Em um país onde a sociabilidade muitas vezes se constrói em torno de mesas de bares e restaurantes, o setor de alimentação fora do lar é muito mais do que um motor econômico: é um reflexo da identidade brasileira.
No entanto, os impactos de crises recentes, como a pandemia, evidenciaram fragilidades estruturais desse segmento. Com uma informalidade ainda alarmante e desafios de produtividade, o setor enfrenta um momento crucial para redefinir seu papel na economia e na sociedade.
Foi com esse pano de fundo que a conferência Bares e Restaurantes no Brasil, promovida pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), reuniu, no último dia 2 de dezembro, um público seleto de acadêmicos, líderes empresariais e autoridades, em São Paulo. O evento trouxe à luz um estudo inédito elaborado pela Escola de Economia de São Paulo da FGV (FGV EESP), que apresenta um diagnóstico abrangente do setor e propõe soluções para superar os entraves e melhorar a produtividade do setor.
Durante o encontro, temas como carga tributária, inovação e formalização foram explorados em profundidade, revelando um setor em transformação. “Nosso desafio é oferecer à sociedade iniciativas integradas que resgatem um segmento vital, mas ainda desestruturado”, afirmou Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, na abertura dos painéis. Solmucci lembrou que o setor enfrenta altos níveis de endividamento e informalidade, mas reiterou a importância de ações coordenadas.
O estudo apresentado revelou números impactantes: o setor representa cerca de 3,6% do PIB nacional e emprega 5 milhões formalmente, além de outros milhões na informalidade. “Sem resolver a informalidade, não haverá ganhos de produtividade”, destacou Márcio Holland, professor da FGV EESP, que coordenou o levantamento.
Desafios do setor
Nos dois blocos seguintes, líderes empresariais de organizações como Ambev, Coca-Cola, iFood, Diageo, JBS e Febraban debateram os principais gargalos do setor. Entre os desafios importantes discutidos, destacaram-se a alta carga tributária, os custos operacionais elevados e o difícil acesso ao crédito.
No primeiro bloco, Isaac Sidney, presidente da Febraban, destacou a necessidade de maior formalização e mais acesso aos dados do setor para melhorar as condições de crédito. “Sem informações claras e garantias, o custo do crédito para micro e pequenas empresas é muito alto”, explicou. Já Paula Lindenberg, presidente da Diageo, frisou o papel da inovação no setor. “Estabelecimentos que investem em experiências sofisticadas têm um público mais diversificado e rentável”, disse.
Inovação e capacitação: um caminho para o futuro
Já no segundo bloco, representantes de empresas como iFood e Ambev apresentaram iniciativas para aprimorar a gestão e promover a capacitação. Felipe Hagen Crull, diretor de Relações Institucionais do iFood, destacou o programa de crédito personalizado para pequenos empreendedores e o uso de inteligência artificial para otimizar estoques e pedidos. “Nosso objetivo é aumentar a produtividade e ajudar os parceiros a crescerem”, afirmou.
João Rua, vice-presidente de Vendas da Ambev, por sua vez, trouxe exemplos de como tecnologia e dados podem transformar os negócios. “Mais de 80% das nossas transações no nosso aplicativo Bees são baseadas em inteligência artificial, garantindo que nossos parceiros comprem o necessário para otimizar estoques e aumentar a rentabilidade”, disse.
Sinergia e perspectivas
O evento também reforçou a importância da colaboração entre empresas, governo e entidades do setor. A Coca-Cola, representada por Daniel Kastrup, diretor sênior de Varejo da empresa, compartilhou como ações coordenadas podem impactar positivamente a experiência do consumidor e a rentabilidade do setor. “A união de esforços é essencial para promover um ambiente de negócios mais saudável e sustentável, beneficiando toda a cadeia de valor”, afirmou.
Para o presidente da Abrasel, é fundamental que os esforços sejam direcionados de forma conjunta. “A união de forças entre empresas, governo e entidades é essencial para construir um Brasil mais simples para empreender e melhor para viver. Esse é o nosso compromisso com o setor e com o País”, pontuou Solmucci, ressaltando que essa união visa trazer sinergia às ações.
Por fim, a conferência marcou um compromisso coletivo com o futuro dos bares e restaurantes e deixou um legado que, se implementado, poderá transformar a realidade de milhões de brasileiros que dependem diretamente do setor de alimentação fora do lar. “Estamos apenas começando”, concluiu Lilian Furquim, diretora da FGV EESP, ressaltando a disposição da Fundação em continuar contribuindo para o desenvolvimento do setor.
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