BRASÍLIA - Economistas avaliam que o pacote fiscal detalhado pelo governo nesta quinta-feira foi tímido. Na leitura de analistas ouvidos pelo Estadão, as medidas, aguardadas há semanas, dão uma sobrevida para o arcabouço fiscal, mas são insuficientes para resolver o dilema das contas públicas do País.
A equipe econômica prevê poupar R$ 71 bilhões com o pacote de ajuste fiscal até o final do mandato – R$ 30,6 bilhões em 2025 e R$ 41,3 bilhões em 2026. Entre o próximo ano e 2030, devem chegar a R$ 327 bilhões. As medidas não envolvem corte de gastos em relação aos valores de hoje, mas representam uma desaceleração do ritmo de crescimento de algumas despesas nos próximos anos.
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Há uma avaliação também de que a pressão política se sobrepôs à equipe econômica, sobretudo por causa do anúncio da isenção de cobrança de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. No mercado financeiro, as medidas trouxeram apreensão. Nesta quinta-feira, 28, o dólar voltou a subir e chegou a R$ 6 na máxima da sessão, após batido valor nominal recorde na quinta-feira.
Leia a seguir as análises dos economistas consultados pelo Estadão.
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Bruno Funchal: ‘Percebe-se um risco fiscal maior quando você olha o conjunto’
Quando você olha o conjunto - o pacote e o projeto do Imposto de Renda -, percebe-se um risco fiscal maior. Isso tem se refletido nos preços de mercado. Hoje, quem investe no Brasil têm uma incerteza maior.
O pacote está na direção correta, apesar de ainda não ser de um montante como deveria ser. Está na direção correta porque trata as despesas obrigatória, harmoniza o salário mínimo com a regra fiscal, trata a questão do Fundeb, trata o abono, apesar de ser para muito longo prazo o efeito. A gente não imagina que será uma economia de R$ 70 bilhões. E, dentro desse montante, tem o tema o combate à fraude, que já estava no preço. A estimativa é de uma economia de R$ 40 bilhões.
E por que o pacote não foi visto como uma melhoria de cenário com a redução de risco fiscal? Por causa da proposta da revisão da tabela do IR. Pode haver um efeito fiscal muito grande. Apesar de o projeto ser anunciado como neutro, porque há imposto novo, que é imposto de renda mínimo, a gente sabe que a tramitação é sempre complexa. Não é fácil aprovar um imposto novo e a revisão da tabela do IR não precisa necessariamente, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, de uma compensação. Há um risco fiscal grande de um imposto novo não vingar e permanecer apenas a correção da tabela, trazendo um custo maior. Isso traz um risco fiscal grande.
Aqueles que investem no Brasil estão saindo. É um sinal relevante. Apesar de a correção na tabela de Imposto de Renda ter sido uma promessa de campanha do presidente, a gente só pode dar um passo desse quando o fiscal estiver muito bem arrumado. Primeiro temos de arrumar o fiscal e, depois, dar um passo desse.
*É CEO da Bradesco Asset. Foi secretário especial do Tesouro e Orçamento
Solange Srour: ‘Política falou mais alto do que a racionalidade econômica’
Se o arcabouço fiscal aprovado em 2023 já se mostrava insuficiente para estabilizar a dívida pública, as medidas anunciadas não oferecem sequer as condições mínimas para mantê-lo funcional nos próximos anos. Em outras palavras, trata-se de um arcabouço que, além de falhar em seu papel como âncora fiscal, revela-se suscetível a modificações em um futuro não muito distante.
As medidas necessárias para nos tirar da rota do endividamento insustentável envolveriam o fim das vinculações de despesas ao salário mínimo ou ao crescimento da receita. Como tais mudanças seguem não sendo priorizadas, a equipe econômica passou a optar por um ajuste que, ao menos, permitisse o cumprimento do limite de crescimento das despesas previsto no arcabouço. No entanto, a proposta de adequar as principais despesas ao crescimento real máximo de 2,5% foi descartada, especialmente devido à exclusão de mudanças nas vinculações para saúde e educação. Sem tais desvinculações, é muito provável que o governo fique sem espaço nas despesas discricionárias (não obrigatórias) para investir em outra áreas antes de 2028.
E o que restou? A mudança na correção dos benefícios sociais pelo Salário mínimo e na regra do abono salarial. A primeira terá impacto quantitativo limitado no curto prazo e, dado o aumento do número de beneficiários da previdência e dos programas sociais, continuará pressionando o teto de gastos e as despesas discricionárias no médio prazo. O lado negativo da mudança é que, quando o PIB atingir um crescimento real menor que 0,6%, o salário mínimo crescerá ao menos esse valor. Já a segunda só começará a produzir efeitos a partir de 2027, e de maneira extremamente gradual.
As mudanças nas regras de acesso ao BPC e nas aposentadorias dos militares trarão uma economia pequena e vão depender de como serão aprovadas pelo Congresso no final. Já alteração do seguro-desemprego foi deixada de lado, desperdiçando a oportunidade de redesenhar essas políticas e focalizá-las em quem realmente necessita de suporte.
Além disso, a inclusão da isenção do IRPF até R$ 5 mil no pacote de cortes de gastos, na tentativa de mitigar o desgaste político, anula completamente qualquer esforço, ainda que insuficiente, de conferir credibilidade à regra fiscal. A medida possui um custo fiscal elevadíssimo, dificilmente compensado de forma integral pelos impostos propostos para quem ganha mais de R$ 50 mil, mesmo que este seja aprovado sem alterações significativas no Congresso – o que é altamente improvável. Isso porque é sempre difícil conduzir uma agenda de reforma da renda a toque de caixa e na segunda metade de um mandato.
Nesse cenário, a queda na confiança dos investidores e o aumento do prêmio de risco embutido nos ativos financeiros não parecem exagerados. A depreciação cambial já afeta a inflação, e é apenas uma questão de tempo até que taxas de juros mais altas impactem de forma mais significativa a atividade econômica. A política falou mais alto do que a racionalidade econômica. Perdemos o momento de evitar que a deterioração e a perda de credibilidade da política fiscal acarretassem custos elevados para a economia. Diante das medidas anunciadas, a única saída para interromper o ciclo vicioso será um ajuste fiscal ainda mais profundo e doloroso do que o atualmente em discussão.
*É diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management
Marcos Mendes: ‘Governo perdeu uma grande oportunidade’
O detalhamento das medidas na entrevista coletiva trouxe alguns detalhes adicionais em relação ao pronunciamento do ministro no dia anterior, mas não mudam o quadro de um ajuste insuficiente para estabilizar a dívida pública e, até mesmo, para garantir o cumprimento do arcabouço a partir de 2027.
A nova regra de reajuste do salário mínimo garantirá uma pequena economia em 2025 e 2026. Adiante, contudo, com o crescimento do PIB convergindo para o PIB potencial ou menos, continuará a vigorar o que ocorre hoje: a correção pela variação do PIB. Ficará ainda muito acima da correção pela inflação, que é o que seria necessário para frear o crescimento real do gasto. Mais importante é ressaltar que corrigir o salário mínimo pela regra do arcabouço não significa que a despesa da Previdência subirá dentro do limite do arcabouço (2,5% acima da inflação), pois há o crescimento do número de beneficiários. O número de aposentadorias por idade, por exemplo, está crescendo a um ritmo de 4,8% ao ano.
Temos uma situação em que o próprio governo internamente não está convencido da necessidade de fazer o ajuste fiscal e esta fazendo esse ajuste como uma tentativa de aplacar o que eles acham que é uma perseguição do mercado ou uma má vontade do mercado em relação ao governo. Não é isso. O que nós temos é uma dívida pública em trajetória ascendente muito forte, sinalizando para insustentabilidade e para uma crise da dívida mais à frente. Se esperava um ajuste mais forte e dificilmente haverá condições políticas para uma outra rodada de ajuste fiscal daqui até 2026.
Nós temos um quadro tanto de dificuldade interna do governo de decidir por ajuste fiscal, uma preferência muito forte do governo por expansão fiscal, como também as relações entre Executivo e Legislativo, as condições de governabilidade se deterioraram ao longo dos anos. Houve uma perda de poder do Executivo frente ao Legislativo, e uma tendência do Legislativo de atuar no sentido de aumentar despesas que favorecem os próprios parlamentares, favorece os seus grupos de pressão ou favorecem em seus Estados e municípios. Então, essas duas dimensões, uma inapetência do Poder Executivo e uma perda de poder de negociação junto ao Legislativo, geram uma situação de dificuldade de fazer o ajuste fiscal necessário.
*É economista e pesquisador do Insper
Tiago Sbardelotto: ‘Composição do pacote é negativa’
Nossa visão é de que o pacote é modesto, aquém do que o governo anunciou e, de fato, vemos uma composição negativa. Vale destacar que, do lado positivo, temos algumas medidas estruturantes, como a mudança na regra do salário mínimo, que é bem-vinda, mas ainda assim ficou abaixo do esperado pelo mercado.
Há mudanças no BPC que tendem a gerar alguma economia duradoura, reduzindo a elegibilidade do benefício. As alterações no Fundo Constitucional do Distrito Federal também devem ter um impacto permanente e importante a longo prazo. No Fundeb, a realocação pode trazer economia, embora nossa estimativa seja menor do que a do governo.
No geral, vemos uma composição com uma parte positiva, trazendo um ajuste estrutural, mas a maior parte do pacote anunciado traz maior flexibilidade na gestão, permitindo cortes de despesas ou inclui medidas já vigentes. Por exemplo, a antecipação da biometria obrigatória foi contabilizada como medida de ajuste, mas é de curto prazo e não altera a tendência de crescimento da despesa.
Outras medidas, como o provimento de cargos, são administrativas e não mudam a tendência da despesa. As mudanças nas emendas, já aprovadas, não trazem economia real; apenas transferem parte das emendas não impositivas (obrigatórias) do Orçamento legislativo para o executivo.
Em resumo, nossa visão é de que a composição do pacote é negativa, mais tímida do que o mercado esperava, e o governo perdeu a oportunidade de fazer um ajuste mais profundo para manter o arcabouço fiscal. Apesar disso, acreditamos que o arcabouço se mantém em 2025 e 2026 com essas medidas, mesmo que modestas, mas vemos risco a partir de 2027-2028, podendo ser necessária uma nova reforma daqui a dois ou três anos.
*É economista da XP
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