contrapartidas lançamentos contábeis em outras contas do ativo da empresa, diz a Americanas.
Financiamentos sem aprovações societárias
Além dos contratos de “verba de propaganda cooperada” (VPC) e como forma de gerar o caixa necessário para a continuidade das operações das Americanas, a diretoria anterior da companhia contratou uma série de financiamentos nos quais a empresa é devedora perante instituições financeiras, sem as devidas aprovações societárias, todas inadequadamente contabilizadas no balanço patrimonial da companhia de 30 de setembro de 2022 na conta fornecedores.
Foram realizadas operações de financiamento de compras (risco sacado, forfait ou confirming) de R$ 18,4 bilhões, em números preliminares e não auditados. Também foram realizadas operações de financiamento de capital de giro de R$ 2,2 bilhões, em números preliminares e não auditados.
A Americanas não especificou o período em que todo o esquema começou.
E-mails indicam balanço falso
Em depoimento na terça-feira, 13, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Americanas, na Câmara dos Deputados, o CEO da varejista, Leonardo Coelho, entregou documentos com trocas de e-mails que indicam que a diretoria tinha uma versão falsa do balanço da empresa para ser apresentada ao Conselho de Administração e ao mercado.
Os e-mails ainda trazem indícios de participação de empresas de auditoria na elaboração de documentos com redações favoráveis à empresa e de bancos como responsáveis por suavizar o texto das cartas de circularização, usadas como parte da auditoria, em relação aos financiamentos para o pagamento de fornecedores conhecidos como “risco sacado”.
Quem está envolvido?
O relatório da companhia indica a participação na fraude do ex-CEO Miguel Gutierrez e de outros seis diretores e executivos da companhia. Miguel Gutierrez desligou-se da companhia em 31 de dezembro de 2022. Os outros seis também já foram afastados.
Quanto ao suposto envolvimento do Conselho de Administração e dos acionistas de referência da companhia (Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira), o CEO Leonardo Coelho afirmou no depoimento à CPI não haver provas. “Documentos a que temos acesso hoje não mostram envolvimento de acionistas”, disse.
Até agora, Sérgio Rial, que identificou o rombo e o tornou público após ficar nove dias como CEO da Americanas, é o único formalmente investigado pela CVM.
Veja abaixo quem é quem no caso Americanas
OS PRINCIPAIS ACIONISTAS DA COMPANHIA
Jorge Paulo Lemann - Empresário
Economista, o empresário de 83 anos nasceu no Rio de Janeiro. É filho de pais suíços - tem cidadania dupla. A família, de Langnau im Emmental, atuava no comércio de laticínios. Hoje é dono, junto com sócios, de empresas como InBev e Burger King.
Marcel Telles - Empresário
Nascido no Rio de Janeiro, tem 73 anos. Com Lemann e Sicupira, foi sócio do Banco Garantia, tido como um “Goldman Sachs” brasileiro, na década de 1970. Os três fundaram a 3G Capital, que tem no portfólio multinacionais.
Carlos Alberto Sicupira - Empresário
Nascido em 1948, no Rio de Janeiro, formou-se em administração de empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sócio de Lemann e Telles desde os anos 1970. Fundou com os parceiros a 3G Capital.
O EX-PRESIDENTE E DIRETORES ACUSADOS DE FRAUDE
Miguel Gutierrez - Ex-presidente da Americanas
O engenheiro entrou na empresa em 1993 e passou por áreas como operações, financeira e logística. Foi presidente da Americanas de 2001 até dezembro de 2022.
Anna Saicali - Ex-diretora
Ex-diretora, entrou na empresa em 1997 e foi CEO da AME Digital, carteira digital da Americanas. É formada em artes plásticas e finanças corporativas.
José Timótheo de Barros - Ex-diretor
Foi vice-presidente de lojas físicas, logística e tecnologia da empresa. Com carreira na companhia desde 1996, começou como trainee.
Márcio Cruz Meirelles - Ex-CEO de Digital
Foi presidente da B2W entre 2018 e 2021, quando ocorreu a fusão com a Americanas. Em 2021, assumiu o cargo de CEO de Digital da empresa.
Fábio Da Silva Abrate - Ex-diretor
O executivo está na empresa desde 2003 e já passou pelo posto de diretor financeiro e esteve à frente da contabilidade da empresa nos últimos anos.
Flávia Carneiro - Ex-superintendente da Controladoria
Também vinda da fusão com a B2W, Carneiro atuava como superintendente de Controladoria da companhia.
Marcelo da Silva Nunes - Ex-diretor
Outro executivo fruto da fusão com a B2W em 2021, era diretor financeiro da empresa. Assim como os demais, foi afastado em fevereiro.
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