BRASÍLIA – A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) avalia que a proposta do governo Lula de estabelecer um limite para o contingenciamento (bloqueio preventivo) de despesas no Orçamento de 2024 pode configurar infração à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e à lei de crimes contra as finanças públicas.
O parecer é resposta à consulta feita pelo Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) à Corte de contas no final de janeiro. A pasta questionou formalmente se o dispositivo incluído na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, que estabelece um valor máximo de contingenciamento de R$ 25,9 bilhões em despesas, poderia ferir as regras fiscais.
O documento desconsidera a validade dessa limitação. O texto, no entanto, ainda será analisado pelo relator, o ministro Jhonatan de Jesus, e pelos demais ministros do TCU. “Caberá ao relator, ministro Jhonatan de Jesus, decidir soberanamente os próximos passos e, finda a instrução, submeter no momento que julgar oportuno sua convicção ao Plenário de ministros, que é o único que tem competência constitucional para decidir a questão”, afirmou ao Estadão o presidente do TCU, Bruno Dantas.
A avaliação da área técnica vai na contramão da interpretação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que o dispositivo incluído na LDO limita o governo a um contigenciamento menor, mesmo em caso de frustração de receitas para o cumprimento da meta.
O ministro vem sendo pressionado pela ala política do governo a alterar a meta de zerar o déficit das contas públicas em 2024, diante das preocupações do presidente Lula com os investimentos públicos, como o PAC. Em um cenário de receitas abaixo do desejável ou de despesas em alta, o governo teria de contingenciar gastos para atingir a meta.
A Consultoria de Orçamento da Câmara avalia que o governo teria de fazer um contingenciamento de R$ 41 bilhões em despesas para dar conta do resultado, uma vez que há gastos subestimadas com Previdência no Orçamento deste ano.
Ainda assim, o governo vem dando sinais de que pretende adiar essa decisão, com o argumento de que há indefinições no radar, como a entrada de receitas extras com outorgas de concessões e a resposta de arrecadação mais forte diante das medidas aprovadas no ano passado na Câmara. Dessa forma, a possibilidade de um bloqueio menor de despesas deu um fôlego extra à meta de Haddad.
Divergência
A controvérsia jurídica em torno do contingenciamento está na interpretação da lei que criou o arcabouço fiscal, nova regra para controle das contas públicas. A lei fixou um gasto mínimo obrigatório, o da expansão real (acima da inflação) da despesa em 0,6% por ano – o que imporia um teto de R$ 25,9 bilhões ao contingenciamento.
Uma outra regra do arcabouço, porém, limita o bloqueio a 25% das despesas discricionárias (não obrigatórias, como investimentos), o que resultaria num montante maior passível de bloqueio, da ordem de 56 bilhões. A LDO, por sua vez, privilegia a primeira interpretação.
Segundo o parecer da área técnica do TCU, ao qual Estadão teve acesso, o dispositivo incluído na LDO esvazia o comando do contingenciamento dado pela LRF. “(...) nos casos em que a aplicação desse dispositivo seja impeditiva para um contingenciamento em montante suficiente que garanta o alcance das metas de resultado fiscal do exercício, ocorre um esvaziamento do poder cogente do dispositivo da lei fiscal”, diz o texto.
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“Conclui-se assim que interpretação acerca do inciso II do § 18 do art. 71, da LDO 2024 que restrinja ou, no limite, elimine por completo a eficácia do disposto no art. 9º da LRF, abala a harmonia do sistema normativo que rege as finanças públicas e não é a melhor solução para o caso”, diz o documento.
O parecer foi finalizado na última sexta-feira, 15 – uma semana antes de a equipe econômica apresentar o primeiro relatório bimestral de avaliação de despesas e receitas deste ano. O documento vai indicar o tamanho do contingenciamento necessário no Orçamento de 2024 para se atingir a meta de zerar o déficit público.
O principal argumento da área técnica é o de que a LDO é uma lei inferior à LRF, uma lei complementar, e dessa forma não poderia apresentar uma contradição na gestão fiscal. A meta e a exigência de contingenciamento estão descritas na LRF.
A consulta foi feita pelo Planejamento ao TCU justamente para obter segurança jurídica no cálculo do contigenciamento necessário. Ainda que não haja a palavra final do plenário, já indica que haverá debate técnico caso a limitação pela LDO seja o caminho escolhido pela equipe econômica.
Segundo fontes a par das discussões, não está descartado que o tema acabe no Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que há questionamentos sobre a legalidade do trecho da LDO vis a vis a LRF.
Procurado, o Ministério do Planejamento afirmou que não vai comentar. A Fazenda não se manifestou.
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