EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

Falta de ar

Parece faltar senso de urgência da importância da reforma administrativa a Bolsonaro

PUBLICIDADE

Publicidade
Por Ana Carla Abrão

Após 11 meses focado na aprovação da reforma da Previdência, o governo federal ensaia fazer andar uma outra agenda. Não é sem tempo, pois, embora a Nova Previdência tenha sido um grande avanço na direção da correção de rota que nos levaria ao colapso fiscal – e uma importante conquista para a manutenção do atual patamar de juros básicos –, ela não faz muito mais do que isso. A reforma tem o grande mérito de corrigir alguns problemas estruturais do atual modelo, mas sabemos que não nos trará de volta o crescimento sustentável e não nos garantirá os anos de prosperidade tão sonhados e repetidamente prometidos há décadas. Para isso, é necessário que uma agenda muito mais ampla e complexa aconteça.

PUBLICIDADE

Não por acaso, o Ministério da Economia veio a campo com um ótimo começo dessa outra agenda. As três Propostas de Emenda Constitucional (PEC) apresentadas há algumas semanas no Senado vão na direção de eliminar algumas outras distorções (se não excrescências) que também vêm contribuindo para o nosso colapso fiscal e para a péssima qualidade do gasto público nos últimos anos. Apesar da clara prioridade na aprovação da PEC emergencial, há ainda as PECs do pacto federativo e a da desvinculação dos fundos que interrompem práticas que comprometeram a nossa capacidade de gerir melhor as contas públicas em todos os níveis federativos. Há pontos de melhoria em todas elas e isso é o que se espera do processo democrático. Mas cabe ao Executivo apresentar a agenda e ao Parlamento, o papel de debatê-la e aprimorá-la (e quiçá ao Judiciário aplicar o que foi aprovado). As duas primeiras partes desse processo, ao menos até aqui, estão sendo cumpridas.

Mas a agenda de crescimento é muito mais ampla. A reorganização fiscal é condição necessária para a retomada, mas está longe de ser suficiente para a sustentabilidade dela. Daí a necessidade de avançarmos também com a agenda de produtividade que engloba outros temas e um grande conjunto de outras reformas. A mais importante delas, a melhoria na qualidade da educação pública, está até aqui perdida nos embates infantis de um ministro que parece não entender o seu papel. Na infraestrutura, a ampliação dos investimentos depende de marcos legais em discussão nas áreas de logística, saneamento, telefonia e energia, mas também do fortalecimento das agências reguladoras. Algo caminha no campo legislativo – mais devagar do que a urgência exige –, mas há agora a absurda sombra de uma inacreditável reestatização da companhia de energia de Goiás, que põe em xeque a competência das agências reguladoras, a segurança dos contratos legitimamente firmados entre setor público e privado e, claro, a seriedade de um programa de privatizações em andamento. Há ainda a agenda de abertura comercial e a da melhora no ambiente de negócios cujos sinais são positivos, mas com poucos resultados concretos até aqui. 

E há a reforma administrativa. Que ensaiou sair na semana passada, mas não saiu, abortada que foi pelo presidente Bolsonaro sob o argumento de que era melhor dar um respiro para o Congresso. Claramente falta ao presidente o senso de urgência e clareza da importância de uma reforma que vai, assim como as demais, garantir ao Brasil a volta dos motores de crescimento. Reduzir a reforma administrativa à pauta fiscal é não entender que o aumento da produtividade do setor público ajuda a crescer, que uma máquina pública eficiente ajuda a reduzir a desigualdade e que a revisão do modelo atual assentará as bases para um serviço público mais eficaz. Reformar esse modelo significa valorizar os servidores e dar-lhes melhores condições de trabalho – e também cobrá-los por resultados. Mas equivale, acima de tudo, a investir nos milhões de brasileiros que dependem do Estado.

Ou seja, com uma agenda tão ampla quanto necessária para a retomada do crescimento, não estamos em um momento em que possamos nos dar ao luxo de dar “respiros” ao Congresso. Ao contrário, o Parlamento de hoje adota uma postura reformadora e cobra do Executivo uma agenda que ele possa discutir e aprimorar em prol do Brasil. Por isso mesmo, nossos congressistas não precisam de “respiro”. Até porque, não é ao Congresso que falta ar. Falta ar às duas centenas de milhões de brasileiros que esperam, torcem e trabalham por um Brasil melhor no presente e no futuro e que dependem dessa agenda de reformas para voltarem a respirar.*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.