Gabriel Galípolo já vinha se preparando para o dia de hoje. No início do ano, durante conversa com economistas em São Paulo, revelou que dias antes havia escutado em podcast a entrevista de um ex-chefe de Banco Central estrangeiro – e tomado nota de alguns conselhos. A mira de Galípolo nunca foi baixa. O ex-BC em questão era Mark Carney, que presidiu os Bancos Centrais do Canadá e da Inglaterra.
Quando indicado ao posto no Canadá, aos 48 anos, o canadense era o presidente de BC mais jovem de todo o G-20. Em 2013, indicado ao BC inglês, o jornal Financial Times o descreveu como um economista preparado, que na aparência era parte estrela de Hollywood e parte geek dos mercados financeiros.
“Os banqueiros gostam de Carney porque ele escuta, é direto, se envolve, fala a língua deles e não foge das responsabilidades”, descreveu o FT. Vindo de uma carreira nos bancos privados, Carney não se furtou a pressioná-los. E nem se intimidou ou deixou de mostrar suas ambições políticas como um representante da centro-esquerda.
É de se entender que o ex-banqueiro de 42 anos que ganhou interlocução direta com Lula em 2022 nutra uma admiração um tanto narcísica por Carney.
Galípolo esperou pelo dia de hoje. Ele foi o rosto diferente a surgir no entorno de Lula durante a campanha eleitoral – e como enviado do petista em conversas com o setor privado – quando a Faria Lima se dizia farta de ouvir os emissários já conhecidos: Guido Mantega, Gleisi Hoffmann e Aloizio Mercadante.
Quando Lula ganhou a eleição, o entorno do presidente dava como certa a indicação de Galípolo para a presidência do BNDES, que não veio. Ele foi, então, puxado como número dois na Fazenda por Fernando Haddad e ganhou projeção. Segundo alguns, até demais. A crise entre o Planalto e o BC surgiu e ele foi enviado para nova missão: diminuir os juros, a temperatura e, por que não, as aparições públicas. Foi mais ou menos bem-sucedido em todas elas.
O conselho que Galípolo guardou de Carney é: para estar à frente de um BC, é preciso ter humildade e estar preparado para o erro, porque uma hora você vai errar. Mas a eleição acirrada e o 8 de janeiro já devem ter soado em Galípolo o alarme de que há pouco espaço para o erro, ainda mais na economia. A promessa de Lula na campanha foi gerar aos cidadãos melhoria de vida concreta. É a picanha, o gás, a vida real. A tarefa não é fácil. E a tarefa do BC, por vezes, pode desagradar o chefe do Executivo neste caminho.
Começa a se criar o consenso de que a atividade econômica está crescendo acima do PIB potencial brasileiro, de tal forma que será preciso subir os juros no futuro próximo, para evitar a inflação. O investimento privado não está entrando. E o cenário de gastos ameaça o resultado fiscal e também os planos de investimento do governo, o PAC.
Parte do trabalho para gerar uma estrutura sólida que, aí sim, leve a um crescimento sustentável, vem sendo encampado pela Fazenda. É o caso da reforma tributária, por exemplo. Mas mudanças estruturais levam tempo. Outras ainda são necessárias, como abrir espaço fiscal. E o horizonte de alta nos juros, algo que Lula não quer, está logo ali, à vista.
A história de Carney já conhecemos. Enfrentou a crise financeira de 2008 no Canadá, o Brexit no BC inglês e o início da pandemia. Saiu tão bem a ponto de dar palestras hoje nas quais diz que o trabalho do Banco Central é uma arte e também uma ciência. Depende de fórmulas, mas também de confiança, resiliência, dinamismo, solidariedade e sustentabilidade, segundo ele.
Galípolo já vinha se preparando para o dia de hoje. Mas seu verdadeiro desafio começa a partir de amanhã.
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