Na primeira reunião como presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo liderou o Comitê de Política Monetária (Copom) a promover mais uma alta de 1 ponto porcentual na taxa básica de juros (Selic), para 13,25% ao ano. O roteiro já era esperado. Em dezembro, os integrantes da diretoria do BC já haviam sinalizado essa magnitude de aumento.
O BC lida com um cenário bastante complicado. As expectativas de inflação para este e os próximos anos estão distantes da meta de 3% — e até fora da margem de tolerância, que é de 1,5 ponto porcentual para mais ou para menos.
Os analistas do mercado financeiro consultados pelo boletim Focus, elaborado semanalmente pelo Banco Central, projetam que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve encerrar este ano em 5,5%, portanto, acima do teto da meta. Para 2026, a previsão é de 4,22%.
Entre os economistas, há uma leitura de que o Banco Central vai ter dificuldade de trazer as expectativas de inflação para baixo se o governo não encaminhar melhor a parte fiscal, o que permitiria uma redução da percepção de risco e abriria espaço para uma melhora dos preços dos ativos brasileiros, como câmbio e juros, e, consequentemente, da inflação.
O risco é visto como elevado no Brasil, porque a economia brasileira já é altamente endividada para um país emergente e, por ora, não há uma sinalização de estabilização dessa dívida. No fim do ano passado, a equipe econômica apresentou um pacote de contenção de gastos para melhorar a situação fiscal, mas as medidas foram consideradas insuficientes.
Leia as análises
O cenário é ainda mais difícil porque o governo deu um importante impulso fiscal na atividade econômica. Houve, por exemplo, o pagamento de precatórios, atrasados do governo Jair Bolsonaro, e a volta da política de ganho real do salário mínimo, que acaba repercutindo em outros benefícios sociais. O resultado é que a economia cresce acima do potencial, e o marcado de trabalho está apertado, ampliando as pressões inflacionárias.
Com um fiscal tão incerto, o que o Banco Central pode fazer para trazer as expectativas de inflação para baixo? Quatro economistas convidados pelo Estadão analisam o desafio da autoridade monetária.
Luis Otávio Leal: ‘Parece muito difícil que o BCB consiga, apenas com aumentos de juros, trazer a inflação para a meta’
![](https://www.estadao.com.br/resizer/v2/KVVKCFUHPJH65I2XKWJMDHZP4E.jpeg?quality=80&auth=33a6e488b1a165448d6e92717e6d247d74ad9334753705e826dcf9cfccd49c37&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/KVVKCFUHPJH65I2XKWJMDHZP4E.jpeg?quality=80&auth=33a6e488b1a165448d6e92717e6d247d74ad9334753705e826dcf9cfccd49c37&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/KVVKCFUHPJH65I2XKWJMDHZP4E.jpeg?quality=80&auth=33a6e488b1a165448d6e92717e6d247d74ad9334753705e826dcf9cfccd49c37&width=1200 1322w)
Um dos conceitos mais falado, tanto pelo ministério da fazenda, quanto pelo Banco Central do Brasil (BCB), é o da “coordenação entre política monetária e política fiscal”. Mas o que é isso?
De forma bem resumida, se essa tal “coordenação” fosse bem-feita, teríamos uma suavização dos ciclos econômicos. Ou seja, em períodos recessivos, quando o principal problema econômico não é a inflação, o governo faria uma política fiscal ativa, reduzindo os impostos e/ou aumentando os gastos, enquanto o BCB reduziria os juros, de modo a minimizar a queda da atividade.
O período posterior à crise financeira de 2008 e durante a pandemia da covid-19 entre 2020 e 2021 são exemplos em que este tipo de “coordenação” faz sentido. Por outro lado, em momentos de crescimento acima da capacidade de oferta da economia, quando o principal problema econômico é a inflação, ocorre o inverso, o governo deveria reduzir os gastos, e o BCB aumentar os juros, de forma a reequilibrar a economia, impedindo que a inflação saia de controle. A situação atual é um exemplo clássico onde esse tipo de “coordenação” deveria ser implementado. “Deveria”, mas estamos longe disso, apesar do discurso oficial do governo.
O Brasil deve ter tido um déficit ao redor de R$ 40 bilhões em 2024, aparentemente um resultado bastante auspicioso, considerando que em 2023 este tinha sido de R$ 264 bilhões. Olhando apenas para estes dados, podemos dizer que houve realmente uma redução do impulso fiscal e que o governo estaria fazendo a sua parte na tal “coordenação”. Só que, a palavra “aparentemente”, usada acima, tem um peso importante nesta análise.
O déficit de 2023 foi inflado pelo pagamento, no apagar das luzes do ano, de R$ 92,4 bilhões de precatórios federais, sendo que R$ 32,2 bilhões, foram antecipações do montante a ser pago em 2024. Isso é importante porque, apesar da questão contábil ter sido resolvida, o impacto econômico do pagamento dos precatórios ocorreu em 2024, e não em 2023.
Fazendo os ajustes, o déficit “econômico” de 2023 fica ao redor de R$ 170 bilhões, enquanto o de 2024 próximo de R$ 130 bilhões. Convenhamos, uma redução do impulso fiscal, bem menos expressiva. E o pior, esse resultado só foi alcançado porque tivemos um aumento nominal de 13,6% na receita, dado que as despesas cresceram nominalmente 13,0% no ano passado.
Portanto, apesar de “aparentemente” o governo estar fazendo a sua parte na “coordenação” com a política fiscal, isso acaba sendo verdade apenas contabilmente. Economicamente, que é o que importa, o governo continuou apertando o acelerador em 2024, de modo que não chega a ser surpreendente que o crescimento do ano passado deva chegar a 3,5%, claramente acima do potencial, e que a inflação tenha mostrado aceleração entre 2023 e 2024.
A conclusão é que, neste cenário, onde o governo não faz a sua parte na tal “coordenação” entre política fiscal e monetária, parece muito difícil que o BCB consiga, apenas com aumentos de juros, trazer a inflação para meta e reancorar as expectativas. Até porque, elas estão desancoradas, não porque o mercado ache que o BCB está sendo leniente com a inflação, mas porque, enquanto a autoridade monetária põe o pé no freio da economia, o governo aperta o acelerador. Nessas circunstâncias, normalmente, o carro da um “cavalo de pau”.
O pior é que não dá para esperar algo diferente daqui para frente. O desastrado anuncio do pacote fiscal, a questão do Pix, as tentativas de trazer a inflação dos alimentos para baixo e, até a escolha do seu “marqueteiro” de campanha para ser ministro das Comunicações, mostram que o governo está mais preocupado com a eleição de 2026 do que com equilíbrio da economia brasileiro.
E assim nos vamos, com os juros sendo elevados nessa semana para 13,25% ao ano, a promessa de que chegue a 14,25% ao ano ao final do 1º trimestre do ano e a provável necessidade de alcançar 15,00% antes do final do 1º semestre. E o pior, sem a esperança de que a inflação desacelere.
*É economista-chefe da G5 Partners
Luiz Fernando Figueiredo: ‘Ou o governo amplia o resultado fiscal, ou o BC terá muita dificuldade de trazer a inflação à meta’
![](https://www.estadao.com.br/resizer/v2/DORNA62ZEZH4BMPZLJY4X2GLLI.jpg?quality=80&auth=d060ec619d6d7628254ac7b689da68bfa17922c75e4381ffc7146dce01b3d5ba&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/DORNA62ZEZH4BMPZLJY4X2GLLI.jpg?quality=80&auth=d060ec619d6d7628254ac7b689da68bfa17922c75e4381ffc7146dce01b3d5ba&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/DORNA62ZEZH4BMPZLJY4X2GLLI.jpg?quality=80&auth=d060ec619d6d7628254ac7b689da68bfa17922c75e4381ffc7146dce01b3d5ba&width=1200 1322w)
Uma importante pergunta a respondermos hoje é se o BC será capaz de reancorar as expectativas e trazer a inflação à meta com tanta incerteza fiscal? Infelizmente, a resposta é não!
Do início de 2024 para agora, a perspectiva de déficit primário praticamente não mudou, mesmo considerando os gastos que ficaram à margem do orçamento, chamados de gastos parafiscais.
Mas, quando vemos a trajetória da dívida, a história é outra. A nossa dívida pública está crescendo quatro pontos do PIB por ano e isso se deve a importante mudança de ambiente neste ano que passou.
Esperávamos no início de 2024 que o déficit primário ficaria perto de 0,25% do PIB, mas que a taxa de juros poderia cair de forma sustentável até 9% ao ano. O cenário mudou completamente, em grande medida, pelo receio da piora fiscal. O BC não só teve de abortar a queda como teve de começar a subir novamente. Hoje, a perspectiva é de que os juros cheguem a 14,5%/15,00%, sendo assim, a dívida passou a crescer muito mais rapidamente.
No final, ou o governo reage a esta mudança, ampliando o resultado fiscal, ou o trabalho do BC terá muita dificuldade de nos levar a uma reancoragem das expectativas de inflação e a trazer a inflação à meta de 3% ao ano ao longo do tempo.
*É ex-diretor do Banco Central e presidente do conselho da JiveMaua Investments
Rafaela Vitória: ‘Queda da inflação hoje depende muito mais do ajuste fiscal e da retomada da confiança na política fiscal’
![](https://www.estadao.com.br/resizer/v2/FQYHLBOSVNC4XMBDMWCKZ5QDEE.jpg?quality=80&auth=3b6accf355720b8860932929fc72c2b2db9319d129f5ceb8ca504f18b53a79eb&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/FQYHLBOSVNC4XMBDMWCKZ5QDEE.jpg?quality=80&auth=3b6accf355720b8860932929fc72c2b2db9319d129f5ceb8ca504f18b53a79eb&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/FQYHLBOSVNC4XMBDMWCKZ5QDEE.jpg?quality=80&auth=3b6accf355720b8860932929fc72c2b2db9319d129f5ceb8ca504f18b53a79eb&width=1200 1322w)
Após muitas incertezas nas reuniões anteriores, o Copom elevou a taxa Selic em 100 pontos-base (1 ponto porcentual), em linha com o consenso de mercado e seguindo seu último guidance. Apesar de ser uma decisão hawkish (dura) e um choque de juros significativo, a inflação deve seguir acelerando nesse começo de 2025 e esperamos um pico para o IPCA de 5,6% em agosto, fechando o ano em 5,1%.
Nossa expectativa é de que a Selic deva chegar a 15% no final do ciclo, um juro real próximo de 10%. Ainda assim, não temos uma expectativa de convergência rápida da inflação para a meta. A política monetária perdeu a potência em relação aos ciclos anteriores, mesmo com a redução do crédito direcionado, com o fim da TJLP, e a independência do Banco Central.
A aceleração do gasto público a partir de 2023 impulsionou a economia para além do seu potencial e a inflação de serviços voltou para o patamar de 6% ao ano e deve demorar para ceder mesmo com o maior aperto monetário.
A queda da inflação hoje depende muito mais do ajuste fiscal e da retomada da confiança na política fiscal, o que não é o cenário-base do mercado. Portanto, a Selic pode permanecer no elevado patamar de 15% por tempo prolongado, aumentando o custo do ajuste para a economia, tanto acelerando a dívida como potencialmente causando uma queda do PIB e aumento do desemprego.
*É economista-chefe do banco Inter
Sergio Vale: ‘Dificuldade para o BC será cada vez maior e a indefinição dos rumos da política fiscal vai demandar ainda mais juros’
![](https://www.estadao.com.br/resizer/v2/WRRMWO5IGJFLLI5EQ2FEIYS7N4.jpg?quality=80&auth=0232db45b7728e1debf6d0a04926b8f504219f6c545040674c2e7b737159d67f&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/WRRMWO5IGJFLLI5EQ2FEIYS7N4.jpg?quality=80&auth=0232db45b7728e1debf6d0a04926b8f504219f6c545040674c2e7b737159d67f&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/WRRMWO5IGJFLLI5EQ2FEIYS7N4.jpg?quality=80&auth=0232db45b7728e1debf6d0a04926b8f504219f6c545040674c2e7b737159d67f&width=1200 1322w)
Ao errar a dose do necessário ajuste fiscal, o governo ficou dependente de o Banco Central conseguir controlar, sozinho, a inflação. Mas as dúvidas com a política econômica e com o cenário externo são de tal ordem que as expectativas de inflação não param de subir, a despeito dos sinais recentes mais agressivos por parte do BC.
Certamente não estamos em dominância fiscal ainda, nem em 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma. Mas, ao seguir aumentando sua impopularidade, cada vez mais o risco aumentará de o governo ser pressionado por políticas que tentem gerar crescimento.
Se nem com todos os bons números de 2024, o governo Lula consegue sair da lona na popularidade, o que fazer para chegar bem em 2026? Esse risco de desajustar a economia ainda mais coloca em apreensão o que pode ser o cenário em ano eleitoral.
A dificuldade para o BC será cada vez maior e a indefinição dos rumos da política fiscal vai demandar ainda mais juros, pela piora contínua nas expectativas. Com juros necessariamente mais elevados, Lula pode chegar com crescimento econômico bastante baixo na eleição e colocar sua reeleição em risco. Tudo obra e fruto exclusivamente das indefinições fiscais do governo.
A alta de juros certamente não deve parar em 14,25%, mesmo o BC não sinalizando os próximos passos depois da próxima reunião. Mas coloca a indicação que são tantos os riscos presentes que não será difícil ver a Selic se aproximar de 16%.
*É economista-chefe da MB Associados