Foi costurando bonecas de pano que, depois de uma vida inteira dedicada ao magistério, a professora aposentada Adirce Bellinassi, 77 anos, deixou para trás um histórico de anos de depressão. Junto do marido, Wilson Bellinassi, 81 anos, o casal se dedica à produção artesanal de brinquedos que são doados para crianças carentes em diversas entidades.
Desde que começou a pequena “fábrica de sonhos”, na sala de costura no fundo do quintal, o casal já produziu quase mil bonecas. Entre as crianças presenteadas, estão os pacientes do Grupo de Pesquisa e Assistência ao Câncer Infantil (Gpaci), em Sorocaba, alunos de ONGs que ajudam pessoas em situação de vulnerabilidade e entidades religiosas de educação infantil. “Na minha infância eu nunca tive uma boneca, então, queria que todas as crianças tivessem uma para poder brincar”, afirma.
Enquanto eu for viva, vou continuar costurando bonecas
Adirce Bellinassi
Em 1999, Adirce encerrou sua carreira de mais de 30 anos como professora no ensino fundamental. Com a aposentadoria, ela acabou ficando com o vazio e a saudade dos tempos de sala de aula. Sem a rotina com as crianças, com filhos e netos já criados, ela entrou em depressão, que, por anos, foi tratada sem muito resultado.
Mas, em 2015, a aposentada decidiu começar um novo passatempo/hobby: costurar bonecas de pano. Foi assim que a produção artesanal se transformou em um remédio para depressão de Adirce, que encontrou mais uma forma de se conectar com as crianças e, com isso, conquistou um novo sentido para a vida. “Foram anos indo em vários psiquiatras, mas sem resolver o problema. Essas bonecas curaram a minha mãe da depressão”, relembra a filha do casal, Renata Passos.
Linha de produção
Adirce conta que cada unidade leva em torno de dois dias para ser finalizada com o trabalho em dupla com o marido. O custo de produção total das peças sai em média R$ 150, para comprar os tecidos, enchimento, roupas, e os detalhes como bordados, cabelos, olhos, cílios e até os sapatinhos de crochê, que são inspirados no modelo da marca All Stars de cano alto. Todo o valor é custeado pelo casal de aposentados.
Mesmo tendo visto o preço para produzir os brinquedos aumentar nos últimos anos, a dupla prefere manter a tradição de não comercializar as bonecas de pano, sempre presenteando, ou doando as peças para quem mais precisa.
Hoje em dia, como em uma linha de produção fabril, Adirce e Wilson se dividem para dar conta de todo o processo. Ela fica responsável por imaginar o modelo, escolher os tecidos, pensar nos enfeites de cabelo e roupas das bonecas, enquanto ele “overloca” (referência à máquina que costura) e dá acabamento nos brinquedos, além de também colocar o enchimento de estofado nas peças e costurar, à mão, os detalhes do formato dos dedos de cada boneca. “Ela costura a roupa, eu costuro o corpo, depois nós vamos enchendo o corpinho das bonecas. Eu prego os olhos e ela cola os cílios, e assim vai”, explica o aposentado.
Cada detalhe importa
Apesar de seguirem um molde, cada boneca acaba ganhando um toque especial. Por lá, a depender do público, o modelo dos brinquedos pode acabar mudando um pouco para se parecer mais com as crianças que serão presenteadas. Um exemplo disso são as doações para o hospital do câncer infantil, em Sorocaba, em que o casal de aposentados corre com a produção de bonecas “carequinhas”.
Assim, as crianças se sentem mais representadas pelos brinquedos durante o período de tratamento da doença, diz Adirce. Além dos modelos carequinhas, o casal também produz bonecas brancas, pretas, de cabelo liso, encaracolado, para meninas e para meninos. “Nós vamos mudando conforme as crianças pedem”, destaca a aposentada.
Para o Natal deste ano, a produção já tem destino certo. O casal está produzindo os presentes de 10 crianças, que são atendidas por uma entidade em Salto de Pirapora, interior de São Paulo. Com as bonecas, segue um cartão da dupla escrito “Dá Vovó Adirce e do Vovô Wilson, com muito carinho”. “Enquanto eu for viva, vou continuar costurando bonecas”, enfatiza a aposentada.
Uma Boa História...
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.