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Arcabouço fiscal: qual é a avaliação dos especialistas sobre as mudanças feitas pelo relator

Relatório apresentado pelo deputado Cláudio Cajado reduziu o número de exceções à regra proposta pelo governo de 13 para 5; votação deve ser na próxima semana

Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Foto do author Luciana Dyniewicz
Atualização:

O deputado Cláudio Cajado (PP-BA) apresentou nesta terça-feira, 16, o relatório do arcabouço fiscal. Algumas mudanças foram feitas no texto em relação à regra proposta pelo governo. A votação na Câmara dos Deputados deve ocorrer na próxima semana.

O relatório reduziu o número de exceções à regra proposta pelo governo de 13 para 5. E preservou o aumento real (acima da inflação) do salário mínimo mesmo se o governo descumprir a meta fiscal (saldo entre as receitas e as despesas, sem contar os juros da dívida).

Veja abaixo a avaliação de quatro economistas sobre o relatório.

Manoel Pires

Coordenador do Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV

Arcabouço fiscal mais duro, diz Manoel Pires  Foto: Dida Sampaio/Estadão

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As principais alterações do relator deixam o arcabouço fiscal mais duro, mantendo sua essência. Uma boa prática de regras fiscais é ter a menor quantidade possível de exclusões para garantir uma maior supervisão sobre as variáveis que se deseja controlar.

As exclusões foram reduzidas voltando os seguintes itens para o limite de despesas: capitalização de estatais, piso da enfermagem, Fundeb e o Fundo Constitucional do DF, que terá sua vinculação alterada a partir de 2025. A cobertura da nova regra será maior do que a do teto de gastos.

O governo manteve a flexibilidade desejada para evitar a criminalização, caso descumpra as metas. Mas ganhou instrumentos adicionais, com a volta dos gatilhos de contenção nas despesas de pessoal e vedação para incentivos tributários. O salário mínimo e outras despesas sociais ficam preservadas. Se desejar evitar os gatilhos, o governo poderá apresentar medidas alternativas. Essa alteração dá proporcionalidade e flexibilidade ao ajuste fiscal.

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O contingenciamento continua obrigatório, mas limitado para evitar o shut down da máquina pública. Se, por um lado, o contingenciamento dificulta o planejamento governamental, por outro, é um aperfeiçoamento em relação ao mecanismo atual. O avanço do novo arcabouço fiscal ajudará em um momento em que a macroeconomia, no curto prazo, se mostra mais favorável para o País, com menor inflação e mais crescimento. Todos são fatores que abrem espaço para redução da taxa de juros.

Tiago Sbardelotto

Economista da XP

Mudanças trazidas pelo arcabouço ampliaram despesas no curto prazo, afirma Sbardelotto Foto: Divulgação/Acervo pessoal

Algumas mudanças trazidas pelo arcabouço ampliaram despesas no curto prazo. É o caso estabelecimento a priori do crescimento real da despesa em 2,5% em 2024 (acima das nossas estimativas de 1,6%) e a mudança na forma de cálculo da inflação que ajusta o limite, que passa a ser pelo acumulado em 12 meses até junho do ano corrente, mas permite que diferenças positivas entre o realizado no final do ano e junho sejam utilizadas para aumentar gastos no ano seguinte. Isso deve ajudar a ampliar o limite de despesas em mais de R$ 40 bilhões no próximo ano, já que a inflação de junho deve ser menor que a de dezembro (3,9% ante 6,2%).

Por outro lado, algumas inovações são positivas, ainda que tenham efetividade limitada. É o caso da inclusão de algumas despesas dentro do teto, como o piso de enfermagem, a capitalização de empresas estatais e o FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal), que passam a ser limitadas como as demais, e da redução do percentual de crescimento do limite de despesas em caso de descumprimento da meta fiscal, cujo impacto máximo pode chegar a pouco mais de R$ 13 bilhões.

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Outras mudanças reforçam a regra, mas dependem das escolhas dos gestores. O substitutivo institui gatilhos de ajuste automático se houver o descumprimento das metas ou se a despesa obrigatória atingir 95% da despesa total, mas permite certa discricionariedade ao gestor, que pode acioná-las em partes apenas, desde que indique que as demais medidas serão suficientes para o ajuste, e do contingenciamento, que volta a ser obrigatório, mas cujo percentual deve ser definido na LDO e está limitado a 25% das despesas discricionárias.

Em resumo, nossa avaliação é que houve alguns avanços na regra fiscal, mas que ainda não são suficientes para garantir a estabilização da dívida pública.

Silvio Campos Neto

Economista e Sócio da Tendências Consultoria

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Arcabouço ameniza preocupação com descontrole da dívida, mas não traz o rigor necessário que o momento impõe Foto: Nilton Fukuda/AE

O substitutivo do projeto que trata do novo arcabouço fiscal traz ajustes relevantes em relação à proposta inicial encaminhada pelo governo, ainda que sem alterar a essência das análises realizadas ao longo das últimas semanas. Nesse sentido, apesar do predomínio de alterações positivas no texto, o substantivo não é capaz de reduzir o ceticismo com o alcance das metas previstas de resultado primário nos próximos anos, desfecho que permanece altamente dependente da obtenção de ganhos expressivos de receitas.

Adicionalmente, não muda a avaliação de que a relação dívida/PIB seguirá trajetória de alta nos próximos anos, com perspectiva de estabilização por volta de 2030.

Dentre as alterações positivas, destacam-se: 1) a inclusão do piso da enfermagem, Fundeb e capitalização de estatais nos limites de crescimento de despesas, sendo que na versão do governo estes lançamentos estavam fora do limite; 2) a retomada da obrigatoriedade do contingenciamento de despesas discricionárias, mediante o acompanhamento fiscal bimestral; 3) a inclusão de gatilhos adicionais para caso de descumprimento das metas, com vedações para determinados aumentos de despesas. Uma das vedações impede reajustes reais de despesas obrigatórias, mas esta não incidirá sobre o salário mínimo, que seguirá a fórmula que considera inflação mais crescimento do PIB.

Ainda em relação aos gatilhos, o próprio texto abre margem para o governo não colocá-los em prática, ao permitir que o presidente da República proponha a suspensão das vedações ao Congresso desde que aponte medidas corretivas.

Por outro lado, também houve mudanças que tornam a proposta original mais frouxa, especialmente do ponto de vista das despesas. Para o aumento real dos gastos em 2024, foi definido o teto do intervalo permitido na Lei Complementar, de 2,5%. Cabe destacar que tal expansão ocorre sobre a base bastante inflada de gastos em 2023, proporcionada pela aprovação da PEC da transição.

Além disso, foi permitido que a diferença entre a inflação acumulada em 12 meses até junho deste ano (que irá determinar a correção nominal das despesas em 2024) e a inflação efetiva de 2023 seja incorporada na base de cálculo para a despesa em 2025. Pelas nossas estimativas, tal diferença alcançará 1,7 p.p., abrindo margem adicional para gastos. Em relação ao contingenciamento, apesar da boa notícia com a volta da obrigatoriedade, os pisos previstos para investimentos e demais discricionárias tornará tal tarefa mais difícil.

Em suma, apesar de aprimoramentos, a avaliação inicial do novo arcabouço fiscal não foi alterada. A proposta atende ao objetivo de reduzir os temores de descontrole de despesas e da dívida nos próximos anos. No entanto, não traz o rigor necessário que o momento impõe e que permita a melhora de resultados sem uma grande dependência de fortes ganhos de receitas, algo imprevisível, de modo que o cenário mais provável segue de resultados primários fracos e aumento do endividamento.

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Se as regras permitem um alívio ao governo na gestão dos gastos ao longo do mandato, impondo um esforço reduzido, empurram para o futuro uma inevitável correção na estrutura de despesas obrigatórias do País.

Bráulio Borges

Economista sênior da LCA Consultores e pesquisador associado do FGV IBRE

Parte das mudanças vai na direção de um maior rigor fiscal, mas outras representam, na prática, um relaxamento, diz Borges Foto: Werther Santana/Estadão

O relator da proposta do novo arcabouço fiscal, Cláudio Cajado, revelou o texto com as mudanças propostas no PLP 93/2023 enviado pelo Executivo em abril. O substitutivo elaborado pelo relator introduziu uma série de mudanças no texto original, algumas delas apontando na direção de um maior rigor fiscal, ao passo que outras representam, na prática, um relaxamento (que irá criar maior dificuldades para o cumprimento das metas de resultado primário estabelecidas).

Dentre as medidas que podem ser contempladas no primeiro grupo (maior rigor fiscal), destaque para a introdução de um conjunto de novos gatilhos em caso de descumprimento das metas de resultado primário, assim como algumas sanções adicionais (para além da sanção reputacional que constava da proposta original). Ainda que o acionamento desses gatilhos não necessariamente assegure, isoladamente, uma recondução plena dos resultados primários efetivos em direção às metas estabelecidas, eles atuam de forma adequada, restringindo a possibilidade de aumentos de boa parte dos gastos obrigatórios nessas situações.

Também é importante mencionar a manutenção dos contingenciamentos mandatórios em bases bimestrais, assim como o fato de que os limites de despesas ano a ano passam a ser calculados a partir do limite do ano anterior (e não a partir da despesa efetiva).

No que toca às medidas que criaram maior flexibilidade, o grande destaque foi a determinação de que o gasto real em 2024 irá subir 2,5%, no teto do intervalo definido pela regra fiscal (entre 0,6% e 2,5%), valor bem acima daquele estimado por mim (+0,9%) caso fosse aplicada a mesma regra que irá valer para as despesas em 2025-27.

Na prática, isso demandará pouco mais de R$ 30 bilhões a mais de receitas em 2024 para a consecução da meta central de resultado primário em relação ao cenário traçado a partir da proposta original enviada pelo Executivo (a qual já exigia cerca de R$ 150 bilhões de aumento da arrecadação líquida federal para cumprir as metas de 2023 a 2026). Essa maior dificuldade gerada por essa mudança poderá reforçar a visão de que a verdadeira meta de resultado primário perseguida pelo governo federal é o piso do intervalo anunciado e não o centro. E o piso do intervalo em 2026 é de um superávit de 0,75% do PIB, aquém da faixa de +1,0% a +1,5% do PIB de primário necessário para estabilizar a razão entre a dívida pública e o PIB.

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Embora venhamos observando, nas últimas semanas, uma descompressão importante das taxas de juros longas cobradas nos títulos públicos brasileiros e na taxa de câmbio nominal – indício de que os participantes do mercado financeiro parecem estar melhorando sua avaliação sobre as perspectivas para a economia brasileira -, o fato é que o ceticismo quanto à entrega das metas de resultado primário pelo governo atual segue bastante elevado, com as expectativas de consenso do Focus/BCB apontando déficits primários até 2026 (contrastando com a sinalização de metas de déficit zerado em 2024 e superávits crescentes de 2025 em diante).

Boa parte dos analistas deverá manter essa postura de “ver para crer”, seja porque o atual substitutivo torna o cumprimento das metas centrais ainda mais desafiador, seja porque há elevada incerteza/discordância sobre o montante de receitas que as medidas já anunciadas pelo governo irão levantar.

Nesse contexto, sem contar com o chamado “benefício da dúvida” (melhoria imediata dos indicadores financeiros e da confiança dos agentes econômicos, antecipando um quadro fiscal melhor nos próximos anos), a estratégia de consolidação fiscal proposta pelo governo atual poderá ter um custo econômico maior, em termos de impacto sobre o PIB, com reflexos sobre a dinâmica da relação entre a dívida pública e o PIB.

É verdade que alguns cuidados foram tomados, observando a literatura mais atualizada sobre os determinantes do grau de sucesso das consolidações fiscais (medido pelos resultados efetivos da evolução da dívida/PIB): i) o investimento público está sendo preservado; e ii) as medidas pelo lado da receita envolvem principalmente a busca por novas bases de incidência e/ou a ampliação de bases já existentes (ao invés de aumento das alíquotas).

Não obstante, seria desejável um ajuste fiscal algo mais intenso e rápido (o atual centro das metas deveria se tornar o piso) e com uma composição menos desequilibrada entre aumentos receitas e contenção de despesas (o ajuste atual é quase todo amparado no aumento de receitas, com a regra de despesas, dada a parametrização sugerida, servindo apenas para criar uma maior previsibilidade para os gastos do governo federal).

Um programa mais agressivo de avaliação periódica de gastos (spending reviews) poderia não somente melhorar a qualidade do gasto público brasileiro (algo que poderia até mesmo aumentar o grau de conformidade tributária), como também gerar alguma economia fiscal, reforçando a consolidação fiscal.

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