BRASÍLIA – A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) se dividiu e não aprovou o plano apresentado pela Âmbar, empresa do Grupo J&F, que pertence aos irmãos Joesley e Wesley Batista, para assumir a distribuidora Amazonas Energia. A análise terminou em empate entre os quatro diretores da agência e foi suspensa até terça-feira, 1º.
Após o término da reunião do órgão, a Âmbar divulgou uma nota afirmando que apresentou uma nova proposta para a Aneel e que segue confiante que essa será aprovada por mais a “mais favorável” para a população. A Amazonas Energia e o Ministério de Minas e Energia não se manifestaram.
O processo causou um impasse após a Justiça Federal do Amazonas dar um prazo de 48 horas para a agência repassar a distribuidora para o grupo dos Batista. O prazo termina na tarde desta sexta-feira, 27, às 16h45. A agência recorreu da decisão no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mas ainda não houve um novo julgamento judicial. Agora, a cúpula da agência tentará um entendimento com a Justiça diante do empate.
Os diretores da Aneel Ricardo Lavorato Tili, relator do processo, e Fernando Mosna votaram pela rejeição da proposta da Âmbar de assumir a distribuidora amazonense, que custaria R$ 16 bilhões para consumidores de todo o País, e opinaram pela aprovação do plano apenas conforme as recomendações da área técnica da agência reguladora, com um custo de R$ 8 bilhões - condição com a qual a Âmbar não concorda.
O diretor-geral da agência, Sandoval Feitosa, e a diretora Agnes da Costa apresentaram um voto diferente, aceitando uma nova proposta apresentada pela Âmbar na madrugada desta sexta-feira, 27. Os dois se reuniram anteriormente com executivos da empresa e com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (leia mais abaixo).
A nova proposta tem um custo de R$ 14 bilhões, diminuindo o encargo para o consumidor em relação ao plano original, mas ainda é R$ 6 bilhões mais caro do que o orientado pela área técnica da Aneel. A mudança envolve uma redução mais acelerada de custos ao longo do tempo, mas ainda não atende as indicações dos consultores da agência.
A consultoria jurídica da agência entendeu que o órgão não é obrigado a aceitar o plano exatamente como a companhia propôs, mas deve realizar a transferência nas condições com o menor custo para o consumidor, como manda a medida provisória (MP) que autorizou a venda da Amazonas Energia. Conforme o Estadão revelou, a Aneel preparava um processo de intervenção na distribuidora antes da decisão judicial.
O julgamento só será desempatado se um novo diretor foi nomeado ou se algum mudar o voto. Uma das vagas da Aneel está aberta. A agência encaminhou nomes para assumir o posto de forma provisória ao Ministério de Minas Energia em maio, como autoriza a Lei Geral das Agências Reguladoras, mas as indicações estão paradas no governo Lula.
O governo Lula beneficiou a empresa dos irmãos Batista com uma MP que socorre o caixa da Amazonas Energia e transfere o custo para os consumidores brasileiros por até 15 anos. A decisão foi assinada 72 horas depois de a Âmbar ter comprado usinas termelétricas da Eletrobras que têm dívidas a receber da Amazonas Energia. A MP perde a validade no dia 10 de outubro, cancelando os benefícios dados pelo governo.
Após a reunião da Aneel, a Âmbar afirmou que apresentou um novo plano para a Aneel e que a proposta “amplia significativamente os benefícios para os consumidores de energia ao mesmo tempo em que permite o complexo equacionamento da crise enfrentada pela distribuidora”. Além disso, a companhia ressaltou que “segue confiante de que a solução proposta será aprovada, por ser a mais favorável para a população do Amazonas, os consumidores de energia de todo o país e a União.”
Relator contaria decisão da Justiça e classifica ordem como ilegal ao rejeitar plano dos irmãos Batista
De acordo com o relator, a proposta dos irmãos Batista não é suficiente para resolver os problemas da distribuidora, equacionar a dívida da Amazonas Energia e impor o menor custo para a conta de luz. Ricardo Tili classificou a decisão da Justiça do Amazonas como ilegal por prejudicar o interesse público e violar a autonomia da Aneel para avaliar o plano de transferência da Amazonas Energia. Ele apontou entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) em 1996 de que “ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal”.
Além disso, o relator citou que uma decisão anterior do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, proferida em agosto, afastou a obrigatoriedade de deliberação do processo pela Aneel, argumento também apresentado pela agência no recurso judicial - a fim de justificar que ela não seria obrigada a transferir o controle da distribuidora. “Eventual aprovação do plano estaria violando dispositivo legal imperativo e afetará o consumidor de energia elétrica em todo o território nacional”, afirmou .
De acordo com o voto do diretor que relatou o processo, a empresa teria 24 horas para decidir se concorda ou não com o plano mais barato. Até o momento, o grupo J&F demonstrou em manifestações oficiais e em reuniões internas com a Aneel que não aceita assumir a Amazonas Energia nessas condições por não ver lucratividade no negócio.
Endividamento da Amazonas Energia é um dos principais impasses do processo
Um dos principais entraves foi a proposta de uma solução para o endividamento da companhia amazonense, calculado em R$ 10 bilhões. Inicialmente, a Âmbar indicou uma resolução em 15 anos, ancorada nos custos que serão bancados pelo consumidor. Os técnicos da Aneel, porém, opinaram por um equacionamento da dívida até o fim de 2024 ou pelo menos com prazos e valores melhor definidos, conforme era a proposta inicial da própria empresa.
Nesta sexta-feira, 27, a companhia apresentou nova proposta, de pagar R$ 6,5 bilhões por meio de um aporte de capital na distribuidora, sendo R$ 2 bilhões até o fim de 2024 e R$ 4,5 bilhões até o fim de 2025 – o restante seria bancado ao final dos 15 anos.
Há ainda o índice de furto de energia no Amazonas (o chamado “gato”). O nível de perdas em função dos furtos é calculado atualmente em 119,8%, ou seja, supera o faturamento da companhia no mercado de baixa tensão (aquele que reúne residências e pequenas indústrias). O nível considerado adequado pela Aneel é de 68%. Tanto pelo plano inicial quanto pela nova proposta da Âmbar, o índice aceitável só seria alcançado em 2038. A área técnica defende uma antecipação para 2033.
Outro ponto está no chamado custo operacional, que é o dinheiro necessário para manter a empresa em pé pagando as contas do dia a dia. No plano inicial, não haveria redução ao longo dos 15 anos. Agora, o grupo J&F propôs reduzir esses encargos a partir de 2027.
A área técnica da Aneel recomendou a rejeição do plano inicial por não atender aos requisitos da medida provisória, que são resolver o problema da Amazonas Energia com o menor impacto para o consumidor. A consultoria jurídica da agência, nomeada pela Advocacia-Geral da União, também concluiu que o plano dos irmãos Batista não atende às exigências legais. “Não é juridicamente possível acatar um plano de transferência do controle societário que deixa de demonstrar, de forma objetiva, que houve readequação do nível de endividamento da concessionária”, diz o documento.
Diretores que votaram a favor de proposta se reuniram com ministro e empresa
O ministro de Minas Energia, Alexandre Silveira, pressionou a Aneel para aprovar a transferência de controle, como mostrou o Estadão. Os dois diretores da agência que votaram a favor da transferência da Amazonas Energia para os irmãos Batista, Sandoval Feitosa e Agnes da Costa, se reuniram com Silveira no último dia 18, quando o chefe da pasta cobrou a agência por uma solução.
Os mesmos diretores receberam executivos da Âmbar na quinta-feira, 26, na véspera da reunião, quando a empresa apresentou a nova proposta. A conversa foi solicitada pela empresa para apresentar a nova proposta. Em seu voto, Agnes defendeu a nova proposta do grupo J&F como “a menos danosa” após a decisão da Justiça, mas disse que estava fazendo uma análise com “sabor amargo” e “completamente insatisfeita com o desfecho”. Todos criticaram a determinação judicial, a qual classificaram como “interferência”.
Conforme o Estadão revelou, executivos da Âmbar foram recebidos 17 vezes no Ministério de Minas e Energia fora da agenda oficial antes da edição da medida provisória que beneficiou o negócio da companhia, incluindo encontros com Silveira. O ministro negou ter discutido a medida com a empresa e classificou o fato de a decisão do governo Lula ter beneficiado os irmãos Batista como uma “mera coincidência”. O chefe da pasta, no entanto, defendeu publicamente a transferência do controle da distribuidora.
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