Congelar salário mínimo e reduzir gastos tributários podem virar o jogo no Brasil, diz Armínio Fraga

Ex-presidente do Banco Central diz que País tem de rever benefícios que favorecem os mais ricos, incluindo deduções do Imposto de Renda, e renúncias fiscais

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Foto do author Fernanda Trisotto
Atualização:

BRASÍLIA - O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga sugeriu a adoção de medidas como o congelamento do salário mínimo em termos reais (descontada a inflação) e a redução de gastos tributários como parte de um cardápio de ações que mudaria o cenário fiscal do País. Para ele, o Brasil é um paciente “grave”, mas não em estado terminal, o que exige um diagnóstico frio.

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Ele participa do painel “Economia: Trump, Tarifas e o Fim da Globalização?”, na 11ª. Brazil Conference, evento anual realizado pela comunidade brasileira de estudantes na região de Boston que ocorre neste sábado, 12.

“Uma coisa, talvez, realista, para o atual governo, seria algo que fosse palatável para o atual presidente. Eu acho que deveria ser palatável o seguinte cardápio. Congela o salário mínimo, que não é palatável, mas não dá para fazer o salário mínimo ficar crescendo 2,5% nessas circunstâncias, e reduz os gastos tributários em 2% do PIB. Isso daria uns 3% do PIB, e eu acho que virava o jogo”, disse.

Temos de repensar prioridades do gasto público e discutir incentivos perversos, afirma Armínio Fraga. Foto: Fabio Motta/Estadão Conteúdo

Ele também defendeu a necessidade de novas reformas do Estado, ponderando que boas mudanças já foram obtidas com as reformas trabalhista, da Previdência e do saneamento. No caso do gasto público, ele reiterou a necessidade de revisão das despesas, levando em conta um cenário fiscal que apresenta sintomas insustentáveis como os juros altos.

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Arminio disse que o problema mais claro de todos é a Previdência, que precisa de uma nova grande reforma. “Uma boa já seria, provavelmente, congelar o salário mínimo em termos reais. Seis anos congelados já ajudaria”, afirmou.

Em relação à harmonização das políticas fiscal e monetária, Fraga lembrou que o único tema que não se discutia nos almoços com o Ministério da Fazenda na época em que presidiu o BC era o Comitê de Política Monetária (Copom). Para ele, o cenário atual do Brasil, com juro real elevado implica na necessidade de apoio do lado fiscal. “O chamado mix de política macro, fiscal e monetário, hoje, é um diagnóstico óbvio que está faltando apoio do lado fiscal”, disse.

Questionado sobre a eficácia do arcabouço fiscal, Arminio disse que sua execução “é a mesma coisa que pilotar uma Ferrari, no Memorial Drive a 300 quilômetros por hora: Vai bater”. Ele também ponderou que, para além da questão econômica, há outros problemas que o Brasil precisa enfrentar, que têm peso relevante, especialmente a segurança e o crime organizado.

Temos de repensar prioridades do gasto público, diz ex-presidente do BC

Arminio defendeu que o Brasil repense as prioridades do gasto público, com ênfase em saúde, e que o País precisa enfrentar discussões sobre incentivos “perversos” que beneficiam os mais ricos, incluindo deduções de Imposto de Renda e renúncias fiscais como a Zona Franca de Manaus.

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Ele participa de painel para discutir os desafios e oportunidades na saúde pública na Brazil Conference, evento anual realizado pela comunidade brasileira de estudantes na região de Boston que ocorre neste sábado, 12.

Fraga mencionou que, nos últimos 30 ou 40 anos, o gasto público primário passou de 25% do PIB para 33%, ao passo que o investimento público, sem contar estatais, caiu de 5% para 1% do PIB.

“Isso é um sinal de que nós temos que repensar as prioridades do gasto público. Quando a gente olha o SUS, com os dados que eu acabei de mostrar, o SUS gasta 4% do PIB. É um assunto que a gente tem que discutir na arena política”, disse. Ele já havia mencionado que o sistema de saúde público inglês, que tem um gasto per capta em média seis vezes maior que o brasileiro, vem enfrentando dificuldades.

O economista ponderou sobre o papel do Estado brasileiro, que não consegue atender essa demanda da saúde pública, e que precisa enfrentar discussões sobre “incentivos que são perversos”. “De incentivo perverso, o sistema brasileiro é um sistema no qual os subsídios vão para os mais ricos. Exatamente isso que eu estou falando. Nós estamos falando aqui de deduções de Imposto de Renda, tanto na pessoa física quanto na pessoa jurídica, e muito mais”, mencionou.

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Questionado sobre como melhorar as formas de financiamento no SUS, Fraga ponderou que é possível ter ganhos melhorando a gestão do sistema e adotando novas tecnologias, mas destacou que há um problema de prioridade no Orçamento. Ele disse que o dinheiro está em três grandes blocos, sendo que um dos mais relevantes é o de gastos tributários.

“Estou falando disso, de vários tipos de subsídios que vão da Zona Franca de Manaus até os sistemas especiais de Imposto de Renda para quem acompanha o Simples, o Lucro Presumido, que, em última instância, são imensos subsídios para os mais ricos”, disse.

Fraga disse, ainda, que a taxa de impostos paga pelas pessoas mais ricas é baixa, e citou como exemplo um advogado que tenha faturamento anual no teto do Simples, que é de R$ 4,8 milhões, e que vai pagar imposto de 5% sobre a receita. Para ele, a taxa de imposto para essas pessoas pode ficar em torno de 10%.

“Alguma coisa está entrando em discussão tardiamente, mas, enfim, antes tarde do que nunca”, disse, em alusão à proposta de reforma da renda enviada pelo governo Lula, que amplia a isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil com contrapartida na tributação de rendas mais altas.

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Fraga também mencionou a questão demográfica, com o envelhecimento da população pressionando a Previdência e a necessidade de uma nova reforma desse sistema. “Acho que dar uma pensada sobre isso, não só pode ajudar ou melhorar, aumentar a produtividade do Estado no Brasil, como, eventualmente, no horizonte de alguns anos, também contribuir para ter mais recursos. Isso tem que passar a bola, então, para o Congresso, que tem que incorporar isso nas suas prioridades. Esse é o jogo”, disse.

Situação nos EUA é ‘dramaticamente mais complexa e arriscada’

Arminio avaliou que a situação nos Estados Unidos é “dramaticamente mais complexa e arriscada do que era lá atrás”. Para ele, um problema na postura dos EUA é a perda do soft power, que representa uma situação perigosa em que valores democráticos podem ficar em segundo plano.

Ele fez uma leitura histórica e ponderou que, atualmente, todos os problemas que estão no ar são muito grandes, o que é uma coisa nova.

“Antes mesmo da guerra comercial, já tinha a Guerra Fria entre Estados Unidos e China, eu acho que não há outra descrição possível. Tem as tensões no Oriente Médio, invasão da Ucrânia”, disse, citando ainda possíveis mutações de vírus e o aquecimento global. Nesse contexto, ele diz, o presidente americano Donald Trump volta com ideias para assuntos que já estavam resolvidos.

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“Os Estados Unidos sempre foram uma espécie de modelo, de estrela-guia para que o resto do planeta evoluísse bem. Claro, tinha o poderio militar, mas eu acho tão importante quanto, se não mais, tem o soft power. A perda do soft power representa uma situação perigosa, porque a única chance que a gente tem de países como a China crescerem bem é nós mostrarmos que o nosso modelo, o modelo democrático, liberal, solidário, é melhor. Não podemos perder isso”, defendeu.

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