‘A tentativa de mudar qualquer coisa no IBGE vai criar confusão’, diz Edmar Bacha

Para ex-presidente do instituto, ideias manifestadas por Márcio Pochmann para mudanças em estatísticas do órgão podem trazer perda de credibilidade

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Foto do author Carlos Eduardo Valim
Atualização:
Entrevista comEdmar Bachaex-presidente do IBGE e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças

Antes de ficar conhecido como um dos responsáveis pelo sucesso do Plano Real, o economista Edmar Bacha foi presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 1985 e 1986, época tumultuada de hiperinflação e de planos econômicos que não deram certo, mas que também forçou a consolidação do órgão para adquirir a respeitabilidade que se manteve por décadas.

Nos dois últimos governos, no entanto, a instituição passou por novas provações. No governo Jair Bolsonaro, houve ataques às pesquisas elaboradas e o corte de orçamento para a realização do Censo.

Agora, uma nova polêmica apareceu. Em palestra para funcionários do IBGE realizada em outubro e que entrou no debate nacional nos últimos dias, o novo presidente do instituto, Márcio Pochmann, defendeu “modernizar” a forma de divulgação dos dados da instituição e comentou que buscou exemplos de como trabalhar com pesquisas na China.

“Tivemos oportunidade, num diálogo com a direção do Instituto Nacional de Estatística da China, que está entrando em curso um censo econômico que visa justamente identificar, capturar o valor agregado das atividades digitais”, disse Pochmann, na palestra. As declarações provocaram reações de vários especialistas, que expressaram preocupação com os efeitos de alterações nos métodos de pesquisa do IBGE.

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Sobre a polêmica, Bacha comentou ao Estadão que qualquer mudança promovida pela atual gestão pode causar problemas e trazer perda de credibilidade para o órgão. Confira os principais trechos da entrevista:

Para Bacha, discussões sobre como blindar as estatísticas do IBGE de influências políticas seria bem vinda Foto: Tiago Queiroz/Estadão

As declarações do presidente do IBGE sobre alterar a forma de divulgação de dados preocupam de alguma forma?

Já pensou se o Pochmann resolve mexer no IPCA? Toda a estrutura de financiamento do governo é baseada no IPCA. Mesmo que fosse para fazer alguma melhoria, seria um tsunami no mercado financeiro. Não estou dizendo que a metodologia do IPCA é perfeita, mas, sendo ele quem é, qualquer tentativa de mudar qualquer coisa no IBGE vai criar confusão.

Isso significa que o fato de ele ter ligação política prejudicaria qualquer trabalho, mesmo se bem intencionado?

Ele não simplesmente tem ligação política. Ele é um político. Foi candidato três vezes à Prefeitura de Campinas e a deputado estadual por São Paulo. O problema é o histórico dele, como foi a atuação dele à frente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), quando fez, por exemplo, um concurso completamente ideológico e dirigido. Pode-se até argumentar que os técnicos não vão deixar ocorrer uma mudança do IPCA, e não vão deixar mesmo. Mas só de mencionar o assunto ou de falar de trazer técnicos da China para aprimorar o trabalho com os dados, todo o sistema estatístico nacional vai ficar sob suspeita.

A burocracia do IBGE não pode evitar que se tire a credibilidade do instituto?

Existem coisas que o presidente do IBGE pode fazer e que os técnicos não terão como interferir. Por exemplo, o último censo mostrou que a população de vários municípios caiu. Com isso, o dinheiro do Fundo de Participação dos Municípios para eles vai diminuir. Deve haver agora centenas de demandas para a recontagem da população. E quem diz onde e o que recontar é a gestão do IBGE.

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No seu período à frente da instituição, havia alguma blindagem dos números públicos?

Quando fui presidente do IBGE, no tempo do Plano Cruzado, o Dilson Funaro, ministro da Fazenda, se irritou com a Fundação Getulio Vargas e transferiu a inflação oficial para o IBGE (em novembro de 1985, o IPCA passou a ser o indexador oficial do País). Quando vi aquilo, criei um conselho de altíssimo nível para me fiscalizar, com seis pessoas. Eram dois economistas, dois representantes empresariais e dois de centrais sindicais. Existia uma preocupação com a credibilidade dos dados. O Delfim Netto (ministro da Fazenda entre 1967 e 1974) havia manipulado os dados de inflação em 1973.

É possível fazer algo parecido agora?

Li recentemente um artigo (assinado pelo vice-diretor do Instituto Brasileiro de Economia, FGV-Ibre, Vagner Laerte Ardeo, e pelo pesquisador associado do FGV-Ibre e ex-presidente do IBGE Roberto Luís Olinto Ramos) que levanta a ideia de se criar uma agência responsável pela estatística nacional, que regule e integre a produção da informação oficial criada em diversos órgãos. Uma agência é muito melhor que um conselho como eu criei.

Isso blindaria o IBGE da influência política?

Não me aprofundei para saber se seria a melhor ideia, mas é para ser conversada. Gostei da proposta. É bem fundamentada, e houve seminários no FGV-Ibre sobre o assunto. Existe uma necessidade de blindagem institucional.

Essas discussões no FGV-Ibre sobre a criação de uma autoridade estatística nacional envolveram economistas de diversas matizes. É possível que uma ideia como essa fique acima das ideologias?

Independente do pensamento, querer blindar as contas nacionais é uma boa ideia. É um perigo deixar isso aberto às influências políticas. Outra coisa que está no artigo é a importância de integrar dados de diversas áreas do governo. A Receita Federal levou anos para começar a transmitir dados para o IBGE, e convênio é informal. É preciso uma estrutura para legitimar tudo isso. Hoje em dia, o grosso da informação é criado dessa forma. É só pensar no Rais (Relatório Anual de Informações Sociais, elaborado com dados enviados pelas empresas para o Ministério do Trabalho e Emprego) e todos os estudos com os mercados de trabalho. Seria importante compatibilizar Rais com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE. Há ainda muitos dados valiosos no Ministério da Saúde, que deveriam ser oficiais e integráveis com o IBGE.

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