BRASÍLIA - Em meio às críticas recorrentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a atuação do Banco Central, a ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada nesta terça-feira, 7, aponta que alguns diretores do BC citaram os efeitos que o pacote apresentado pelo Ministério da Fazenda poderia ter no combate à alta de preços, mas ponderaram sobre os “desafios de implementação”.
Para esses diretores do BC, o pacote anunciado em janeiro pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, “atenuaria os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação”. O BC ponderou, porém, que “será importante acompanhar os desafios na sua implementação” pelo governo. As medidas precisam passar pelo Congresso Nacional.
Na segunda, Haddad disse que o comunicado do BC depois da decisão de manter a Selic em 13,75% ao ano na semana passada, poderia ter sido “mais generoso” com as medidas já anunciadas pela a equipe econômica para reduzir o déficit primário deste ano, depois de renovadas críticas do presidente Lula ao nível de juros no início do dia. O Copom manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano pela quarta vez consecutiva.
LEIA TAMBÉM
“É só ver a carta do Copom (sic) para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juros (sic) e a explicação que eles deram para a sociedade brasileira”, disse Lula na segunda sobre o comunicado do colegiado em que explica a decisão de manter a Selic no mesmo patamar.
Nesta terça-feira, 7, Haddad disse que a ata foi mais “analítica” e “amigável” do que o comunicado. “Veio melhor que o comunicado. Mais extensa, analítica, colocando pontos importantes sobre o trabalho do Ministério da Fazenda. É uma ata mais amigável em relação aos próximos passos que precisam ser tomados”, afirmou. Ele voltou a defender uma maior coordenação entre a política fiscal (sob sua coordenação) e a política monetária (de responsabilidade do BC).
Meta de inflação
Apesar de citar o debate sobre mudança de meta de inflação como um dos fatores que podem ter levado ao aumento das expectativas de inflação por prazos mais longos, o Banco Central evitou entrar no mérito da discussão e só repetiu que buscará a convergência para as metas definidas.
O debate sobre mudanças das metas ganhou força após as críticas de Lula ao patamar atual, de 3,0% no longo prazo. Na ata, o BC frisou diversas vezes que a deterioração das expectativas longas traz “especial preocupação” e destacou três fatores que podem explicar essa desancoragem.
As razões citadam foram uma possível percepção de leniência do Banco Central com as metas estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), uma política fiscal expansionista (ou seja de aumento de gastos) ou a possibilidade de alteração das metas de inflação ora definidas.
Em relação à leniência, o BC reafirmou seu compromisso em conduzir a política monetária para atingir as metas estabelecidas. “E avalia que, uma vez observada a desancoragem, é necessário se manter ainda mais atento na condução da política monetária para reancorar as expectativas e assim reduzir o custo futuro da desinflação.” Quanto ao fiscal, o comitê ponderou que os estímulos devem ser considerados avaliando o estágio do ciclo econômico e o grau de ociosidade na economia.
Já em relação à eventual mudança de metas, reforçou que o BC conduz a política monetária conforme as metas estabelecidas pelo CMN, composto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, além do presidente do BC. “Em resumo, mais importante do que a análise das motivações para a elevação das expectativas, o Comitê enfatiza que irá atuar para garantir que a inflação convirja para as metas”, ressaltou.
Para 2023, a meta de inflação foi fixada 3,25%, e será considerada formalmente cumprida se oscilar entre 1,75% e 4,75%. A meta de inflação do próximo ano é de 3% e será considerada cumprida se oscilar entre 1,5% e 4,5%. Depois da fala do presidente Lula sobre a possível mudança das metas, as estimativas do mercado para a inflação deste ano e de 2024 começaram a subir com mais intensidade, e continuaram piorando nas últimas semanas.
Risco fiscal
Na ata, o Banco Central tratou do âmbito fiscal na avaliação sobre os riscos para a inflação. Segundo o Copom, nesse tema, há dois conjuntos de riscos que se interseccionam. O primeiro deles é a revisão do arcabouço fiscal, em referência às novas regras que devem ser apresentadas pelo governo para substituir o teto de gastos, a norma atual que atrela o crescimento das despesas à inflação. O comitê ressaltou que a revisão “diminui a visibilidade sobre as contas públicas para os próximos anos e introduz prêmios nos preços de ativos e impacta as expectativas de inflação”. Isso significa que o preço de juros e dólar sobem em meio à discussão sobre essa nova regra.
O segundo conjunto diz respeito aos estímulos fiscais. “O Copom seguirá acompanhando seus impactos sobre atividade e inflação e reforça que, em ambiente de hiato do produto reduzido, os impactos sobre a inflação tendem a se sobrepor aos impactos almejados sobre a atividade.”
Em relação aos riscos externos, o Copom avaliou que as pressões inflacionárias globais se atenuaram, mas que ainda há bastante incerteza sobre como se dará a desaceleração da inflação. “Tal processo tende a ser não linear. Os riscos devem persistir enquanto observarmos um mercado de trabalho apertado em várias economias avançadas.”
Juros altos por período prolongado
O Banco Central afirmou categoricamente que as hipóteses consideradas no cenário de referência para a inflação não demonstram convergência para a meta no horizonte relevante de política monetária. Mas destacou que a manutenção da taxa Selic em 13,75% ao ano, como em seu cenário alternativo, por mais tempo cumpre essa missão.
O BC ainda disse que o fator preponderante para o aumento das projeções condicionais do comitê para a inflação foram a elevação das expectativas de inflação da pesquisa Focus, algo que o comitê observa com preocupação em prazos mais longos.
Na semana passada, o Copom manteve a Selic em 13,75% pela quarta vez seguida. O cenário alternativo considera que os juros básicos vão ficar nesse patamar por todo o horizonte relevante, que inclui 2023 e, em maior grau, 2024. O BC tem dado ênfase ao horizonte de 18 meses à frente, que agora coincide com o terceiro trimestre de 2024.
Até a reunião da semana passada, o mercado considerava que o primeiro corte da Selic ocorreria em setembro deste ano, com a taxa terminando o ano em 12,50% e 2024 em 9,50%, conforme o Boletim Focus – que é usado como hipótese no cenário de referência. Agora, porém, a estimativa é que os juros básicos só caiam a partir de novembro.
“As projeções condicionais às hipóteses do cenário de referência não demonstram convergência para a meta no horizonte relevante de política monetária, mas a introdução de um aperto monetário mais prolongado, tal como em seu cenário alternativo, gera impacto relevante sobre as projeções em direção à convergência às metas”, disse o BC, na ata.
No documento, o BC ainda disse que suas projeções de inflação subiram em função do aumento de preços administrados e de preços livres, embora o fator com maior impacto tenha sido o avanço das expectativas de inflação. “Com relação às expectativas, o Comitê observa com preocupação o movimento recente nos horizontes mais longos.”
Expectativas de inflação elevadas são uma espécie de “inflação contratada”, segundo economistas, o que pode impor ao BC a necessidade de manter a Selic no patamar alto por um período maior ou até mesmo elevar a taxa.
E juros básicos altos refletem no encarecimento do crédito e influenciam negativamente o consumo da população e os investimentos produtivos. Além disso, investidores buscam retornos reais em suas aplicações financeiras, ou seja, já descontada a taxa de inflação esperada no horizonte de investimento. Expectativas de inflação mais alta fazem os investidores exigirem taxas de juros maiores, impactando o custo de captação de empresas e do governo.
Segundo o colegiado, além do impacto direto que a elevação das expectativas tem sobre as projeções de inflação, o aumento das expectativas de longo prazo eleva o custo de reduzir a inflação ao exigir maior participação de outros canais da política monetária.
“Consequentemente, [exige] uma abertura do hiato do produto maior para se obter uma mesma queda de inflação”, disse, em referência à desaceleração da atividade necessária para o controle da inflação. “O Comitê seguirá atento e perseverará até que a ancoragem das expectativas se consolide”, repetiu.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.