BRASÍLIA – Autor do projeto de lei que criou benefícios tributários para o setor de eventos, o deputado Felipe Carreras (PSB-PE) levantou dúvidas sobre o custo apresentado pelo Ministério da Fazenda e disse que a indefinição sobre o futuro do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) “machuca politicamente” o governo.
O Perse, criado durante a pandemia de covid-19, é o mais recente motivo de embate entre a Câmara dos Deputados e o Ministério da Fazenda, que tenta extinguir o programa, alegando que os custos superaram o que havia sido negociado com os parlamentares.
Em medida provisória editada no fim do ano, o governo determinou o fim do programa; mas, diante da resistência de deputados e empresários, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, informou que negociaria um projeto de lei com um meio-termo.
Em reunião da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) nesta terça-feira, 12, Carreras afirmou que a equipe econômica ainda “não abriu as portas” da Fazenda para debater o assunto com os parlamentares.
“Fizemos um pedido para o ministro Haddad nos receber, foi negado. Na semana passada, foi decidido que um novo projeto seria feito e que teria diálogo com o Congresso Nacional para que nós pudéssemos construir uma nova saída, cortando excessos, vendo o recorte de classificação de algum setor que, eventualmente, tenha se recuperado”, disse.
“Foi feito um acordo de R$ 25 bilhões (para o total de benefícios fiscais do programa), eu participei, e acordo é feito para ser cumprido, mas não estamos conseguindo os números”, emendou. “A gente está estranhando o comportamento político, (isso) está machucando politicamente o governo desnecessariamente.”
Na semana passada, Carreras participou de uma reunião na qual Haddad, o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e líderes partidários fizeram um acordo para que o Perse tramitasse por meio de projeto de lei, e não mais via Medida Provisória (MP). Desde então, segundo Carreras, nada avançou.
Divergência de valores
O deputado do PSB sustenta que há divergência nos números. Haddad afirmou inicialmente que o programa havia consumido R$ 17 bilhões em receitas da União em 2023 – dos R$ 25 bilhões acordados para toda a duração do programa. Depois, passou a falar em R$ 13 bilhões de custo no ano passado. Associações do setor dizem que o número é ainda menor e gira em torno de R$ 6,5 bilhões.
O motivo da divergência, segundo o deputado, é uma alteração no escopo do programa, em 2023, que reduziu o número de atividades econômicas beneficiadas. Para ele, os cálculos de Haddad parecem não levar em conta a atualização da norma, feita no Parlamento, que reduziu à metade o número de atividades no Perse.
Ele disse que vinícolas, empresas prestadoras de serviços e de merenda escolar, além de agências de publicidade, acessaram inicialmente o benefício tributário. Elas foram cortadas na segunda fase do programa, mas os valores de renúncia tributária apresentados por Haddad não encolheram.
Carreras também se queixou de falas de Haddad que insinuaram que empresas do programa atuaram em atividades ilícitas, como lavagem de dinheiro.
“Estranhamente, com uma clara indisposição com o programa, querendo macular um eventual uso indevido, com corrupção, com lavagem de dinheiro, sem dizer quem”, reclamou o deputado. “Ninguém está aqui para passar a mão na cabeça de empresário que está fazendo algum tipo de prática ilícita. Que a Receita utilize de seus instrumentos”, emendou Carreras.
Presidente da FPE, o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) disse que o Bolsa Família, programa social usado como vitrine pelo governo Lula, também tem casos de irregularidades e não se cogita que ele seja encerrado. Deputados e governo negociam que o Perse seja redesenhado, e não acabe de vez.
Como mostrou o Estadão/Broadcast, governistas trabalham para que tanto o projeto do Perse quanto o da contribuição previdenciária especial para municípios sejam de autoria do Congresso, e não do Poder Executivo. A decisão, que está sendo costurada entre líderes da base do Palácio do Planalto na Câmara, pode ser a saída para que o governo ganhe tempo até encontrar uma forma de compensar a perda arrecadatória com as medidas.
“Será um projeto de iniciativa do Congresso, os municípios também”, disse o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), referindo-se também ao projeto de lei que desonera as prefeituras da contribuição patronal ao INSS. Os dois temas foram objeto de medida provisória baixada pelo governo no fim do ano passado.
Guimarães admitiu que a tramitação partindo da Câmara ainda não foi negociada com o presidente, Arthur Lira (PP-AL); mas, segundo ele ,a combinação será feita até a próxima semana.
Ele disse que ainda não há definição sobre quem irá apresentar o projeto em nome do governo, mas cogitou assumir a relatoria, uma vez que já foi relator do tema no ano passado.
Segundo apurou a reportagem, se os projetos fossem enviados ao Congresso com assinatura do governo, os textos já teriam que prever medidas compensatórias logo de início. Ou seja, como as propostas devem ser protocoladas esta semana, o Ministério da Fazenda já teria que definir essa previsão nos próximos dias. Sendo de autoria do Poder Legislativo, os congressistas conseguem “driblar” a exigência por enquanto.
Leis que tratam de incentivos tributários já foram vetadas, tanto no governo Lula quanto na gestão Bolsonaro, por falta de compensação, que é exigida pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou.
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