Por que as projeções de inflação do BC e do mercado estão mais descoladas?

Enquanto o Banco Central estima uma inflação de 4% para 2023, economistas do mercado financeiro já preveem 5,2% e têm subido as estimativas; entenda as razões dessa diferença

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BRASÍLIA E SÃO PAULO - Nos últimos meses, as projeções do Banco Central e de economistas do mercado financeiro para a inflação em um horizonte de dois anos têm se distanciado, e a diferença entre elas está hoje no pior nível desde março de 2021, quando a autoridade monetária começou o ciclo de alta de juros.

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Enquanto o BC ainda vê espaço para reduzir a inflação de 2023 e levar o IPCA para o nível ao “redor da meta” após dois anos de estouro, o caso já é dado como perdido pela maioria dos bancos e consultorias.

Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em junho, o BC estimou que o IPCA deve ficar em 4% em 2023 – ano que é o foco atual da autoridade monetária no combate à alta dos preços. Já o mercado financeiro agora projeta que o índice deve fechar o ano em 5,2%, segundo o mais recente Boletim Focus.

O consenso do mercado para a inflação está acima da projeção do BC desde maio de 2021 e a diferença vem crescendo desde março, logo após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Até fevereiro, o desvio era da ordem de 0,3 ponto porcentual. Ela subiu e chegou a 0,7 ponto em junho, com a reunião do Copom, e hoje está em 1,2 ponto.

Também há diferença nas projeções para 2024, outro ano que está dentro do horizonte relevante da política monetária. Enquanto o mercado estima uma inflação de 3,3%, o BC prevê 2,7%.

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Para a autoridade monetária, os profundos choques da pandemia de covid-19 e da guerra na Ucrânia deixam tudo mais incerto, até os modelos de previsão. Especialistas avaliam, contudo, que avaliações diferentes sobre a economia global e a brasileira explicam parte da divergência e podem determinar quem vai terminar com a razão.

Explicações

Para André Braz, coordenador de índices de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Banco Central e o mercado financeiro enxergam os mesmos fatores que podem pressionar os preços, mas com magnitudes diferentes. Os lockdowns na China em razão da covid-19, a guerra na Ucrânia, o aumento de juros nos Estados Unidos, as eleições no Brasil com gastos fiscais e a PEC “Kamikaze” entraram no radar de todos. Mas Braz acredita que o mercado pode estar sendo mais preciso desta vez. Ele estima que a inflação termine em 7,5% neste ano e em até 5,7% no ano que vem.

“Há uma adversidade maior no cenário que vai além da nossa fronteira e que influencia a persistência inflacionária no mundo todo. O Federal Reserve (o banco central dos EUA) está lutando contra a inflação americana, que no mês passado veio acima da expectativa”, diz o economista. “Se está difícil para economias mais sólidas, imagina para a brasileira, que vive problemas domésticos e também é vítima de problemas internacionais.”

A combinação de maior risco fiscal brasileiro e aumento de juros americanos tende a fazer com que investidores estrangeiros tirem recursos de países emergentes, como o Brasil, e busquem rendimento em economias mais sólidas. A saída de capital pressiona o câmbio e os preços de produtos influenciados pelas cotações internacionais em dólar, como alimentos e combustíveis.

Por aqui, a taxa básica de juros está a 13,25% ao ano, e algumas casas de investimento já veem a Selic a 14% ou mais, por mais que a expectativa seja a de recuo da inflação com o teto do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em vigor.

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“O IPC-S (Índice de Preços ao Consumidor - Semanal) da FGV referente à segunda semana de julho, por exemplo, saiu de uma variação de 0,72% para 0,24% em 15 dias exatamente por conta do ICMS. Mas se tirássemos a contribuição da gasolina e da energia, ele subiria de novo para 0,72%”, diz Braz. “O resultado mostra que a inflação continua alta e persistente para todo o restante. E mostra para o mercado que existe a necessidade de continuar combatendo a inflação.”

Premissas diferentes

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O diretor de Política Econômica do Banco Central, Diogo Guillen, argumentou na semana passada que o modelo usado pela autoridade monetária tem diferenças de premissas. A principal delas é a hipótese – adotada pelo BC desde março – de uma menor volatilidade do preço do petróleo até o fim do ano, que até agora não convenceu o mercado.

O diretor admitiu discrepâncias também na análise da trajetória de preços de bens industriais e na definição da taxa de juros considerada neutra (aquela que nem restringe nem estimula a atividade econômica) – para o BC, agora em 4%. E também avaliou que as mudanças geradas pela pandemia na economia podem demandar ajustes nos modelos de previsão.

Para o analista da Tendências Consultoria Marcio Milan, houve uma mudança estrutural na economia após a pandemia de covid-19, o que significa que os pesos de cada item na cesta de inflação podem ter que ser revisados até que uma sintonia fina encontre a nova realidade.

“Os choques têm sido mais prolongados e os modelos têm tido dificuldade em captar essa mudança. Isso tem gerado uma maior volatilidade nas projeções, com uma variabilidade de estimativas muito maior do que era no passado”, avalia.

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Ainda assim, Milan considera que o BC parece estar “muito tranquilo” em relação à inflação de 2024, que já começou a desancorar aos olhos do mercado.

“Temos o IPCA acima do teto da meta já por dois anos seguidos, as projeções para 2023 já estão bem acima da meta e o ano nem começou. Vem aí uma mini-pauta bomba com a alta dos impostos federais sobre combustíveis, com uma porrada para cima nos preços. O cenário é cada vez mais preocupante”, afirma Milan.

À espera da recessão?

Para o economista da Tendências, o BC pode estar confiando em uma recessão nos Estados Unidos para esfriar a demanda global, empurrando preços internacionais para baixo com mais rapidez. “Mas é um risco contar com um fator externo que o modelo não captura. Não se sabe se isso vai acontecer ou não”, completa.

O Copom mantém há um ano a possível reversão, “ainda que parcial”, dos preços de commodities em reais, como um fator favorável à baixa de inflação no balanço de riscos – sem materialização até agora. Mas, com as chances crescentes de recessão global, houve redução das cotações em dólar do petróleo, do milho e do trigo no último mês.

Considerando o valor em real, contudo, Vitor Martello, economista-chefe da Parcitas Investimentos, observa que os preços estão “de lado” desde o início do ano e avalia que assim devem ficar até meados de 2023, mesmo se houver uma forte desaceleração da atividade econômica global, por problemas de oferta.

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Posto de gasolina; economista Vitor Martello aponta efeito rebote das desonerações de combustíveis como o que mais explica a diferença de projeções entre BC e mercado para 2023.  Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Para Martello, o que mais explica a diferença de projeções entre BC e mercado para 2023 é o efeito rebote das desonerações de combustíveis (com impacto de 0,6 ponto na inflação do ano que vem) e um possível efeito de demanda de consumo mais aquecida por causa dos benefícios liberados pela PEC “Kamikaze” (0,3 ponto). Sua projeção atual para a inflação de 2023 é de 5,3%.

Já a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitoria, reduziu sua projeção de IPCA em 2023, de 4,80% para 4,40%. Ela considera que deve haver uma menor pressão de reajustes de preços com base na inflação deste ano e a expectativa de queda dos preços de commodities devido à perda de fôlego da economia mundial.

“A incerteza está pendendo para uma demanda menor. O movimento de commodities reflete isso. O BC pode ir com mais cautela na política monetária e aguardar o impacto na economia”, diz ela, que espera que a Selic termine o ciclo em 13,75%.

O economista Alexandre Lohmann, da Constância Investimentos, avalia que o cenário mais provável é algo no meio do caminho entre o cenário do BC e as projeções mais recentes do mercado para a inflação de 2023, já na casa de 5,6%. “Pode ser factível ficar abaixo do teto da meta no ano que vem. Mas o BC está muito otimista. A inflação no Brasil é muito inercial. Não acredito que vai ter desinflação para baixo de 4% (em 2023)”, diz.