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Argentina: comércio agrícola com o Brasil pode ficar ainda mais competitivo com Milei ou Massa

Países são competidores globais e disputam espaço na exportação de grãos e carnes; medidas implantadas para estímulo do agronegócio argentino podem acirrar competitividade

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Foto do author Isadora Duarte

BRASÍLIA - O agronegócio brasileiro também acompanha o pleito eleitoral na vizinha Argentina e monitora os eventuais reflexos dos projetos à mesa para o setor e para a relação bilateral entre os países. Diferentemente de outros segmentos, no agro os dois países são competidores globais e disputam espaço na exportação de grãos e de carnes.

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Ambos estão entre os cinco maiores produtores de soja, milho e carne bovina do mundo. A exceção é o trigo, do qual o Brasil depende da Argentina para abastecimento doméstico e tem no vizinho seu principal fornecedor.

“Não espero grandes mudanças na relação econômica entre os países. A relação comercial entre os agentes privados é consolidada e tende a continuar. O trigo continuará sendo importado, e o intercâmbio de máquinas e equipamentos, hoje afetado pela economia argentina, também permanecerá”, avalia o presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), o diplomata Rubens Barbosa.

Barbosa enxerga a possibilidade de maior aproximação entre os países caso o candidato governista e atual ministro da Economia, o peronista Sergio Massa, seja eleito, mas não vê retaliações comerciais em eventual vitória do libertário e opositor, Javier Milei, que lidera as pesquisas de intenção de voto.

“Se o Massa ganhar, embora esteja atrás nas pesquisas, ele é muito próximo do presidente Lula e haveria uma maior aproximação política, econômica e ideológica. Agora, embora Milei seja de direita e o governo brasileiro de esquerda, não imagino que Milei atrapalharia o comércio bilateral”, disse o ex-embaixador do Brasil em Washington, que também é presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo).

Brasil desembolsou em 2022 US$ 4,249 bilhões com a internalização de produtos agropecuários argentinos Foto: Natalia Favre/Bloomberg

“É preciso ver também se o Brasil terá condições de financiar as exportações para o comércio argentino”, ponderou.

Hoje, a importação predomina na balança comercial do agronegócio entre Brasil e Argentina. Em 2022, o Brasil desembolsou US$ 4,249 bilhões com a internalização de produtos agropecuários argentinos, enquanto a receita de exportação gerou US$ 1,864 bilhão, segundo dados do Agrostat. A importação é liderada pelo trigo — da Argentina vêm 80% do cereal utilizado pela indústria moageira —, enquanto a exportação foi impulsionada pelos produtos florestais, sobretudo papel.

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Neste sentido, as medidas implantadas para estímulo do agronegócio argentino podem acirrar a competitividade entre os produtos locais e brasileiros no mercado externo. O efeito, contudo, é limitado e pode ser observado no médio e longo prazo, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast. Esse estímulo ao setor produtivo argentino poderia vir por meio da eventual dolarização da economia e do fim das taxações sobre as exportações, as chamadas “retenciones”, ambas promessas de Milei.

Atualmente, tanto a volatilidade e a interferência cambial quanto os impostos sobre as exportações prejudicam o aumento dos embarques argentinos, observam os especialistas. Eles veem uma implantação lenta das mudanças dada a economia deteriorada do país e a elevada competitividade dos produtos do Brasil. “As retenções prejudicam muito a agricultura argentina, mas a retirada delas não traz ameaça para o Brasil”, pontuou Barbosa.

Especialistas não veem impactos de uma possível saída da Argentina do Mercosul para o agronegócio brasileiro Foto: Agustin Marcarian/Reuters

O sócio-diretor da MB Agro, José Carlos Hausknecht, avalia que, além de o fim das retenções exigir equilíbrio fiscal doméstico, o país possui baixo estoque de grãos, em virtude da quebra da última safra. “Um aumento de exportações argentinas viria somente na próxima safra, ou seja, a partir de meados de março e abril. O fim dos impostos poderia levar a uma comercialização mais rápida da safra pelos produtores e pressionar os preços na colheita, mas sem impacto imediato ao Brasil”, ponderou.

Para o pesquisador do Centro de Agronegócio Global do Insper, Leandro Gilio, a sustentada demanda mundial por soja — principal produto em que os países competem — minimizaria os eventuais reflexos dessa maior competição.

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“Se, eventualmente, a Argentina conseguir suplantar as barreiras que possui hoje e voltar a uma condição de competitividade global, com o grande potencial produtivo que possui, poderia voltar a uma concorrência mais forte, mas a questão é se conseguirá voltar a produzir alimentos a baixo custo para se tornar competidor relevante, como já foi no passado”, observou.

Apesar de os especialistas considerarem pouco provável um eventual rompimento da Argentina com a China, prometido por Milei, pois 70% das exportações argentinas vão para o país asiático, caso ela venha ocorrer poderia abrir espaço para maior fluxo comercial sino-brasileiro, de farelo de soja e carnes. A China é o segundo maior parceiro comercial da Argentina, atrás apenas do Brasil (neste caso, relação puxada pela indústria).

“Não acredito nisso porque um país em crise em última instância pensa em romper relação comercial forte. Se realmente romperem, apesar de que dependem das compras da China, abre mais mercado para o processamento brasileiro. A China é relevante comprador de farelo de soja argentino”, observou Gilio. Em contrapartida, Hausknecht considera que um possível rompimento da Argentina com a China poderia beneficiar a indústria brasileira.

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Outra polêmica promessa de Milei, e criticada pelo agronegócio local, é a saída do Mercosul. “É retórica eleitoral”, diz Barbosa. A medida não deve ir adiante, caso ele seja eleito, segundo os especialistas, mas tem maior potencial prejudicial para a Argentina que para o Brasil.

“Importamos trigo e arroz e exportamos um pouco de carne, sobre as quais não haveria isenção de tarifas. Eles perderiam saindo do Mercosul porque somos reserva de mercado para eles e poderíamos internalizar com preços mais competitivos de outros mercados”, avaliou Hausknecht. “Se a Argentina sair do Mercosul poderia até facilitar o acordo do bloco com União Europeia, porque eles atrapalham bastante as negociações”, acrescentou.

Na mesma linha, Gilio também não vê impactos de uma possível saída da Argentina do Mercosul para o agronegócio brasileiro, mas acredita que a retórica de Milei pode atrapalhar os esforços do Brasil para o fortalecimento do bloco.

“Isso poderia incentivar o Uruguai a sair. Economicamente, o Mercosul é viável para a indústria, porque a Argentina é um importante consumidor. Em questão geopolítica, enfraqueceria a relação dos países vizinhos, mas entradas e rupturas em acordos comerciais são negociações de longo prazo”, pontuou.

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