Autonomia foi ganho do Banco Central na gestão Campos Neto e garantiu âncora monetária desde 2023

Atual presidente do Banco Central deixará o cargo no final de dezembro tendo como principal legado o aprimoramento institucional do órgão

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Foto do author Cícero Cotrim

BRASÍLIA - Presidente do Banco Central entre 2019 e 2024, Roberto Campos Neto deixará como principal legado o aprimoramento institucional da autarquia, segundo agentes do mercado ouvidos pelo Estadão/Broadcast. O maior exemplo dessa dimensão é a autonomia operacional do BC, conquistada em 2021, em grande parte devido ao esforço do próprio banqueiro central.

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Devido à Lei Complementar número 179, o presidente e os diretores do BC passaram a ter mandatos fixos de quatro anos, não-consecutivos com a gestão do presidente da República, responsável pelas indicações. De 2023 a 2024, o País conviveu pela primeira vez com um BC que não havia sido formado pelo governo.

Analistas concordam que a virtual indemissibilidade do presidente do BC criou momentos de volatilidade. Insatisfeito com os juros e enxergando em Campos Neto um representante do bolsonarismo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva várias vezes criticou publicamente a autarquia. Mas também foi a autonomia que blindou as expectativas de uma desancoragem mais forte desde 2023, ao garantir a continuidade da âncora monetária.

O atual presidente do Banco Central do Brasil (BC) Roberto Campos Neto e o futuro presidente da instituição Gabriel Galípolo Foto: WILTON JUNIOR/Estadão

“Foi diferente a experiência de você ter um governo que é fiscalmente meio irresponsável, mas ter o BC segurando a parte monetária”, afirma o diretor de macroeconomia do ASA, Fábio Kanczuk, que foi diretor de Política Econômica do BC entre 2019 e 2021. “Imagina se não tivesse isso. Você ia desconfiar totalmente da política monetária e haveria uma crise logo de saída. Em boa parte, não teve essa crise porque houve a independência.”

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Ainda em meados de 2022, em meio às propostas de expansão fiscal nas eleições, as expectativas para a inflação de 2024 - então de dois anos à frente - começaram a desancorar. No fim do ano, se acomodaram em 3,5%, 0,5 ponto porcentual acima do centro da meta, de 3%, devido às discussões sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da transição, que aumentou o limite de gastos do Executivo.

Entre os últimos dias de dezembro e o início de 2023, as expectativas voltaram a subir, especialmente após Lula defender uma mudança na meta de inflação. Na sua primeira reunião do ano passado, em fevereiro, o Comitê de Política Monetária (Copom) reforçou que a conjuntura era “particularmente incerta no âmbito fiscal e com expectativas de inflação se distanciando da meta em horizontes mais longos” e que conduziria a “política monetária necessária para o cumprimento das metas”.

“No atual governo, com zero de jogo e o Executivo batendo no BC, foi importante ter a autonomia, foi uma melhora institucional, que ajudou na condução da política monetária”, afirma o ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC e consultor da Pinotti & Schwartsman Associados, Alexandre Schwartsman. “Com tudo isso, nós vamos perder a meta de inflação deste ano. Imagine se o presidente do BC fosse um (Alexandre) Tombini (presidente do BC entre 2011 e 2016) da vida. Estaríamos com um problema muito mais grave.”

O sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, destaca que o fortalecimento institucional do BC foi ainda mais importante porque ocorreu simultaneamente ao enfraquecimento institucional da política fiscal. Além da autonomia operacional, o analista cita ganhos como a mudança no relacionamento entre autoridade monetária e Tesouro, aprovado em 2019, e a lei do depósito remunerado, que aumentou a liberdade da autarquia.

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“Tivemos uma evolução muito forte da institucionalidade do BC, e uma involução forte do arcabouço fiscal, com o fim do teto dos gastos, uma nova regra insuficiente para garantir a ancoragem da política fiscal, e inúmeras tentativas que o governo tem feito de contornar o arcabouço que ele próprio criou”, diz Kawall.

‘Agenda pessoal’

Em várias declarações, Campos Neto afirmou que a autonomia operacional era importante para separar o ciclo da política monetária do ciclo político, blindando o BC de pressões externas. “A característica técnica da decisão permanece, o que é muito importante nesse momento de polarização, pois separa o ciclo da política monetária do ciclo político. Isso cria um bem-estar grande para sociedade, que percebe que o Banco Central não vai tomar decisões populistas”, disse o banqueiro central, na sua live de despedida da autarquia na última sexta-feira.

Kanczuk, que acompanhou as discussões sobre a autonomia operacional durante os primeiros anos da gestão Campos Neto, afirma que a aprovação da medida era uma agenda do presidente do BC, que conduziu “99%” do processo. “É um assunto que ele matou no peito sozinho, uma iniciativa dele, que exigiu um tremendo esforço de conversar com políticos, conversar com o Supremo Tribunal Federal e ficar convencendo”, ele diz. “Foi na raça, foi ele sozinho.”

Campos Neto encerra o seu mandato no próximo dia 31, sem ter conseguido aprovar as outras duas dimensões da autonomia - financeira e administrativa - que completariam a tríade pensada pelo seu avô, o economista Roberto Campos, que foi um dos idealizadores do BC.

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“É importante avançar com isso. Gostaria de ter feito a autonomia total (durante meu mandato)”, disse o banqueiro central na sexta-feira, ressaltando que essas duas medidas são importantes para blindar o BC de interferências políticas.

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