Depois de quase uma década, um imbróglio oriundo de decisões do governo Dilma Rousseff (PT) no setor elétrico chegou a um desfecho. Em acordo histórico com o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Advocacia-Geral da União (AGU), a Auren Energia conseguiu uma indenização relativa à antiga Cesp por investimentos feitos na hidrelétrica Três Irmãos.
O acerto de R$ 1,7 bilhão garantirá à companhia injeção de cerca de R$ 4,1 bilhões em valores atuais, ao longo de sete anos, favorecendo o caixa da geradora no momento em que a empresa busca oportunidades de aquisição para crescer.
Embora a resolução fosse amplamente aguardada pelo mercado, os termos do acordo na noite de quarta-feira surpreenderam o mercado. As ações da Auren fecharam em alta de 5,74% nesta quinta-feira, a R$ 14,38.
O Credit Suisse e a XP estimavam inicialmente um valor presente líquido menor – o que ajudou a justificar a alta do papel. Analistas também mantêm no radar o potencial pagamento de dividendos extraordinários em decorrência do acordo.
“Embora a Auren esteja focada no crescimento, com os novos pagamentos (...) a alavancagem deve reduzir gradualmente, o que significa que a empresa pode pagar dividendos decentes”, escreveram os analistas do Credit Suisse Carolina Carneiro e Rafael Nagano. Eles fizeram a ressalva de que isso pode ocorrer mesmo em um cenário de busca de aquisições.
Já os analistas João Pimentel, Gisele Gushiken e Maria Resende, do BTG Pactual, avaliam que os investidores aguardam ansiosamente dividendos mais altos, pois as “chances parecem boas, especialmente considerando a possível mudança no regime tributário de dividendos no próximo ano”.
Longa batalha
A Cesp brigava com a União por uma indenização em Três Irmãos desde 2014, após não ter concordado com os valores estabelecidos pelo Ministério de Minas e Energia, por ocasião da Medida Provisória 579, que propôs a renovação antecipada de usinas hidrelétricas, em estratégia que buscava a redução das tarifas de energia. O movimento trouxe danos ao setor elétrico sem produzir os resultados esperados na conta de luz.
A Cesp, então estatal paulista, não aceitou a proposta, e a usina foi relicitada. A empresa teria direito a uma indenização por investimentos não amortizados, estimados em R$ 1,7 bilhão pelo governo federal.
A empresa considerou o valor baixo e chegou a estimar seus direitos em R$ 6,5 bilhões. Depois de negociações com o governo, ela entrou na Justiça e chegou a pedir esse valor, mas não obteve sucesso.
A Cesp foi privatizada em 2018. A gestão do contencioso sempre foi considerada um dos principais pontos a serem atacados pela nova gestão, a cargo da Votorantim e do fundo de pensão canadense CPPIB. Após a privatização, a Votorantim e o fundo reuniram outros ativos no setor elétrico e formaram a Auren Energia.
Segundo analistas, há mais de um ano a empresa decidiu que faria mais sentido receber o valor calculado pela União, mesmo tendo de abrir mão de montantes adicionais. Com o acordo, a companhia deve renunciar aos demais pedidos judiciais. O acordo ainda será homologado na 17ª Vara Federal do Distrito Federal para ter efeito legal.
Leia também
Pagamento
O montante de R$ 1,7 bilhão será atualizado pela taxa Selic e amortizado em 84 parcelas mensais, de acordo com o Sistema de Amortização Constante (SAC). Em valores atuais, o total é de R$ 4,1 bilhões, mas analistas ressaltam que a indenização pode estar sujeita à tributação, questão ainda a ser definida pela Receita Federal.
Os analistas do Citi Antonio Junqueira e Guilherme Bosso estimam que, na pior das hipóteses, o custo tributário chegaria a R$ 500 milhões, diminuindo o valor da indenização a R$ 3,6 bilhões.
Procurada, a Auren não respondeu até a conclusão desta edição. No fim de outubro, o diretor-presidente da companhia, Fabio Zanfelice, reforçou, em teleconferência, que a companhia estava atenta a oportunidades de crescimento e buscava ativos que garantissem retorno adequado para a companhia, reforçando a mensagem de que prioriza a disciplina de capital. Ele não descartou, à época, a entrada no segmento de transmissão.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.