Depois de reforçarem suas estruturas fora do País, bancos brasileiros lançam mão de nova ofensiva para atrair recursos de brasileiros e latinos endinheirados – o cenário de queda de juros na região deve contribuir para uma quebra das fronteiras nos investimentos. Enquanto BTG Pactual e Bradesco preparam o lançamento de contas globais nos próximos meses, o rival Itaú Unibanco, que preferiu o caminho inorgânico, aguarda o aval do Banco Central (BC) para colocar os pés na americana Avenue. Por sua vez, o mineiro Inter, após duas aquisições nos Estados Unidos, decidiu começar o negócio da sua corretora do zero no país.
Diferentes estratégias têm em comum o mesmo alvo: preparar o terreno no exterior, em especial, nos EUA, para receber recursos que podem migrar para fora do País em busca de diversificação da carteira de investimentos. A diferença agora é que a mira não está somente nos super-ricos, mas também na ponta do varejo com fôlego para expor um pedacinho do seu portfólio no exterior, fora a ambição de atrair também recursos de investidores da América Latina. Em uma disputa mais difícil com os pesos-pesados de Wall Street, os planos visam até mesmo os americanos.
Na primeira metade do ano, uma mostra de movimento de migração internacional foi sentida após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, com a guinada à esquerda na América Latina, e ainda o dólar abaixo de R$ 5,00. Teve banco brasileiro que chegou a captar mais fora do que dentro de casa, em um fato inédito na história desse conglomerado, diz um executivo, na condição de anonimato.
VOLUME. Para os próximos anos, a expectativa é de que um maior volume de recursos migre para os EUA e Europa em meio à necessidade de diversificação dos investimentos e a queda dos juros no Brasil – e, mais à frente, no mercado americano. O presidente da Avenue, Roberto Lee, estima que R$ 1 trilhão de recursos de brasileiros devem desembarcar em solo americano na próxima década.
Dados do BC mostram entradas no total de US$ 165 milhões de investimento brasileiro no exterior no primeiro trimestre. Em 2022, o saldo havia ficado negativo em US$ 251 milhões após o recorde de US$ 15,4 bilhões em 2021.
De olho no potencial futuro, a Avenue, que viu seu volume de captação saltar desde que trouxe a grife “Itaú” para o negócio, mira novas aquisições como a da startup myProfit, voltada a facilitar a vida do investidor de Bolsa em cálculos de impostos e de performance.
A corrida dos bancos ao exterior para abrir contas para os brasileiros agita a concorrência. O Itaú movimentou o mercado com a compra de uma fatia da Avenue. O rival Inter, por exemplo, decidiu montar esse negócio do zero nos EUA. O banco acaba de receber a licença da Financial Industry Regulatory Authority (Finra, agência autorreguladora de corretagem nos EUA) para operar como corretora de investimentos no país por meio da Inter&Co Securities.
O Inter pretende lançar ainda duas filiais fora do país, uma nas Ilhas Cayman e outra em Miami (EUA), e também vai estruturar uma plataforma de “wealth management” para atender os clientes endinheirados.
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Para tocar a nova fase de expansão do banco mineiro nos EUA, o diretor da Inter Invest, Felipe Bottino, se mudou para Miami. Ao seu lado, está Cassio Segura, executivo sócio da recém-adquirida YellowFi, com foco em financiamento imobiliário nos EUA, e que foi ainda CEO do BB Americas no passado. “A gente não quer servir única e exclusivamente para o brasileiro. Um dos sonhos grandes é ter também o investidor americano”, disse Bottino.
VENDA. Com a proximidade da autorização da venda de parte da Avenue para o Itaú, outros concorrentes que utilizavam a corretora americana fundada por Lee também começam a se mexer. O BTG Pactual prepara para o terceiro trimestre a conta para investimentos nos EUA para clientes de varejo.
Até então, o banco oferecia o acesso ao mercado americano apenas aos clientes com US$ 250 mil ou mais para investir. A plataforma vai começar com a disponibilidade de ações, que era a maior demanda dos clientes do banco, segundo Marcelo Flora, sócio e responsável pelas plataformas digitais do BTG. O plano é, em seguida, adicionar fundos e depois renda fixa.
“Dependendo da configuração do nosso parceiro, se for um family office, por exemplo, ele pode abrir a conta do cliente dele onde quiser. Mas o que estamos construindo aqui é justamente para garantir ao meu parceiro que ele não precise abrir conta em outra instituição. Ele terá uma única conta, menos complexa, com menos custo operacional”, diz Flora.
Já a XP oferece conta de investimentos internacional desde maio de 2022, mas em um passo adiante acaba de disponibilizar 100 fundos diretamente no exterior. O serviço está disponível aos clientes com mais de R$ 10 mil na plataforma de investimentos, o que significa uma base de mais de um milhão de contas. Segundo Diego Correia, gestor na área de investimentos internacionais da XP, o número de clientes com a conta vem duplicando a cada 15 a 25 dias.
MATURIDADE. Correia avalia que a expansão da oferta de formas para acessar o exterior surgiu a partir da maturidade do investidor, que passou a ver a importância da diversificação geográfica de seus ativos. “Em consequência, o movimento dos players é geral. Não é de fintech ‘A’ ou bancão ‘B’. Se você não tiver isso para o cliente, alguém vai ter.”
A XP começou com fundos de índice (ETF, na sigla em inglês), ações e fundos imobiliários (Reits, na sigla em inglês). Depois, adicionou ao cardápio os títulos do tesouro americano e de renda fixa.
Em paralelo a uma nova injeção de recursos em seu banco nos EUA, o Bradesco traz a público em julho sua conta internacional digital. O conglomerado optou por construir a sua solução dentro de casa, em uma unidade nas Ilhas Cayman. Voltada a quem viaja ao exterior, a My Account permite ao cliente comprar dólar pelo câmbio comercial e acesso aos recursos no exterior por meio de um cartão de débito. O objetivo do banco é que no futuro a conta seja uma ponte para quem deseja investir, de acordo com Roberto Medeiros, diretor internacional e de câmbio do Bradesco.
O anúncio da conta internacional do Bradesco é mais um passo para crescer nos EUA. O banco inaugurou a nova sede do antigo BAC Florida Bank, que foi rebatizado para Bradesco Bank, em abril último, e prevê concluir neste mês o aporte de US$ 230 milhões para ter combustível para crescer em território americano. Com a nova injeção, o Bradesco elevará o investimento em seu negócio nos EUA em cerca de 50%, para US$ 730 milhões (quase R$ 4 bilhões), desde que o adquiriu, em 2019.
DIVERSIFICAÇÃO. Parte da diversificação para o exterior deve ocorrer por meio de fundos de índices, chamados ETFs, no jargão de mercado, o que atraiu a Global X, maior gestora de ETFs do mundo, com sede nos EUA, a desembarcar no Brasil há cerca de um ano. “É inexorável. Isso vai acontecer. No mundo inteiro aconteceu e estava acontecendo no Brasil até a Selic alcançar o nível em que está hoje”, diz o diretor-geral da Global X Brasil, Bruno Stein. A gestora mira US$ 1 bilhão até 2025 no País. Em seu primeiro ano, já atraiu cerca de US$ 150 milhões.
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