ESPECIAL PARA O ‘ESTADÃO’, DE BUENOS AIRES - O presidente Alberto Fernández, da Argentina, não conseguiu dissimular as lágrimas numa reunião com prefeitos, pouco antes de anunciar a nova troca no Ministério da Economia esta semana – a segunda em menos de um mês –, quando admitiu seu esgotamento.
Além de lidar com os efeitos da pandemia e da guerra na Ucrânia sobre a economia, o líder argentino é criticado publicamente pela própria vice-presidente, a ex-presidente Cristina Kirchner, por causa da condução da política econômica.
Empresários e economistas ouvidos pela reportagem agora esperam que a nomeação do presidente da Câmara, Sergio Massa, para um novo “superministério” da Economia, que passou a reunir as pastas de Desenvolvimento Produtivo e Agricultura, Pecuária e Pesca, consiga esfriar a tensão no centro do poder e tentar fazer com que a política e a economia voltem a funcionar.
Peronista que dialoga com diferentes setores, Massa foi chefe de gabinete durante a presidência de Cristina Kirchner. Para um grande empresário do setor energético, que falou sob condição de anonimato, a chegada de Massa traz “alívio” e aumenta a expectativa de que, apesar dos problemas a serem encarados, o governo saia da paralisação. O alívio ficou demonstrado no mercado financeiro. O anúncio de Massa para o ministério fez os títulos da dívida argentina subirem na sexta-feira. O risco país recuou e o dólar paralelo retrocedeu.
O agora superministro argentino terá três desafios imediatos, de acordo com analistas políticos e econômicos: reduzir a estratosférica inflação – que já chega a 64% ao ano –, cortar o gasto público e recuperar a confiança dos investidores e empresários no governo de Alberto Fernández.
Fernández que tinha chegado a registrar 80% de apoio popular no início da pandemia, agora conta com índices de rejeição de 71,6%, de acordo com levantamento da Giacobbe e Associados, divulgado na quinta-feira.
“Ainda falta um ano e meio de governo. Massa não tem muito tempo para demonstrar e resolver as urgências, como a redução da inflação e o controle do gasto público”, diz o economista Guido Lorenzo, da consultoria econômica LCG, de Buenos Aires.
O nome de Massa foi anunciado, na quinta-feira, no dia seguinte que sua antecessora Silvina Batakis, economista e lutadora de boxe, chegou de Washington onde se reuniu com a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, e ratificou que a Argentina respeitará o acordo assinado com o organismo internacional.
Massa é conhecido também por suas boas relações com círculos internacionais, incluindo setores do FMI. Na visão de um empresário, Massa será uma espécie de “bote salva-vidas”, e Alberto Fernández deverá continuar limitado à assinatura de documentos.
Inflação de 95% ao ano
No campo da economia, o trabalho mais árduo do novo ministro argentino, Sergio Massa, será controlar a disparada dos preços no país. O índice de preços ao consumidor subiu de 5,3% somente em junho e acumula alta de 36,2% nos primeiros seis meses do ano. A partir do agravamento da crise, com a saída de Martín Guzmán da pasta da Economia no início do mês e a disparada do dólar, a expectativa é de que a inflação supere a marca de 7% em julho.
Nesse ritmo, a inflação em 12 meses pode chegar a um nível ainda mais preocupante. “Nossa estimativa é de inflação de 7% ou 8% em julho e, até o momento, de 95% neste ano”, diz o economista Orlando Ferreres, da consultoria Ferreres e Asociados.
O economista lembra que, no novo acordo assinado pela Argentina com o FMI, a previsão era de inflação de cerca de 60% neste ano. Além disso, o orçamento da União, que acabou não sendo aprovado no Congresso, previa inflação de 40%. “Esses números, tanto do FMI quanto do orçamento que não saiu do papel, ficaram ultrapassados diante da possibilidade de uma inflação de quase três dígitos”, diz.
O Banco Central da República Argentina (BCRA) elevou a taxa de juros pela sétima vez em 2022 para 60% ao ano. É uma tentativa de estimular o correntista argentino a realizar aplicações bancárias em vez de continuar correndo para comprar dólares.
O economista Gustavo Perego, da consultoria econômica Abeceb, de Buenos Aires, lembra que a Argentina tem uma dívida em títulos públicos de quase um trilhão de pesos. “O temor é que os detentores destes títulos, que são pessoas como eu ou você, não renovem. A alta nas taxas de juros também está ligada a este público. Mas ela afeta o consumo e o crédito dos consumidores e dos empresários”, diz Perego.
Segundo ele, Massa se encontra com um “nó muito grande na economia”. Este nó inclui a dívida, a falta de dólares e a pressão inflacionária. E no segundo semestre o setor agropecuário costuma realizar operações cambiais muito inferiores ao primeiro. Ou seja, haverá menos dólares para o BCRA.
Corrida cambial
Os analistas econômicos são unânimes ao afirmar que não existe uma corrida bancária, mas uma corrida cambial no país. Na semana posterior à saída de Guzmán do ministério, eram visíveis as filas nos caixas eletrônicos em bairros de Buenos Aires, como Palermo, Retiro e no centro da cidade.
Quem tinha dinheiro na conta sacava e saia direto para as chamadas “cuevas” (covas) para a compra do dólar no mercado paralelo. Outras pessoas que tinham limite permitido para a compra autorizada de US$ 200 mensais, por meio da conta bancária, também aceleram esta compra formal da moeda americana.
No país vizinho, o dólar é, tradicionalmente, moeda de refúgio dos pequenos e dos grandes poupadores. A corrida por dólares fez a cotação informal disparar. Enquanto o dólar oficial é cotado a cerca de 130 pesos, o paralelo (chamado de “blue”) chegou a 340 pesos no auge da crise.
A Argentina tem uma série de cotações do dólar e mantém o controle cambial cada vez mais estrito, com restrições às importações. Para tentar estimular os produtores rurais a vender suas colheitas - que muitos hoje armazenam por entender que perdem dinheiro com o valor do dólar oficial que recebem por suas vendas -, o governo criou, na semana passada, mais uma cotação: o “dólar soja”. Um preço especial e cerca de 19% maior que o dólar oficial.
Falta de insumos
A expectativa entre economistas e empresários é de que o controle de importações e de preços ao consumidor continue na nova gestão do Ministério da Economia, obedecendo às receitas econômicas do kirchnerismo. Para empresários, “falta um plano econômico” e as medidas “isoladas” estão complicando ainda mais a economia.
Na imprensa argentina passaram a ser frequentes as reclamações de empresários de diferentes setores diante da falta de insumos, atribuída ao controle de importações. “Vendo vinho que trago direto de Mendoza, mas está difícil conseguir rolha e garrafas e não sei como minha produção continuará”, disse um pequeno empresário à emissora de televisão América, de Buenos Aires.
O especialista em comércio exterior da Argentina Diego Dumont disse que ficou ainda mais complicado importar, a partir das restrições do BCRA. “O importador até consegue a licença para importar junto ao Ministério do Desenvolvimento Produtivo (que agora passará a ser parte do Ministério da Economia), mas na hora de pagar o sinal ou toda a importação que encomendou não consegue”, diz Dumont. “O Banco Central quer que ele consiga comprar mas para pagar somente daqui a seis meses, porque o BCRA não tem dólares.”. No entendimento dele, a brecha cambial entre o dólar oficial e o paralelo também complica as importações.
Executivo de uma das maiores empresas de máquinas agrícolas do Cone Sul, a Metalfor, Javier Grasso, conta que um dos produtos em falta são os pneus. “Temos dificuldades (no fornecimento) desde o início da pandemia por uma questão global. Mas na Argentina enfrentamos falta de insumos específicos”, diz.
Este tango argentino - juros, controle de importações e inflação alta - reflete no resultado do crescimento econômico. “No primeiro semestre tivemos a influência do crescimento de 2021, mas o segundo semestre está mais complicado. Os juros evitam à corrida ao dólar, mas colocam um freio na economia”, diz o economista Gustavo Perego.
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