‘Auditoria não faz busca e apreensão nem interrogatório’, diz procurador do MPF

Para Ivan Marx, ex-chefe da Bullish, MPF e TCU devem investigar reajustes no contrato de R$ 48 milhões da auditoria da ‘caixa-preta'

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Por Patrik Camporez

Procurador do Ministério Público Federal (MPF), Ivan Marx chegou em Brasília em 2014 e, no ano seguinte, assumiu o comando da Operação Bullish. Na quinta-feira, 23, o procurador deixou o comando do caso, “a pedido dele”, para assumir uma função, ainda não definida, no MPF no interior de Mato Grosso do Sul. O procurador acredita que o MPF deve investigar, assim como o Tribunal de Contas da União (TCU), os reajustes no contrato que fizeram com que a auditoria no BNDES custasse R$ 48 milhões. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Ivan Marx, procurador do Ministério Público Federal Foto: Vinicius Loures/ Câmara dos Deputados

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Qual é a avaliação do sr. sobre a auditoria que prometia abrir a ‘caixa-preta’ do BNDES?

A primeira observação é que uma auditoria verifica a conformidade de dados apresentados pelo cliente. Uma auditoria não faz busca e apreensão, seguidas de interrogatórios. Não pode, de forma alguma, ser comparada com uma investigação de órgãos estatais, como no caso da Bullish, uma verdadeira força-tarefa que contou com MPF, Polícia Federal e Tribunal de Contas da União (TCU). Contou com troca de informações entre peritos. Então são coisas de profundidades totalmente diferentes.

Não tem o mesmo peso de uma investigação de órgão policial.

Isso. Tanto que, imagina se a Lava Jato pudesse ter sido obstada porque a Petrobrás, na época, contratasse uma empresa para apresentar laudo e, nessa auditoria interna, não identificasse a existência de problema. Não estou dizendo que não identificaria por má-fé. É que não tem todos os elementos que o Ministério Público tem. Essa auditoria não vem a excluir as provas existentes.

Acha que a auditoria foi usada como discurso político?

A auditoria pode ser usada até pela defesa de quem já foi denunciado, como um elemento a ser levado em consideração pelo juiz, tanto da ação penal como da ação de improbidade, para eventualmente provar a inocência. Mas não é uma prova cabal. Muito pelo contrário. Porque, em momento algum, por exemplo, a auditoria sai dessa análise interna de documentação. Ela é uma análise interna, pura e simplesmente.

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O sr. quer fazer essa diferenciação para mostrar que não é por que a auditoria não achou irregularidades, que não tenha irregularidades, não é? Até porque a investigação tocada pelo sr. aponta várias.

Sim, e também porque a investigação sobre a existência de crimes é uma obrigação do Estado. Quem está aparelhado para investigar a existência de gestão fraudulenta é o Estado. Uma auditoria interna pode ser solicitada por uma empresa para auxiliar em questões internas, para melhorar transparência, gestão, mas jamais pode ser trazida como uma prova de inocência de crimes denunciados pelo MPF.

O sr. achou o gasto de R$ 48 milhões exagerado?

Sobre esse gasto, veio a notícia que o próprio TCU vai abrir uma investigação para apurar. Imagino que o MPF também possa atuar para apurar isso. Não sou mais o procurador do caso, mas há uma possibilidade. O BNDES poderia aproveitar também para fazer um investimento na criação de uma corregedoria. Um órgão da importância do BNDES não ter uma corregedoria interna é inadmissível. É um valor alto, o de R$ 48 milhões. O BNDES fez uma auditoria interna, embora não tenha corregedoria, depois que a Maria Silvia chegou. E esse grupo encontrou, por exemplo, uma falha lá. Uma omissão.

Qual?

Deixaram de cobrar uma parte do juros de um empréstimo para a J&F comprar a Swift Argentina em 2016, e isso teria gerado um prejuízo atualizado de quase R$ 70 milhões. Isso foi objeto de denúncia, no aditamento da Operação Bullish em agosto, e a gente estipula para cobrar R$ 70 milhões. Era uma grande descoberta recuperar R$ 70 milhões para o BNDES. Agora, se foram mais R$ 50 milhões. Então é um valor relevante. E nem sequer tenho notícia de que essa auditoria tenha apontado essa falha que já tinha sido apontada anteriormente. Se foi divulgado que não encontraram irregularidade nenhuma, é porque, em tese, não encontraram nem mesmo aqueles R$ 70 milhões que o BNDES tinha identificado internamente. 

Acha que uma auditoria com esse custo, com essas características, deve ser investigada pelo MPF?

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Se eu fosse o procurador da Bullish, abriria uma investigação para verificar essa diferença dos gastos. Até porque tivemos declaração de ex-presidente do BNDES, e isso eu vi pela imprensa, dizendo que o valor era um quarto. Então em algum momento mudou o valor. Por quê?

Quem decidiu isso? Com a participação dos órgãos de persecução é que não foi.

Esse gasto poderia ter outro fim dentro da instituição, esses R$ 48 milhões, caso o BNDES quisesse efetivamente combater irregularidades? Eu não tenho elementos para dizer se o gasto deveria ser trocado pela criação de uma corregedoria. O que eu posso dizer é que, se há esse interesse mesmo de trazer transparência, a primeira medida que o MPF vê como necessária é a criação de uma corregedoria, um órgão interno que possa responsabilizar eventuais falhas dos funcionários. Assim como os demais órgãos, como a Polícia Federal, têm corregedoria.