Camille Faria assumiu a diretoria financeira da Americanas em meio à crise desencadeada pela descoberta de um rombo contábil de R$ 20 bilhões, que levou a empresa a buscar proteção na Justiça para renegociar R$ 42 bilhões em dívidas. A revelação fez a varejista perder, em menos de uma semana, a classificação próxima do grau de investimento para níveis que indicavam possibilidade de inadimplência ou calote.
“O ataque dos bancos ao caixa fez com que a companhia pedisse uma recuperação judicial sem estar preparada. Sem ter todo o corpo de assessores necessário, sem lista de credores, sem saber quem poderia ou não pagar no dia seguinte ao pedido de RJ ser aceito”, afirma Camille em entrevista ao Estadão/Broadcast. Ela diz que, hoje, o clima das negociações é positivo e que está esperançosa de um desfecho próximo. Mas a decisão, no fim, é de quem coloca dinheiro no negócio.
A executiva ganhou experiência em casos complexos, após estar à frente da recuperação judicial da Oi, uma das maiores do País. Na sua visão, o caso da Americanas é diferente. “Não é uma companhia que todo mundo via que estava se deteriorando. O mercado julgava que a empresa estava bem e muita gente na companhia, a maioria, tomou um susto”, diz.
Uma das especificidades desse caso, segundo a diretora financeira, é que a empresa passa pelo processo “sem ter uma visão precisa de sua situação patrimonial”. Na manhã desta sexta-feira, 24, aliás, a companhia informou ao mercado que vai adiar a apresentação de seus resultados consolidados de 2022.
A companhia tem pela frente o desafio de reapresentar ao mercado os números consolidados de 2020, além de todos os resultados publicados de 2021 e 2022. “É um problema muito mais burocrático do que real. A companhia já sabe o suficiente para entender qual é a dívida. Sabemos exatamente o que temos de fazer. A questão é passar por um processo como esse sem ter demonstrações financeiras oficiais da companhia. Temos de passar informações financeiras periódicas para o Administrador Judicial, mas não temos. Até meados de abril teremos (números) internos”, conta.
A empresa vai precisar ter seus números auditados novamente e precisa que o comitê independente de investigação aponte as mudanças que têm de ser feitas no balanço. Ainda assim, Camille acredita que esses são percalços formais e que já é possível entender a companhia.
A negociação
Do lado da negociação com os bancos e demais credores financeiros, a CFO garante que a discussão tem sido positiva. “É uma discussão de R$ 36 bilhões (tirando da conta as dívidas com fornecedores). É impossível não haver muitas interações. Começou difícil, pois ninguém estava preparado. Hoje o tom é positivo”, diz.
Quanto aos litígios que os bancos ainda travam contra a companhia e seus acionistas de referência (o trio de investidores formado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira), bem como sobre as respostas da companhia, que recentemente tornou público o relatório de sua administração judicial com informações que desagradaram os bancos, Camille não faz comentários. Diz apenas que, na mesa de negociações, há o desejo de resolver o assunto rapidamente.
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“Todo mundo entende a importância de se buscar um consenso de forma rápida. A companhia continua operando, se adaptou: nossas lojas estão abastecidas. No entanto, o desgaste na mídia não ajuda, pois gera ruído negativo e afeta negativamente a empresa. Para voltar à vida normal, é preciso encerrar esse assunto. Credores financeiros entendem isso e os acionistas de referência também”, diz.
Ela afirma que, nessas conversas, seu papel, como representante da empresa, é de facilitar o diálogo, apresentar metas de desempenho, números solicitados e soluções, visando maneiras das partes envolvidas convergirem para um acordo. “Estou esperançosa que estamos próximos de achar um ponto de convergência”, diz. No entanto, ela não consegue dar uma previsão para o fim desse imbróglio.
Somos parte ativa do diálogo, mas, no fim, quem está colocando dinheiro são os acionistas de referência e quem está convertendo dívida são os bancos. São decisões de terceiros e não da companhia
Camille Faria, diretora financeira da Americanas
Venda de ativos
Em seu plano de recuperação judicial, a companhia sinalizou que pode vender, além de um jatinho, o hortifrúti Natural da Terra e sua participação de 70% na Uni.co. O relatório inclui, ainda, as marcas da companhia. Camille diz, porém, que as marcas foram colocadas ali apenas como uma opção, mas que não há plano de vendê-las. “Hortifrúti e Uni.co são decisões mais maduras”, complementa.
Ela explica que essa decisão de venda não está fechada, já que os R$ 2 bilhões que podem ser arrecadados com essas unidades de negócio, apesar de serem positivos, não resolvem o problema da companhia, que precisa de um aporte dos acionistas de referência hoje estimado na casa de R$ 10 bilhões.
Para ela, a venda desses ativos se refere mais a um plano de foco da Americanas em suas frentes de negócio principais do que do dinheiro que esses ativos secundários podem trazer. Ela diz haver interessados, mas que o processo deve ser conduzido de forma pública e competitiva, já que é bem provável que a venda seja feita após a conversão desses ativos em Unidades Produtivas Isoladas (UPIs), o que protege os compradores.
“Recebemos diversas manifestações não solicitadas de interesse, mas tem de ser um processo público e competitivo. Quando houver um processo organizado para venda, todo mundo vai saber”, afirma.
Empréstimos
Quanto ao dia a dia da companhia, Camille explica que o R$ 1 bilhão sacado pela companhia do DIP (debtor in possession, na sigla em inglês) tem sido suficiente para tocar a operação. No entanto, se o processo de RJ se estender, a companhia pode precisar de mais R$ 500 milhões até o fim do ano.
Sendo assim, a Americanas avalia qual a melhor atitude a tomar agora. Pela regra, a companhia pode solicitar esses R$ 500 milhões até maio, mas teria de arcar com o custo financeiro do empréstimo na conta até realmente usar o montante. Avalia-se, portanto, pedir uma extensão de prazo para sacar a quantia.
A primeira parte do DIP, R$ 1 bilhão, foi provida pelos acionistas de referência. A outra metade não tinha garantia firme deles, podendo vir de qualquer outro credor. No entanto, Camille explica que esse empréstimo não é financeiramente vantajoso para credores que não tenham um compromisso com a empresa, como o trio de investidores tem. Ele replica a situação de crédito da companhia antes da RJ, não tem garantias e é remunerado a 128% do CDI. Logo, ao que tudo indica, os próximos R$ 500 milhões também virão do trio.
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