Atraso na votação do Orçamento repete crises vividas por Itamar, FHC, Lula, Dilma e Bolsonaro

Em 1994, Orçamento foi aprovado com 10 meses de demora; Atrasos coincidem com embates políticos e mudanças econômicas vividas pelo governo e pelo Congresso

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Foto do author Daniel  Weterman
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BRASÍLIA — O Congresso Nacional vota nesta quinta-feira, 20, o Orçamento de 2025 com quase três meses de atraso. Desde o início do ano, o governo do presidente Lula (PT) trabalha apenas com uma autorização provisória para gastar, sem todos os recursos necessários para bancar programas sociais e serviços públicos como educação e infraestrutura País afora.

O Orçamento deveria ter sido aprovado em dezembro do ano passado para que o Poder Executivo começasse o ano de 2025 sabendo que despesas teria. O principal motivo para a demora foi a suspensão das emendas parlamentares pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que bloqueou os recursos por falta de transparência, rastreabilidade e desrespeito às regras fiscais. O ministro Flávio Dino, relator dos processos, liberou os recursos só em dezembro, mas sob novas condições com as quais os congressistas não concordaram.

Sede do Congresso Nacional, ao fundo, e o Palácio do Planalto, à direita. Foto: Wilton Junior/Estadão

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Os parlamentares se irritaram com as decisões do STF, retaliando o governo Lula na votação do Orçamento e apontando interesse do Executivo em recuperar via Judiciário o poder conquistado pelo Congresso Nacional nos últimos anos. Em agosto, o presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), deputado Julio Arcoverde (PP-PI), disse ao Estadão que os parlamentares não aceitavam “perder nenhum direito adquirido” em relação às emendas. Em fevereiro, em notas à imprensa, o parlamentar relacionou o atraso diretamente ao impasse no Supremo e apontou “desinteresse” do governo em votar o projeto no prazo.

Não é a primeira vez que isso acontece. Desde 1988, o Orçamento não foi votado no prazo em outras 12 ocasiões:

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  • 1989 (Collor)
  • 1993 (Itamar Franco)
  • 1994 (Itamar Franco)
  • 1996 (Fernando Henrique Cardoso)
  • 1997 (Fernando Henrique Cardoso)
  • 1999 (Fernando Henrique Cardoso)
  • 2000 (Fernando Henrique Cardoso)
  • 2006 (Lula)
  • 2008 (Lula)
  • 2013 (Dilma)
  • 2015 (Dilma)
  • 2021 (Bolsonaro)

Os atrasos coincidiram com crises políticas e com mudanças na economia do País que influenciaram diretamente na votação da peça orçamentária, um projeto que sempre mexe com os maiores interesses tanto do governo federal quanto dos parlamentares, pois é onde estão autorizados os gastos dos ministérios e as famigeradas emendas parlamentares.

O maior atraso ocorreu em 1994. O orçamento só foi votado no dia 19 de outubro, com o ano quase terminando. O presidente era Itamar Franco e a demora ocorreu no momento em que o Plano Real era aprovado e apresentado à sociedade. O plano trouxe reflexos positivos nos períodos seguintes com o fim da hiperinflação e possibilitou um planejamento maior das contas públicas, mas Itamar enfrentou graves crises com o Congresso naquele ano.

A demora foi agravada por desentendimentos dentro da própria equipe econômica, falta de articulação com o Congresso e a campanha eleitoral naquele ano. O presidente da República chegou a mandar três versões do Orçamento antes de ser votado. Itamar ameaçou assinar uma medida provisória para impedir um apagão na máquina pública. Após 10 meses de atraso, houve um acordo e o Congresso aprovou o Orçamento em três segundos.

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Congresso aprovou Orçamento de 1994 com 10 meses de atraso, em votação que durou três segundos. Foto: Acervo Estadão

Em 2021, o governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL) também passou por um atraso no Orçamento. O projeto só foi aprovado pelo Congresso Nacional no dia 25 de março. O País enfrentava a pandemia de covid-19 e o mês de março registrou o maior pico de mortes pela doença, com mais de três mil óbitos por dia.

Além da crise sanitária, o atraso marcou uma mudança de rota política. Foi nesse período que Bolsonaro trouxe o Centrão para dentro do governo e finalmente aceitou a entrega do Orçamento para o Congresso, após sucessivos embates desde que havia assumido a Presidência. O Orçamento só foi aprovado após a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara, com apoio de Bolsonaro. O acordo culminou com a sacramentação do orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão, e a nomeação de Ciro Nogueira (PP) para a Casa Civil em seguida.

Após a votação do Orçamento pelo Congresso Nacional, a proposta ainda precisa passar por aval do presidente Lula, que pode sancionar ou vetar parte das programações aprovadas. Enquanto isso o governo só pode gastar o que é autorizado pela LDO, incluindo salários, respostas a desastres naturais, saúde, obras em andamento e outras despesas que sejam consideradas inadiáveis até o limite de 1/12 do valor programado para o ano. Essa autorização era mais restrita antigamente, mas nos últimos anos foi ampliada e o governo não corre um risco tão grande de parar a máquina. Por outro lado, não pode se comprometer com alguns gastos, como obras em estradas federais que ainda não começaram, financiamento de escolas em tempo integral, incentivos à cultura e emendas parlamentares.