RIO – Após o salto em torno de 20% no comércio exterior em 2022, puxado pela alta nos preços das matérias-primas exportadas pelo País, a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) projeta uma queda de 4,0% para 2023, conforme números anunciados nesta terça-feira, 20.
A balança comercial deverá registrar alta de 14,3% em seu superávit, para US$ 71,933 bilhões, que será um valor recorde, superando 2020. Até a terceira semana deste mês, o saldo comercial acumulado em 2022 era um superávit de US$ 60,020 bilhões, segundo o Ministério da Economia. A AEB estima que o superávit fechará o ano em US$ 62,925 bilhões.
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Conforme as projeções da AEB, o superávit de 2023 será resultado de exportações de US$ 325,162 bilhões e de importações de US$ 253,229 bilhões. Com isso, a “corrente de comércio” (a soma das exportações com as importações) ficaria em US$ 578,391 bilhões em 2023, o que apontaria para uma queda de 4,0% ante a corrente de 2022.
Até a terceira semana deste mês, a corrente de comércio somou US$ 587,060 bilhões, segundo os dados do Ministério da Economia, e deverá chegar a US$ 602,725 bilhões até o fechamento do ano, conforme as projeções da AEB. No acumulado do ano até a terceira semana de dezembro, a corrente de comércio saltou 22,2% na comparação com igual período de 2021. Ano passado, na esteira da recuperação da economia após os períodos mais graves da pandemia de covid-19, a corrente de comércio saltou 35,9%.
A queda de 4,0% projetada na corrente de comércio para 2023 é puxada pelas perspectivas de recessão na economia global – por causa dos aumentos de juros nos Estados Unidos e na Europa, como reação à inflação elevada que se espalha por todos os países desde fins de 2020 – e pelas incertezas em relação ao desempenho da economia da China, em meio à possibilidade de novas ondas da covid-19.
Por causa da queda na corrente de comércio, mesmo registrando superávit recorde, o saldo comercial ganha contornos de “superávit negativo”, segundo o presidente executivo da AEB, José Augusto de Castro. “Superávit é importante, mas, no fundo, no fundo o que se quer é atividade econômica”, afirmou o líder da entidade empresarial.
Exportações em alta garantem demanda para a produção nacional, gerando empregos e impulsionando investimentos. Já o crescimento das importações, ainda que aponte que a demanda doméstica está sendo atendida por produtores de outros países, sinaliza para consumo e investimentos em alta na economia brasileira. O saldo de 2023 deverá registrar superávit superior ao de 2022 porque as exportações cairão menos do que as importações, conforme as projeções da AEB.
Além disso, segundo Castro, mesmo os saltos vistos em 2021 e 2022 na corrente de comércio têm seus aspectos não tão positivos. O resultado deste ano ficará acima das projeções iniciais da AEB – em julho, a AEB projetava exportações de US$ 319,471 bilhões, ante os US$ 332,825 bilhões agora esperados –, mas a surpresa é explicada apenas pela dinâmica de preços, disse o presidente da entidade.
A invasão da Ucrânia pela Rússia mudou o jogo, puxando para cima as cotações de diversas matérias-primas exportadas pelo Brasil, com destaque para o petróleo. Para as exportações brasileiras, a guerra até teve efeitos positivos, disse Castro, mas o aumento de preços não foi observado nas quantidades. Com a perspectiva de recessão na economia global, os preços das matérias-primas deverão subir pouco ou cair pouco no próximo ano, com viés negativo para a variação das quantidades. Conforme Castro, as incertezas em relação ao crescimento econômico da China, deverão ditar o ritmo das cotações das matérias-primas em 2023.
A exceção ficará por conta da soja. Atingida pela seca na virada de 2021 para 2022, a principal cultura da produção nacional de grãos não teve desempenho tão bom na safra deste ano. Agora, para 2023, as estimativas apontam para uma supersafra, que deverá resultar num recorde de 90 milhões de toneladas exportadas.
Manufaturados
O aspecto não tão positivo de ter o desempenho das exportações muito atrelado à dinâmica das cotações internacionais se deve ao fato de que boa parte da pauta de exportações é formada por matérias-primas. Nas contas da AEB, os bens manufaturados responderão por 28% das exportações, a menor participação desde 2000, quando era de 59%.
Segundo Castro, a falta de competitividade da indústria nacional e a crise econômica nos países vizinhos da América do Sul são os motivos por trás do tombo na participação dos manufaturados na pauta de exportações. E os dois fatores estão associados. Sem competitividade, a indústria brasileira só consegue conquistar os mercados mais próximos, dos países vizinhos.
“Só exportamos para a América do Sul. E a Argentina está com muitos problemas. A Argentina quer comprar, mas não tem divisas”, afirmou Castro.
Para o presidente da AEB, a única saída para a perda de participação dos manufaturados na pauta de exportações é fazer reformas que deem competitividade à indústria nacional. Castro citou as reformas tributária e administrativa como as mais importantes.
Nesse sentido, o líder da entidade empresarial avaliou positivamente a indicação do economista Bernard Appy para comandar uma secretaria dedicada à reforma tributária no futuro Ministério da Fazenda. Embora faltem detalhes sobre o conteúdo da reforma, “os sinais são positivos”, disse Castro. “Hoje, há consciência de que a reforma tributária é indispensável”, completou.
Para Castro, os ganhos de uma reforma tributária poderão ser mais positivos do que eventuais retrocessos em outros pontos da política econômica, como um viés contrário à abertura comercial ou a volta de subsídios. Isso porque os efeitos positivos de um sistema tributário mais simples e eficaz serão estruturais, com ganhos para a competitividade de toda a indústria, de forma permanente. Já medidas em relação à abertura comercial, por exemplo, podem ser desfeitas mais facilmente.
“Se vier uma reforma tributária, teremos um ganho garantido. Maior abertura comercial e inserção (no mercado externo) são consequências”, afirmou Castro.
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