O Brasil é um país fascinante, onde prevalece a vontade dos pequenos ditadores, donos de cargos públicos com poder de mudar a regra do jogo, que pouco se lixam para os interesses nacionais e fazem e desfazem de acordo com seus interesses e vaidades. Uma das melhores provas disso foi o que o governo, impulsionado por uma desastrada superintendente da Superintendência de Seguros Privados (Susep), fez com o DPVAT, o seguro obrigatório de veículos.
Ainda não estão claros os motivos que a levaram a acabar com o seguro, mas ela não só fez isso como ainda por cima confiscou mais de R$ 4 bilhões das reservas da Seguradora Líder, uma companhia privada responsável pelo funcionamento do seguro obrigatório.
Os R$ 4 bilhões confiscados foram ganhos de acordo com regras baixadas pela própria Susep e não tinham um único centavo de dinheiro público, mas isso não foi suficiente para conter os ímpetos revolucionários dessa senhora, que não considerou sequer que o Sistema Único de Saúde (SUS) recebia 50% do faturamento do DPVAT, valor que já foi de mais de R$ 3 bilhões por ano.
Três bilhões de reais por ano seriam suficientes para manter três Santas Casas de São Paulo, mas isso não teve peso na decisão, já que, como me disse um funcionário graduado do Ministério da Economia, “a saúde tem orçamento próprio e não precisa desse dinheiro”, mostrando absoluto desconhecimento da realidade nacional ou descaso com a saúde pública.
O fato é que acabaram com o DPVAT. Estão usando os R$ 4 bilhões confiscados, hipoteticamente, para pagar sinistros, e a gestão do seguro foi transferida sem licitação para a Caixa Econômica Federal, que não está aparelhada para fazer o seguro funcionar bem, deixando dezenas de milhares de famílias sem receber as indenizações a que têm direito.
Agora o governo acaba de criar uma comissão para estudar alternativas para um novo seguro obrigatório de veículos, um novo DPVAT ou outro seguro que se adeque à necessidade de oferecer à população uma proteção contra os estragos causados pelos acidentes de trânsito, entre eles dezenas de milhares de mortos e centenas de milhares de inválidos todos os anos.
Pois, pasme, a comissão é composta exclusivamente por funcionários do governo, representando diferentes órgãos da administração pública, inclusive a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que não tem qualquer proximidade com a operação de seguros, mas sem a participação das seguradoras ou dos corretores de seguros que lidam diariamente com o tema.
Gostaria de saber o que levou o governo a agir assim. O que o País precisa é de um seguro que funcione e atenda às necessidades de amparo das famílias atingidas pelos acidentes de trânsito.
Quem sabe como fazer isso são as seguradoras e os corretores de seguros. Deixá-los fora da formulação do novo seguro obrigatório e discutir o produto apenas entre funcionários do governo é como escalar a seleção de futebol com jogadores de hockey no gelo. Não vai dar certo.
SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO-GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS
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