BRASÍLIA – O duelo é de titãs. Após 15 dias do anúncio do desenho do novo arcabouço fiscal e à espera dos detalhes do texto final do projeto – que será encaminhado na segunda-feira, 17, ao Congresso –, economistas e especialistas em contas públicas estão divididos sobre a qualidade da nova regra de controle das contas públicas. Indiferente à divisão, o mercado reagiu positivamente.
No grupo dos que receberam bem a proposta estão o Fundo Monetário Nacional (FMI); o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto; o banqueiro Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do conselho de administração do Bradesco; o ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Felipe Salto; e o coordenador do Observatório Fiscal da FGV, Manoel Pires; entre outros.
Na mesma linha do presidente do BC, que avaliou o arcabouço como superpositivo, Nigel Chalk, diretor-adjunto do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, elogiou o projeto: “Estamos bem impressionados com o ajuste fiscal proposto para o médio prazo, no sentido de aumentar o resultado primário. Isso permitirá um bom equilíbrio”. Trabuco disse que as regras oferecem um avanço ao País ao combinarem criatividade, flexibilidade e simplicidade. “É robusta”, atestou o banqueiro.
Estamos bem impressionados com o ajuste fiscal proposto para o médio prazo. Isso permitirá um bom equilíbrio
Nigel Chalk, diretor-adjunto do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI
No grupo dos economistas com as críticas mais ácidas estão Affonso Celso Pastore (ex-presidente do BC), Carlos Kawall (ex-secretário do Tesouro, hoje na Oriz Partners), Marcos Lisboa (ex-secretário de Política Econômica e sócio da Gibraltar Consultoria), Marcos Mendes (pesquisador associado do Insper), Elena Landau (coordenadora do programa econômico da então presidenciável Simone Tebet) e Rogério Werneck (professor da PUC).
Lisboa e Mendes fizeram simulações e escreveram um artigo em conjunto, logo após o anúncio do arcabouço, no qual apontam que a proposta apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está baseada em parâmetros inconsistentes. Eles sugerem que o uso da inflação para elevar o PIB e aumentar a receita do governo “talvez seja a variável” oculta para completar o ajuste proposto pela equipe econômica.
“A receita vai ter que estar lá em 2026, em valores de hoje, uns R$ 380 bilhões acima do que é atualmente. São 2,7 pontos porcentuais a mais em termos de PIB”, afirmou Mendes ao Estadão na sexta-feira. Ele contou que segue fazendo mais simulações com sua equipe e aguarda a divulgação do texto.
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Segundo Mendes, esse é um ajuste muito mais forte do que foi feito entre 1997 e 2002. O economista do Insper lembra que, naquele período, a carga tributária era muito mais baixa e, portanto, havia mais espaço para aumentar imposto.
Pastore avaliou que a equação do novo arcabouço fiscal só fecha com “aumento brutal de carga tributária”. “Nós vamos ter de aumentar a carga tributária e a pergunta que fica para, talvez, o ministro responder é quem ele vai escolher para subir a carga”, criticou o ex-presidente do BC.
Werneck também foi duro: “A verdade é que não há como enxergar na proposta de arcabouço fiscal algo que, mesmo remotamente, possa ser associado à ideia de ajuste fiscal”, escreveu o economista da PUC.
Essa equação (do novo arcabouço fiscal) só fecha com aumento brutal de carga tributária
Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central
Kawall questionou, em artigo publicado no Estadão/Broadcast, se a regra fiscal de Haddad merecia ser chamada desse nome. “Se a regra por si só não garante a sustentabilidade da dívida pública, a qual virá com a elevação das receitas, via redução de jabutis tributários ou qualquer outra medida de aumento de arrecadação, qual é então o papel disciplinador da regra?”
Tem também o grupo dos cautelosos, que aguardam a linha fina dos detalhes do texto. Entre eles, o experiente José Roberto Mendonça de Barros, que foi da equipe econômica de FHC. “Finalmente, chegou a proposta de arcabouço fiscal. Antes de tudo, ela significa que o governo poderá ter um rumo que busque conciliar sustentabilidade e melhoria social. E não uma guerra de posições que apenas resulte na aceleração do processo inflacionário e em estagnação”, escreveu.
José Márcio Camargo, da Genial Investimentos e professor da PUC-Rio, avaliou que a equipe econômica saiu vitoriosa. Para ele, a proposta tem aspectos positivos e negativos. Os pontos mais positivos da proposta são a redução da incerteza quanto ao programa fiscal do governo Lula e a adoção de um arcabouço que, pelo menos em princípio, mostra preocupação com o equilíbrio fiscal.
Em artigo recente na Folha de São Paulo, com as primeiras impressões sobre a regra, o pesquisador da FGV, Samuel Pessoa, considerou que o arcabouço e a reforma de impostos indiretos produzirão espaço para que Lula chegue bem a 2026. “É uma regra correta para uma economia que tem um desequilíbrio fiscal crônico”, escreveu Pessoa sobre a regra que faz com que o crescimento da despesa seja menor do que o da receita. Mas, ele aponta alertas e dúvidas sobre a vinculação da saúde à receita, que vai consumir espaço de outras despesas.
Será difícil obter resultados primários melhores por conta do ponto de partida (de despesas) muito alto
Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper
Com larga experiência na gestão das contas públicas, a dupla de ex-secretários do Tesouro Ana Paula Vescovi (diretora do Santander) e Jeferson Bittencourt (ASA Investments) fez alertas sobre a dificuldade de cumprimento das metas fiscais e a dependência da regra ao crescimento da arrecadação, com medidas ainda não anunciadas.
“Quem já passou pelo governo e administrou Fiscos federal, estaduais ou municipais sabe que é muito difícil você, em um ciclo de desaceleração econômica, conseguir aprovar medidas, ainda que sejam para aparar arestas do sistema tributário”, disse ao Estadão/Broadcast. Já Bittencourt avaliou que vincular o crescimento das despesas do governo ao aumento das receitas dificulta o ajuste.
Cauteloso, o ex-secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, agora CEO da Bradesco Asset Management, avaliou que a proposta tem pontos positivos e outros de atenção, que podem ser melhorados. Uma das preocupações é a vinculação das receitas à despesa, que pode trazer dificuldade. “Tem coisa boa, porque melhora a previsibilidade e desacelera a trajetória (de alta) da dívida”, disse.
A proposta é robusta e foi desenhada para agregar previsibilidade, ao orientar o governo para uma boa gestão
Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do conselho do Bradesco
Salto e Manoel Pires também fizeram simulações e destacaram a importância da regra de limite de gastos para o controle da dívida pública. Outro renomado especialista em contas públicas, Fabio Giambiagi, fez contas que mostram “tudo para cima”: gasto, receita e resultado. “O arcabouço fiscal é a banda diagonal endógena de Fernando Haddad. De qualquer forma, ele merece ser apoiado, porque ele será bombardeado pelos tonton macoutes, quando perceberem o que a regra implica para 2024″, ironizou.
Piso para despesas
Giambiagi não diz, mas sua fala é uma referência indireta ao valor que a nova âncora vai permitir aumentar de gasto em 2024, no primeiro ano da sua vigência. A depender do comportamento da regra, ela pode ficar mais próxima do piso de 0,6% acima da inflação previsto no arcabouço fiscal. Um “mau começo”, na visão dos petistas – o que pode provocar uma alta rejeição entre os seus parlamentares.
O governo mudou, inclusive, o cálculo de referência da receita que servirá de base para definir o crescimento da despesa. Vai abater da receita a arrecadação com royalties, concessões e dividendos, na tentativa de um cenário mais favorável.
No partido do presidente Lula, as críticas têm aumentado. Lideranças veem a regra de Haddad como um “novo teto de gastos”.
No campo de batalha, Haddad e sua equipe saíram em defesa da regra numa mobilização junto às lideranças do Congresso, empresários, investidores internacionais e nacionais. Em meio a esse trabalho e aos problemas de comunicação com as medidas tributárias para garantir R$ 150 bilhões de receitas – e sustentar a trajetória de metas fiscais e a volta do superavit –, a equipe econômica assistiu à Bolsa brasileira ter a melhor semana do ano e o dólar fechar abaixo de R$ 5.
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