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A lei de levar vantagem em tudo não pode ser a base para a reforma tributária, diz Appy

Secretário do Ministério da Fazenda afirma que hoje maior ruído nas discussões vem dos serviços prestados a empresas, que vão ser beneficiados pela transferência de crédito

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Atualização:
Foto: Wilton Júnior/Estadão
Entrevista comBernard AppySecretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda

BRASÍLIA - O secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, avalia que a disputa setorial ficou mais barulhenta após a aprovação na Câmara da proposta de emenda à Constituição (PEC) que visa alterar a tributação sobre consumo no País.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, ele pondera que o setor de serviços é mais beneficiado pelas alterações, mas desconsidera fatores como recuperação de crédito na hora de estimar impactos.

“Quem está fazendo muito barulho agora são os serviços prestados no meio de cadeia que serão beneficiados pela reforma tributária. E a parcela de serviços que serão prestados ao consumidor final que não está com alíquota reduzida ou regime específico é minúscula”, avalia Appy.

Supondo uma alíquota geral de 25% para o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), o secretário calcula uma redução de 7,65% do custo líquido para os contratantes de serviços de um prestador cujos insumos correspondam a 20% do seu respectivo faturamento mensal.

“É o mínimo. Na verdade, é daí pra mais. Se isso vai virar aumento da rentabilidade do prestador ou redução de custos para o tomador, o mercado é que vai decidir. É mais provável uma composição dos dois”, completa o secretário.

Veja os principais trechos da entrevista:

O texto aprovado na Câmara dos Deputados já traz bastantes exceções para serviços e ainda assim o setor não está satisfeito. Como o senhor enxerga esse movimento?

É comum o pessoal usar o dado das Contas Nacionais que serviços seriam 73% do Produto Interno Bruto (PIB). Desse total, você tem serviços que simplesmente não estão sujeitos à incidência dos novos tributos, que somam 26% do PIB. Aí temos os serviços que estão preservados dentro da reforma tributária e os regimes específicos, que correspondem a 33,5% do PIB. O que sobra são 13,7%. Desses, 12,4% são serviços prestados principalmente para empresas, como atividade-meio. No fundo, sobrou 1,3% do PIB que efetivamente não está sendo contemplado em nenhuma hipótese. Desse 1,3%, a gente estima que 0,3% seja de empresas que estão no Simples, que está contemplado, 0,4% é empresas informais, e 0,6%, outras empresas. No fundo, é absolutamente residual o que não foi contemplado na reforma tributária.

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Bernard Appy, secretário da Reforma Tributária Foto: Wilton Junior/Estadão

Por que esse residual tem tanta voz?

Quem tem voz não é o residual. Quem está fazendo bastante barulho, inclusive confundindo, são os serviços prestados principalmente a empresas. A gente pega vários advogados agora falando que terão aumento de tributação. Os grandes escritórios de advocacia, que de fato estarão sujeitos ao novo regime, prestam serviços dominantemente a empresas. Neste caso, eles estarão sendo beneficiados pela reforma tributária porque eles vão transferir integralmente o crédito. Mesmo que sejam pouco tributados hoje, eles não transferem créditos e vão passar a transferir crédito.

Quem contrata vai conseguir recuperar o crédito?

Sim. Para essas empresas, uma parcela pequena do serviço é prestado para pessoa física, e aí teria um aumento de custo. A questão é a seguinte: você tem 80% dos seus serviços prestados a empresas e terá uma redução de custos. Você tem 20% (de serviço) prestado para pessoa física e terá aumento de custo. Não faz sentido eu falar que você tem de se beneficiar em tudo. A “Lei de Gérson” não pode ser a base para discussão da reforma tributária. Não dá para levar vantagem em tudo. Eles já estão sendo beneficiados porque prestam serviço dominantemente para empresas. Aí dizem: “E o pequeno advogado que presta serviço para a pessoa física?” Esse cara está no Simples e vai poder continuar a estar no Simples. No fundo, é muita chiadeira por pouca base.

Em outros países que usam o IVA, há tratamento diferenciado para esses profissionais que prestam serviços jurídicos?

Não tem. Outros países com IVA não têm tratamento favorecido para esse tipo de profissional. É a alíquota normal. Quando tem alíquota diferenciada, são coisas de interesse público, como saúde e educação.

Quando o setor alega o aumento de alíquota não fala sobre a compensação de crédito…

Exatamente. Nenhum desses prestadores de serviço considera que o tomador de serviço vai recuperar o crédito, que eles próprios vão recuperar o crédito de insumos. Mesmo que seja pouco, 20% do faturamento já tem um peso de tributos que eles não recuperam. E o tomador de serviço, sobretudo, vai recuperar 100% do crédito. A grande questão é que a resistência está vindo dos serviços de meio de cadeia.

Por que o senhor avalia que a resistência vem desse meio de cadeia? Não entenderam ainda a proposta ou têm outro interesse? Por exemplo, a redução de litígio e contencioso.

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Isso faz parte da melhoria do ambiente de negócios do País. Não vai acontecer do dia pra noite. Ainda tem muito tempo para que o processo de simplificação acabe. Ainda tem todo o contencioso dos tributos atuais que ainda vai permanecer por muito tempo. E não dá para tentar justificar você não melhorar porque alguém se beneficia da ineficiência do sistema tributário atual. Nem acho que seja isso. Tem muito a ideia de não considerar que vai poder tomar crédito e de querer vantagem em tudo. Eu quero ganhar quando eu presto para a empresa, porque eu vou dar crédito, e quero ganhar quando eu presto serviço para a pessoa física também. Aí é difícil fechar a conta.

O senhor acha que o aumento de exceções no texto da Câmara deu força para esse movimento?

Tentar (exceção) sempre faz parte do jogo democrático. Não devemos proibir ninguém de pedir tratamento favorecido. Tem de ter um debate racional sobre se o setor está sendo prejudicado ou não, e a tendência é o setor vir com metade da conta.

Não há o risco de se passar uma emenda para atender uma parcela tão pequena do setor com um impacto muito maior na alíquota geral?

A decisão política tem de considerar primeiro se o setor de fato está sendo prejudicado pela reforma. E, em segundo lugar, qual é o efeito para os demais setores da economia de você dar um tratamento diferenciado para um setor. Se eu quiser reduzir a alíquota quando o serviço é prestado para o consumidor final, isso significa que os demais setores terão uma alíquota mais alta para compensar essa perda de arrecadação. O importante é que o Congresso tome uma decisão informada. E a decisão informada tem de considerar se o setor é prejudicado ou beneficiado pela reforma, e que qualquer benefício para um determinado setor vai ter custo para os demais setores da economia.

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O senhor acha que debater sem colocar os valores das alíquotas atrapalha o entendimento mais claro da reforma?

Eu acho que nessa hora a gente vai ter de colocar os valores (das alíquotas) na mesa para discussão com o Congresso. Faz parte do debate.

Esse é hoje o maior ruído para começar a negociar com o Senado?

Vamos ter de ouvir o Senado. Nessas semanas após a aprovação pela Câmara, é o que tem feito mais ruído. Mas acho que as questões federativas também serão um ponto importante de atenção pelo Senado, até por ser a casa da federação. Mas o que afeta mais a alíquota geral é a definição sobre os setores favorecidos.

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