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‘A política vai ter mais peso que a economia no governo daqui para a frente’, diz Armando Castelar

Pesquisador do Ibre/FGV diz que mudança na política fiscal deve fazer a economia brasileira conviver com juros mais altos, crescimento menor e aumento da incerteza

Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Atualização:

SÃO PAULO - Pesquisador associado do FGV/Ibre, Armando Castelar avalia que a virada de fase do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na condução da política econômica ocorreu mais cedo do que o previsto, diante dos indícios de que o governo deve abandonar a meta de resultado primário zero no ano que vem.

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“Havia sempre uma dúvida no ar”, diz. “Obviamente, sinaliza que a política vai ter mais peso do que a política econômica daqui para frente e menos apetite por medidas de disciplina fiscal, o que é complicado numa situação que já não era confortável”, afirma.

Na avaliação de Castelar, o cenário de mudança na política fiscal deve fazer a economia brasileira conviver com juros mais altos, crescimento menor e aumento da incerteza. “Cria-se uma tendência a um desempenho bastante medíocre da economia.”

Política vai ter mais peso daqui para frente do que a economia, diz Castelar Foto: FABIO MOTTA / ESTADÃO

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Como o sr. avalia as últimas sinalizações do governo em relação ao não cumprimento da meta de primário zero no ano que vem?

Em geral, o primeiro ano do governo é de mais disciplina. Está mais longe das eleições, o governo acabou de ser eleito. É uma época em que há mais disposição para aprovar medidas voltadas a fazer a economia funcionar bem, para ajustar as contas públicas, e menos para o eleitor. E isso vai mudando, em graus variados, conforme o tempo passa e vai chegando mais perto da eleição. No segundo ano de governo, tem eleição municipal e, depois, vem a presidencial. Havia um pouco no ar essa dúvida, até quando essa posição de alguma disciplina fiscal - não era tanta assim também - prevaleceria. Eu acho que a declaração do Lula coloca um fim à essa primeira fase. Mudou.

E o que mudou?

Passou a ser o político com peso muito maior. É uma virada de fase e terminou mais cedo do que se esperava. Obviamente, sinaliza que a política vai ter mais peso do que a política econômica daqui para frente e menos apetite por medidas de disciplina fiscal, o que é complicado numa situação que já não era confortável. Uma segunda sinalização que ficou um pouco no ar lembra o momento que ocorreu entre a Dilma (então ministra da Casa Civil) e o Palocci (ex-ministro da Fazenda) no primeiro governo Lula, aquela frase (dita pela Dilma) do ‘gasto é vida’. A declaração (do Lula), a mim, pelo menos, lembrou bastante aquele momento. Uma opção por um lado. Se for por aí, é bastante preocupante, porque a situação é menos confortável do que era naquela época, porque o cenário externo ajudava muito. Não é a mesma situação agora.

E quais são as consequências dessa virada por parte do governo?

A tendência é ter mais relaxamento fiscal. Já havia uma certa dúvida em relação à capacidade de se ater à meta, mas a dúvida é se vai ficar mais distante ainda. Fica claro que a disposição de segurar gasto é nenhuma. Se você vai gastar mais, os juros na economia vão ficar mais altos, o Banco Central vai ter de manter os juros mais altos. Isso significa que a despesa com juros sobre a dívida aumenta, o que faz com que a dívida cresça mais rápido ainda, tanto por ter um primário pior como por ter mais despesas com juros. A tendência é isso: juros mais altos, mais incerteza, e o crescimento mais baixo. O investimento este ano já vai ter um desempenho muito fraco, e isso deve se repetir no ano que vem. Cria-se uma tendência a um desempenho bastante medíocre da economia.

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Ao longo deste ano, houve uma leitura mais positiva com o Brasil. As agências de classificação de risco, por exemplo, melhoraram a percepção em relação ao Brasil. Como fica a análise do investidor agora?

Piora, sem sombra de dúvida. Não no sentido de que vá ter uma crise fiscal amanhã, porque o governo herdou uma situação fiscal muito confortável do governo anterior. Houve uma queda muito significativa da dívida, então criou-se um espaço para a dívida subir. E já tem subido e vai subir mais. Agora, tanto os indicadores em si tendem a ficar piores do que se pensava antes, mas o próprio arcabouço fiscal perdeu credibilidade como âncora. Se antes mesmo de começar já quer mudar a meta, imagina quando ficar mais difícil e estiver mais perto da eleição. A discussão fica um pouco sem parâmetro.

A pesquisa Focus já elevou a previsão para os juros de 9% para 9,25% ao fim de 2024. Com essa nova sinalização do fiscal, até onde o sr. imagina que esse ciclo de corte possa ir?

O que se observa em relação aos juros é uma dissonância muito grande entre o que os economistas estão falando e o que os operadores do mercado estão dispostos a pagar. Nas operações com juros, o mercado financeiro está prevendo que a Selic cai até 10,5% e para. Eu acho 9,25% muito improvável e esse novo quadro que se afigura para o fiscal tornou mais improvável ainda. Qualquer coisa abaixo de 10% é muito difícil.

Nessa virada de chave do governo, como fica a situação do ministro da Fazenda?

Ele tem de continuar fazendo o trabalho dele. Agora, ficou mais difícil na medida em que a capacidade de negociar no Congresso é mais incerta quando o seu cacife dentro do governo fica menos claro. O ministro enfatizou que vai continuar perseguindo o déficit zero. Eu só acho que a capacidade de fazer isso complicou, porque o interlocutor do outro lado, obviamente, vai se perguntar: ‘Tudo bem, essa é a meta do ministro, mas será que é a meta do governo?’

A agenda com o Congresso para tentar melhorar a arrecadação também vai se perdendo, então?

Eu já achava complicado. Tentar resolver o problema todo aumentando a tributação, num país que já tem uma carga tributária muito alta, era uma solução muito problemática. É uma solução que compromete o crescimento, compromete o aumento da produtividade e gera informalidade. Também não é politicamente atraente. De novo, num certo sentido, passa mais o ônus das notícias ruins para o Congresso, na medida em que o Executivo não quer arcar com o ônus de segurar a despesa. Se você não está disposto a fazer a sua parte do sacrifício, fica mais difícil pedir que o outro lado faça. Além do que, se você está demonstrando mais tolerância com o déficit, há menos motivos para se fazer todo o esforço de aumentar a arrecadação.

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O sr. poderia detalhar essa virada de página do governo num cenário externo mais difícil?

A tendência é o crescimento desacelerar um pouco no ano que vem, particularmente nos Estados Unidos e na China. O mundo cresce mais devagar, as commodities caem um pouco de preço e a tendência é os juros ficarem altos. É um ambiente de crescimento abaixo da média do período pré-pandemia, particularmente na China, de dólar valorizado porque os juros altos nos EUA puxam a moeda para cima. Não é um ambiente de muito apetite ao risco. A grande diferença em relação há 20 anos, quando houve essa discussão entre o Palocci e a Dilma, é que lá o mundo estava ansioso para vir para o Brasil. A China estava crescendo muito, as commodities lá em cima, o dólar se desvalorizando, e o real se valorizando. Eu acho que agora o cenário é bastante distinto. É um cenário ruim lá fora e de apetite por risco bem menor.

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