BRASÍLIA - Na esteira do debate sobre o fortalecimento do sistema elétrico diante de eventos climáticos extremos, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) prepara um conjunto de mudanças regulatórias que visam mitigar ou mesmo prevenir o impacto na rede elétrica. Interlocutores do setor privado ouvidos pelo Estadão/Broadcast apontam, contudo, que a discussão ainda está voltada majoritariamente para ações no pós-crise, ofuscando medidas de caráter preventivo.
Uma nota técnica do órgão regulador estabelece diferentes pontos prioritários. O tema da arborização é apontado como o único focado diretamente na prevenção. Nas áreas urbanas, as árvores podem crescer ao lado ou sob as linhas de distribuição de energia, causando riscos de acidentes.
A responsabilidade pela poda de árvores nas cidades envolve as prefeituras e as distribuidoras. Agentes do setor criticam, contudo, a falta de clareza sobre o papel de cada um. A gestão da arborização urbana é atribuída constitucionalmente aos municípios e envolve também a legislação ambiental.
“O setor elétrico em si é permeado por diversos aspectos naturais que influenciam na matriz energética como um todo. Podemos citar as secas, que podem justificar uma redução na geração por hidrelétricas, até eventos como ventos e chuvas, que podem trazer impactos na distribuição e transmissão”, declara Conrado Gama Monteiro, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Regulatório (IBDRE).
A nota técnica da Aneel traz o entendimento, em paralelo, de que as distribuidoras de energia desempenham um “papel crucial” na mitigação dos riscos que a vegetação representa “para a continuidade do fornecimento de energia elétrica”.
“As distribuidoras de energia devem cuidar da prestação do serviço adequado e da integridade de suas instalações, realizando ações preventivas e corretivas, como a poda e a remoção de árvores”, cita o texto técnico do regulador.
Além de buscar explicitar a responsabilidade na gestão do tema das árvores, outros pontos em debate técnico na Aneel tratam do “pós-evento”. Uma das propostas é a chamada “transparência ativa”. Em casos de interrupção no fornecimento, as distribuidoras poderão ser obrigadas a comunicar ao consumidor em até 15 minutos após o reconhecimento da ocorrência.
Em outra proposta, as distribuidoras de energia deverão necessariamente disponibilizar no site, em tempo real e com atualização a cada 5 minutos, o número total de consumidores afetados por interrupções, discriminado em mapa por bairro, no mínimo.
“Há um conjunto de informações que hoje não é obrigatório, mas passaria a ser, inclusive o motivo da interrupção, a área afetada, o número de consumidores impactados e outras informações”, declara André Edelstein, sócio do escritório Edelstein Advogados e especialista em direito da energia.
Comunicação e planos de contingência
Há relatos de eventos recentes em que as distribuidoras envolvidas não tinham canal de comunicação específico para atendimento ao poder público. A expectativa é que sejam padronizados os canais de comunicação que serão utilizados em momentos de crise (como aplicativos de mensagens), visando a acessibilidade em situações de emergência.
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Essa definição é relevante para garantir a coordenação no enfrentamento da crise. A distribuidora pode depender da atuação imediata do poder público para agir, ou o contrário. Logo, a comunicação instantânea seria essencial para isso.
“As medidas de implementação e desenvolvimento do setor, para que se mostrem em conformidade com a regulamentação, exigem investimentos. Mas o maior problema é a falta de adequação do que é estabelecido no contrato administrativo e o que é efetivamente entregue”, menciona Rubens Ferreira Junior, doutor em direito e professor de direito administrativo e tributário pela Universidade São Judas.
O compartilhamento de recursos humanos, materiais e equipamentos entre distribuidoras é outro tema. A regulação de hoje da Aneel não contempla diretamente essa previsão para eventos severos, algo que foi colocado em prática com o apagão de São Paulo após o temporal de 11 de outubro. A nota técnica traz algumas premissas de possíveis mudanças.
O modelo regulatório em análise vai passar pelas situações nas quais seria permitida a aplicação do compartilhamento de recursos. A área técnica do regulador reconhece, contudo, que há preocupação se esse mecanismo se tornar um modelo de negócio para as empresas que estarão cedendo às equipes e equipamentos.
Também olhando para ações “pós-evento”, o órgão regulador trabalha na regulamentação de diretrizes para as distribuidoras adotarem na elaboração de planos de contingência. A meta central é restaurar o fornecimento de energia no menor prazo possível, após ocorrência que afete as redes. Para isso, a ideia é regulamentar a existência de planos detalhados para diferentes situações, com estratégias específicas para cenários críticos.
“A resiliência das infraestruturas elétricas é urgente. É necessário assegurar que as linhas de transmissão e subestações sejam construídas de forma mais resistente a ventos fortes, inundações e outros fenômenos”, avalia Luciana Rodrigues, consultora de Energia da BMJ Consultores Associados. “A realização de um mapeamento prévio das áreas é fundamental para que o desenvolvimento da infraestrutura elétrica considere os riscos climáticos, evitando a construção em zonas de risco”, defende ela.
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