Opinião | Banco Central: independência também do mercado

Participantes do mercado também possuem seus incentivos e estão sujeitos a conflitos de interesses: é preciso ter cautela ao analisar a opinião destes agentes econômicos

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Por Fernando Dal-Ri Murcia

A autonomia e a independência do Banco Central representaram um importante amadurecimento institucional no Brasil. Este tema tem sido alvo de diversas discussões, principalmente em razão das recentes críticas por parte do Poder Executivo.

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Contudo, pouco se discute sobre a necessidade de um regulador independente também dos participantes do mercado. Recentemente, uma parcela destes tem advogado pela necessidade de aumento da Taxa Selic ainda em 2024. De fato, a curva de juros expressa pelos contratos de DI futuro precifica uma alta significativa nas taxas ao longo dos anos de 2024 e 2025 com a Selic chegando próxima de 12% no ano que vem. Atualmente, a referida taxa encontra-se em 10,50%, e a inflação dos últimos 12 meses situa-se em 4,24%.

Acontece que os participantes do mercado também possuem seus incentivos e estão sujeitos a conflitos de interesses. O objetivo é ganhar dinheiro, e uma das formas de atingi-lo é se posicionar antecipadamente no mercado. No caso, essa forma de investimento consiste em apostar nas altas ou quedas das taxas em datas futuras; no limite, ganha quem conseguir “antecipar” o que o Bacen irá fazer nas reuniões futuras do Copom.

O mercado é volátil, mas a política monetária deve ser independente das interferências políticas, inclusive daqueles que têm seus próprios incentivos econômicos não necessariamente alinhados com o mandato do Banco Central Foto: Wilton Junior/Estadão

Aqueles que estão apostando na alta dos juros querem que os juros subam. Caso contrário, irão perder dinheiro. Para gestores de fundos, isto pode significar não bater o benchmark, tomar resgates, perder cotistas e até mesmo fechar as portas. Consequentemente, é preciso ter cautela ao analisar a opinião destes agentes econômicos.

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Registre-se que a defesa da alta da Selic não é de todo descabida. O PIB tem surpreendido e o mercado de trabalho está aquecido. Contudo, as expectativas de inflação para 2025 e 2026, manifestada pelo Boletim Focus, recuaram nas últimas semanas. Os preços das commodities despencaram nos últimos meses em razão da fraca atividade econômica global, e o Fed deve iniciar o ciclo de corte de juros nos Estados Unidos a partir do mês de setembro.

Enquanto os preços das commodities possuem impacto direto na inflação, a redução dos juros americanos possui reflexos na taxa de câmbio e diminui a pressão sobre o spread presente nas taxas dos títulos públicos brasileiros.

É preciso ter calma e parcimônia. A política monetária trabalha com defasagem e, como se costuma dizer, o Bacen é um “transatlântico”. O mercado é volátil, mas a política monetária não precisa ser. Ela deve ser independente das interferências políticas, mas também daqueles que têm seus próprios incentivos econômicos não necessariamente alinhados com o mandato do Bacen.

Opinião por Fernando Dal-Ri Murcia

Professor da FEA/USP

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